Michael Lauren, O Cowboy Bebop Português

Temos a sorte de um músico de elite mundial, como o baterista norte-americano Michael Lauren, ter escolhido o nosso país para residir e trabalhar. Apresentamos uma síntese da sua criação musical mais visível na última década.

Nascido em Nova Iorque, Michael Lauren começou a tocar bateria aos 8 anos. A sua arte funde os limites do jazz, funk, blues e do rock. É um membro fundador do colectivo mundial Drummers Collective NYC, onde ensinou durante mais de vinte e cinco anos. Michael foi professor de Drum Set Studies (2003 – 2020) e chefe do Departamento de Jazz (2005-2010 & 2015-2017) na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo (ESMAE) no Porto, Portugal. Actualmente é professor de Drum Set Studies na Escola Superior de Música Jam Session (Barcelona, Espanha) e é fundador e director artístico da The International Drum Academy, Lisboa, Portugal.

Michael actuou com Paul Anka, Chuck Berry, Charles Brown, Tom Jones, Benny Golson, Tom Harrell, Rick Margitza, Bob Mintzer, Milt Hinton, Bob Stewart, Dena DeRose, Jerry Jemmott, Kenny Davern, Bill Frisell, Mike Stern, Silje Nergaard, Bobby Radcliff, Robert Kraft, Darlene Love, Cornelius Bumpus, Ted Curson, Orquestra de Jazz de Matosinhos, Jorge Costa Pinto Big Band, Orquestra Jazz Algarve, Quinteto Mario Santos, The Postcard Brass Band, Hugo Alves Quartet e muitos outros. Focamo-nos na sua actividade, já no nosso território, na última década.

There is no mais ou menos!

Michael Lauren

Em 2015 criou os All Stars e o seu primeiro álbum, “Once Upon A Time In Portugal”. Em “Bonfim Blues”, original de Michael Lauren, ouvimos de forma bastante clara a generosidade desta lenda do jazz que, numa condução tão sólida quanto livre, se recosta numa execução subtil e aberta às manifestações de destreza de cada um dos músicos, individualmente e de todos no seu recruzar sónico. Aliás, exceptuando Carlos Barretto, cada um dos músicos possui uma composição sua aqui gravada. Mas apesar de Barretto não estar presente como autor, a sua prestação, com “Outras Viagens” como estandarte, é suficiente assinatura no disco.

Depois, a ferocidade técnica dos All Stars nunca soa como exibição gratuita e circense, apresentando sempre um charme cujo zénite está registado na soberba “Seven Ties Corp.”, de Hugo Alves. A percorrer todo o álbum está aquela suavidade com que o grupo reunido por Michael Lauren, logo a abrir o disco, parece ilustrar “Minor Strain”, original de Bobby Timmons, como algo feito sem esforço. Mas transpor alma com tal coolness para a impulsividade excitante do lendário pianista nova-iorquino é coisa, de facto de All Stars. Hugo Alves (Trompete), Carlos Barretto (Contrabaixo), Jeffery Davis (Vibrafone), Nuno Ferreira (Guitarra), José Menezes (Saxofone) e Diogo Vida (Piano), soam portentosos a acompanhar a propulsividade poli-rítmica do baterista.

Depois, em 2018, chegou “Old School/Fresh Jazz”. E se o primeiro álbum dos All Stars é uma tremenda colecção de destreza técnica e charme cheio de coolness, este é ainda mais desafiante, mais arriscado, mais tudo. Um disco que inclui vários estilos e que mostra o estado eclético do jazz contemporâneo! Uma suma emocionante, acessível e didáctica, enraizada na melhor tradição do hard bop, tradição tão querida ao baterista que se fez português. «Com melodias fortes e solos concisos “Old School/Fresh Jazz” mistura peças mais longas com duetos que mostram a grande versatilidade de Lauren como baterista e exaltam os tremendos talentos que compõem os All Stars», dizia João Moreira dos Santos (Antena 2). So true!

Em 2020, o baterista Nico Guedes reuniu um grupo de elite de músicos para o seu novo projecto Nico Drums & Blues. “Let’s Talk” foi a música de estreia com Michael Lauren como convidado especial. Ocasião para, uma vez mais, o norte-americano que Portugal adoptou mostrar o seu enorme balanço e versatilidade. Dizia o press: «Numa canção que fala da aproximação de duas pessoas através da conversa como forma de entendimento, a escolha de um shuffle para mostrar este projecto não foi por acaso. Este é um perfeito exemplo importância do ritmo nas definição do género, e recorrendo a uma harmonia fresca, António Mão de Ferro [guitarra] e Carl Minnemann [baixo] revelam a estrutura de um Blues contemporâneo».

Nos últimos tempos, o projecto All Stars foi colocado em hiato (assim parece, pelo menos) e o baterista focou-se no Michael Lauren Trio, onde fundamenta os concertos no “Hard Swinging and Funky Jazz” dos guitar trios clássicos norte-americanos. A sonoridade é simples, mas vibrante, mais crua e mais directa, expondo os três instrumentos a uma execução de maior exigência, para maior ocupação do espaço harmónico. Michael Lauren promove abundância de swing e groove na fusão que o trio faz de hard swinging e um jazz algo funky, com as guitarras exuberantes e intensas do guitarrista Vasco Agostinho e o contrabaixo elegante e sólido de João Custódio. A fluidez da interactividade dos três músicos é notável, revisitando clássicos e apresentando melodias originais e cativantes, exalando autenticidade.

Em 2022 chegou o álbum de estreia do trio, com direito a elogiosa crítica nestas páginas. Gravado ao vivo, com Budda Guedes atrás da consola a assinar um trabalho que, diga-se já, se destaca pela amplitude do som de bateria e pela profundidade do contrabaixo e da guitarra, tudo envolvido numa sonoridade pujante e orgânica. De resto, os temas gravados são originais de Michael Lauren, de Vasco Agostinho ou de ambos. O tema de abertura é “Biji”, um original do lendário Sonny Rollins, com arranjos de Lauren e do guitarrista Vasco Agostinho. Introduz-nos logo numa dinâmica bastante energética e deixa bem ilustrado o enorme espaço no qual se movem os três instrumentos e o sumptuoso preenchimento de pratos que Lauren promove na ocupação desse espaço. Deixa também claro que esta gravação é um trapézio sem rede, com algumas impurezas nas notas – algo que afirmamos com total reverência – mas com um enorme feeling na interpretação. “Live At Mobydick Records” foi um dos trabalhos que elegemos na nossa lista de Melhores Álbuns Nacionais de 2022.

Sr. Professor

No seu papel de professor editou alguns estudos de relevância. Nas nossas páginas destacamos dois livros, “The Book Of Silence” e “The Encyclopedia Of Doube Bass Drumming”. “The Book of Silence”, ao contrário da grande maioria dos livros de metodologia musical e instrumental, foca-se no trabalho e domínio do tempo musical e mergulha profundamente nos rácios das sub divisões. Trata-se de um manual inovador, único no género. Já “The Encyclopedia Of Double Bass Drumming” é bem capaz de ser a definitiva obra sobre o assunto, que é o domínio da bateria de bombo duplo. Bobby Rondinelli dos Rainbow, Black Sabbath e Blue Öyster Cult e Michael Lauren elaboraram o mais completo trabalho alguma vez escrito sobre o tema.