Saturnia, Stranded In The Green

“Stranded In The Green” é o oitavo álbum na discografia dos Saturnia, editado pela Sulatron Records. Como sempre, o disco foi gravado na sua maioria pelo mago psicadélico que é o Luís Simões, que assumiu vozes, guitarras, sitar, tampura, baixo e respectivos pedais, gongo, bateria e a panóplia de teclados que inclui Rhodes e Mellotron. Será realmente psicadelismo ou prog se não existir Mellotron?

No anterior “The Seance Tapes”, Simões dedicou-se a rever e a reformular os seis álbuns anteriores, tornando-os menos criptícos, oferecendo maior ordem ao teor semi improvisacional original, tornando o psicadelismo numa massa mais concreta, até pelo efeito prático da abordagem mais “quadrada” das baterias. E essa consolidação da sonoridade foi mantida de modo extraordinário neste trabalho, onde ainda é o psicadelismo o elemento principal, mas soando mais organicamente rocker, ainda que suavizado.

Na altura, em entrevista promocional para as “Seance Tapes” e já com este “Stranded” em mente, Simões dizia-nos: «Os discos anteriores eram como que uma criação suspensa no vácuo. Com a actual abordagem e preponderância da bateria, este disco e o próximo, o qual não tem ainda título, serão mais vivenciais. Mais na esfera do físico e do corpóreo, sendo que Saturnia tende mais para o astral e para o etéreo. Todavia o próximo disco não será uma coisa tão rockeira, porque também reajo a mim próprio. Fazendo agora uma coisa mais agressiva, a próxima será mais suave. Mas serão discos mais vivenciais, inclusive o próximo poderá ser feito mais à Led Zeppelin III, num sítio específico para isso».

O sítio foi a Lagoa do Calco, no Estuário do Sado. Onde Simões fundei com mestria alquímica o misticismo, a luz solar, os ciclos de renascimento das vinhas, da natureza, com a sua música. Criando uma cápsula espaço-temporal irresistível. Se nos fixarmos no número oito, no seu simbolismo no tarot e outros contextos esotéricos ou místicos, estamos diante do infinito, da suspensão temporal, do loop. E é assim que se ouve o oitavo disco de Saturnia. Com cada tema a fomentar uma aura mântrica, propulsionada por um refinado sentido de groove e colorido por referências kraut e space rock.

Depois da introdução “Pan Arrives”, com a voz de Ana Vitorino, o arrasador balanço de “Keep It Long”, aquele sumptuoso solo de djembe de Winga, prende-nos logo nessa suspensão temporal. Será difícil saltar desse extraordinário malhão, mas vale a pena fazê-lo pela arquitectura Moody Blues de “Fibonacci Numbers”, pelos Rhodes à Ray Manzarek em “Super Natural”, os enleantes improvisos em reverse delay de “Perfectly Lonely” ou o jazzy “Just Let Yourself Go”.

É curioso que o disco tenha chegado numa altura em que quem vos escreve andava batido no “álbum rock” dos Popol Vuh, “Letzte Tage – Letzte Nächte”. Isto para dizer que somos rápidos a elogiar bandas estrangeiras e clássicas e demoramos a reconhecer o génio daqueles que nos são mais próximos e contemporâneos. Vão ouvir este disco e perceberão o que se pretende dizer com isto.