The Cure, Spiders & THRs: Da Sydney Opera House para o Passeio Marítimo de Algés

Olhamos os Yamaha THR100, os Line 6 Spider V e umas unidades exóticas que Reeves Gabrels e Robert Smith usaram na digressão dos 30 anos de “Disintegration”. Recordamos ainda os bootlegs dos concertos dos The Cure na Sydney Opera House e em Lisboa, no festival Alive, em 2019, a miríade de delays e reverb e os palcos deslumbrantes de duas fantasias góticas, shoegaze e pós punk.

Por aqui, somos fãs do arcabouço do Yamaha THR100. Aliás, de qualquer THR. Reeves Gabrels, braço direito de Robert Smith nos The Cure, parece concordar. Afinal o guitarrista usou essas unidades nos concertos da digressão iniciada com as actuações na Sydney Opera House, transmitidas gratuitamente para todo o mundo, tal como aconteceu no NOS Alive’19. Felizmente, ambos os concertos podem ser revividos no YouTube. O australiano de forma oficial, o português de forma oficiosa.

Nos cabeços estreados em 2016, a Yamaha procurou capturar o nível de interacção dos componentes entre os altifalantes e o amplificador (essa a realidade conhecida como damping factor) e promete surpreender. Os modelos pré-configurados de válvulas são: 6V6, EL84, KT88, 6L6GC e EL34. Recordando que os THR não incorporam válvulas reais no seu design, usando a Tecnologia VCM (Virtual Circuitry Modeling) da marca para reproduzir as características de cada um destes tipos de válvulas. Todavia, este é um grande passo, afinal, em qualquer amp, a escolha das válvulas pode marcar toda a diferença. Desde o calor, suavidade e riqueza harmónica, de uma 6V6 aos médios pronunciados e graves cerrados de uma EL34, alterar as suas válvulas é o mesmo que alterar o amp. Contudo, isso pode ser difícil; escolher as válvulas certas, trocá-las e ajustar a polaridade do amp (bias), pode custar tempo e dinheiro e é fácil errar, se não têm a certeza do que estão fazer. Assim, de forma super fácil, podem até escolher entre a suavidade de compressão e resposta e a distorção old-school de um classe A ou a cerrada resposta de graves, amplo headroom e dinâmicas de um classe A/B para cada tipo de válvula.

Na capital portuguesa, porém, o guitarrista usou umas unidades bastante exóticas, modelos Audio Kitchen. São cabeços Class A, de 50 watts e três válvulas KT88 na secção de potência em cada um. Gabrels usa-os desde 2013 e originalmente ligava-os a colunas Hiwatt 4×12 e actualmente a MESA/Boogie 2×12.

Já o frontman da banda optou por usar unidades Line 6 e quebrar um certo tabu de que se tratam de amps de home studio ou de treino. No concerto foi possível ver Smith ladeado por 4 modelos Line 6 Spider V. A Line 6 apresentou o poderosíssimo Spider V 240HC, em versão cabeça e combo, na NAMM’17. Foi o primeiro amp do mundo a incluir um sistema de espectro stereo completo integrado no seu circuito, permitindo operação isolada, como combo de 50 watts ou como amp de guitarra acústica. Ligado à coluna Spider 412, o Spider V 240HC torna-se num half stack de 240 watts, com capacidade stereo (de espectro total) e uma gigante potência para todos os tipos de estágios de sinal de guitarra. Como sucede com os restantes modelos da gama Spider V, possui uma vasta colecção de emulações, contando com cerca de 200 tipos de amps, colunas e efeitos, além de 100 presets de sons de estúdio e característicos de alguns dos mais icónicos artistas de sempre. Via cloud, com a app iOS e Android Spider V Remote, podem aceder-se a mais de dez mil sons diferentes. O interface de edição, intuitivo e de operação rápida, torna fácil trabalhar tal quantidade de informação.

Recordando a actuação em Lisboa, em 2019. Uma das guitarras de assinatura do frontman, a imponente Schecter Ultracure, tem escrito qualquer coisa como «citizens not slaves» – Robert Smith, o revolucionário. Tal como em 2012, os The Cure ultrapassaram as duas horas de concerto. Reeves Gabrels mostrou-se um guitarrista enorme e trouxe bons solos de guitarra e encadeamentos melódicos aos dedilhados carregados de delays de Smith. A banda esteve impecável, o palco visualmente deslumbrante e o som bastante bom, tudo considerado. Todavia, o público foi debandando aos poucos. Fadiga pela duração do concerto? Dia de trabalho? Seja o que for, a organização devia repensar estes horários que colocam um headliner (ou qualquer outra banda, na verdade) a tocar para lá das 02h da madrugada. E foi pena, porque o foco e profissionalismo dos músicos, com execuções de elite, foram das poucas coisas refrescantes na noite de calor sufocante que se abateu sobre lisboa.

Robert Smith é talvez o frontman mais improvável da história da música. A pose de timidez mal disfarçada, de gestos bizarros transformados em imagens de marca. O quanto ali veio de uma real dificuldade em lidar com qualquer tipo de holofote e quanto é pensado para ser um veiculo de expressão emocional, um ícone vivo? Sempre foi difícil de dizer. De qualquer forma ele já faz de ele próprio há muitos anos, ninguém o faz melhor do que ele, e hoje fá-lo melhor que nunca. A banda alternou com perícia de mestres as dinâmicas do concerto, temos músicas lentas (longas, arrastadas, introspectivas, muitas vezes doridas) e temos músicas rápidas (pop, festivas, ritmadas). Um resumo de carreira feito com elegância.

“Disintegration” será o álbum em maior evidência, afinal o mote desta digressão foi o seu 30º aniversário, através de “Fascination Street”, “Last Dance”, “Lovesong”, “Lullaby” e “Pictures Of You” (esta um dos momentos maiores do concerto). Outras músicas esperadas e presentes foram “Just Like Heaven”, “A Forest” ou “In Between Days”. “Burn”, uma favorita pessoal, ouviu-se logo de início (por motivos óbvios, outro dos momentos mais celebrados por nós) e a sequência final foi do mais crowd pleaser que pode haver: “Friday I’m In Love”, “Close To Me”, “Why Can’t I Be You?” e, naturalmente, “Boys Don’t Cry”. O ritual foi mais uma vez cumprido e ninguém pareceu sentir-se defraudado.

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