A Épica Pedalboard de Miguel Fonseca

Miguel Fonseca (Bizarra Locomotiva/Thormenthor/Plastica) revelou a sua gloriosa pedalboard, carregada com uma mistura de pedais clássicos e exóticos para um efeito demolidor. Aqui descodificamos cada uma das stompboxes.

A Lisnave foi a sua mãe musical, aquela nascente de ruídos de decapagem dos petroleiros, das sirenes, dos guindastes, do próprio pórtico do Estaleiro da Margueira, que tinha um sistema de esferas que criava sons hipnotizantes e o constante subgrave que emanava dos motores dos petroleiros. Sons que Miguel Fonseca gravava com um gravador Yamaha de quatro pistas vintage ou num antigo Telefunken em fitas de 7’’ e que, ainda hoje, usa recorrentemente. Aliás, dessas ideias surgiram composições dos sacrossantos Thormenthor, o onirismo pop rock dos Plastica ou o poder de Bizarra Locomotiva.

Por estes dias, o guitarrista partilhou nas suas redes sociais uma chapa com a sua pedalboard actual, um gargantuesco golem de devastação sónica que vamos “desmontar”. Primeiro, a identificação e, depois, unidade a unidade (excluindo os utilitários). Assim e da esquerda para a direita, temos: Death By Audio Echo Dream 2; JPTR FX Kaleidoscope; RockBoard ISO Power Block V16; EHX Ravish Sitar Emulator; TC Electronic DITTO Looper; MXR Phase 90; Strymon Flint; EHX Small Stone; Aramat Effects Green Machine; BOSS PS-3; Ibanez WH10 Wah; JPTR FX Super Weirdo; BOSS DD-5; BOSS RE-20 Space Echo; Browne Amplification Protein; Tech 21 SansAmp GT2; TC Electronic POLYTUNE 3 Noir.

Death By Audio Echo Dream 2 | Um pedal de delay poderoso, etéreo e matizado, com controlos de outro mundo. Carregar no feedback abre vastos e coloridos mundos sónicos. Introduzir um pouco de distorção com o modulador empresta algo sinistro aos sons chorus e abusar desse comando torna tudo encantadoramente caótico. Assim que os contorções do delay estão determinandos, aumentar o fuzz pulveriza tudo em estilhaços repetidos. Soa realmente bem, desde sons delicados e bonitos até aos grandes vazios de fuzz e feedback.

JPTR FX Kaleidoscope | Tal como o seu homónimo óptico, o Kaleidoscope reflecte o sinal, seja uma ou mais vezes, com cada uma das duplicações a intrincar-se de forma harmoniosa enquanto adiciona compressão, modulação e abundante frenesim de feedback ao sinal original. Vem equipado com controlos de Volume, Compression, Feedback, Swell e Mix, para ir de calorososa suavidade a um agressivo sussuro obtido através do Kill-Dry Switch. Para se conseguir uma rampa de feedback que faça com que a reverberação entre em auto-oscilação, mantenha-se o interruptor Hold pressionado. Retrocedendo a reverberação e trabalhando o controlo Feedback, surgem oscilações rítmicas e exuberantes nas camadas de som, que também pode ser puxado para soar saturado e com enorme sustain.

Electro-Harmonix Ravish Sitar Emulator | Basicamente, sintetizador para guitarra num pedal polifónico com capacidade para criar ressonância de cordas em torno do som principal e ajustável, reagindo à dinâmica e aplicações feitas pelo músico. Pode criar escalas personalizadas, ajustar a ressonância e volume das cordas e determinar o decay da nota principal. Há uma míriade de opções que tornam o Ravish Sitar um pedal verdadeiramente inovador, dono de uma flexibilidade asosmbrosa. O Miguel confessava-nos, em certa ocasião, que o usa «mais para fazer drones também com o looper, faço uma sitar por baixo ou mesmo umas escalas mais indianas ou mais étnicas».

TC Electronic DITTO Looper | Bastante simples e intuitivo, dono de um excelente headroom, óptimo true-bypass e o som analógico, com 5 minutos máximos em áudio 24-bit de capacidade de loop e overdubs ilimitados e ainda funções undo/redo, tudo controlado por um único knob. Além disso, um switch interno permite alterar a funcionalidade do pedal da sequência loop/play/overdub para loop/overdub/play. I/Os em stereo.

MXR Phase 90 | Sem precisam que vos digam quem o usou ou que descreva o calor e o swoosh que esta unidade pode acrescentar ao som, talvez estejam no tipo de site errado. Vão lá ao Blitz, vá!

Strymon Flint | Uma mágica combinação de Tremolo e Reverb no mesmo pedal. Incluídos 6 circuitos distintos (3 tremolos e 3 reverbs), cada um inspirado em efeitos clássicos das décadas de 60, 70 ou 80, mas com o toque Strymon. Na metade de Tremolo temos dois controlos: Intensity e Speed. Na metade Reverb encontramos os controlos: Mix e Color. Para ambas há o controlo Decay e cada uma das metades podem ser accionadas independentemente, permitindo três combinações distintas. Tem uma entrada para pedal de expressão. O Miguel tem, pelo menos, os botões modificados. Fica por apurar se o seu pedal tem mais mods.

Electro-Harmonix Small Stone | Estas unidades lendárias e há muito fora de produção tinham um único defeito: ao ser activado, o pedal provocava uma queda no volume. Criado em 1974 por David Cockerell, este phase shifter de quatro estágios ussava amplificadores de transcondução operacional. O EH4800 empresta vasto poder de modulação com controlos bem simples, o Rate (para determinar carácter) e o switch Color, para acrescentar feedback. A unidade do Miguel será da década de 80.

Aramat Effects Green Machine | «O Green Machine uso como boost, é muito médio e fura tudo. Uso mais em solos ou em partes que precise evidenciar». O Miguel faz uma apologia perfeita daquilo que a Aramat Effects refere deste overdrive que é um dos seus pedais mais populares. Transparente, suave e caloroso. Traços do analógico, naturalmente. Aliás, o pedal soa muito aproximado ao overdrive de um amp valvulado, acentuando as nuances dinâmicas da execução do músico. No seu interior residem um chip JRC4558D IC, resistências em compósito de carbono, capacitadores em fita metálica e díodos de germânio.

BOSS PS-3 e DD-5 | O Miguel explica detalhadamente: «O Pitch Shifter (Boss PS-3) uso sempre, desde o final dos anos 80, quando o comprei. O DD-5 também já tenho há muitos, muitos anos. Uso o pitch numa oitava abaixo, é a designação principal do meu som. Em Bizarra a minha sonoridade é sempre com octave, mesmo tendo afinações em Lá, ainda toco uma oitava abaixo. Toco mais ou menos uma fusão entre o baixo e a guitarra. Porque sempre foram esses dois os meus instrumentos principais. Esse pedal está sempre ligado nos concertos e nas gravações, uso sempre o octave uma oitava abaixo e já o comparei intensivamente com todos os que estão no mercado e nenhum lhe chega aos pés. Porque o tracking não foge. Qualquer um dos outros, seja o Whammy, seja os octaves da Boss, em todas as outras marcas o tracking do octave foge. Especialmente usando afinações mais graves: dás um sustain em Lá (nos sustains é quando se nota mais), com o octave ligado, a nota está a soar com o octave e a afinação foge. É uma coisa que sempre me perturbou extremamente e este nunca faz isso. Nota-se um ligeiro atraso na nota, mas só perceptível a quem está mesmo com muita atenção a tocar, com o bolo todo da música não se nota».

JPTR FX Super Weirdo | Mais uma unidade da reputada marca alemã na pedalboard do guitarrista nacional, o Super Weirdo, bem de acordo com o seu nome, é um pedal com um som fora deste mundo e extremamente alucinatório, ainda que seja também capaz de criar monumentais paredões sónicos e, ao mesmo tempo, demoli-los. À superfície, o Super Weirdo está disfarçado como um “gated fuzz” ao estilo do início dos anos 90, com um botão de filtro de graves para se adequar sem grande esforço o em qualquer parte da mistura. Mas isso é apenas a ponta do iceberg, afinal esta besta tricéfala oferece-nos fuzz, modulação do tempo e momentâneas glitch-bombs. Tudo num só pedal.

BOSS RE-20 Space Echo | Um dos mais aclamados efeitos já criados, o Roland RE-201 Space Echo renasceu com o novo BOSS RE-20 Twin Pedal, quando a Roland e a BOSS recriaram cada detalhe sonoro e todas as nuances do original. De forma algo incompreensível, esta unidade acabou descontinuada. Já em 2022, a marca decidiu recriar uma vez mais a lenda. Descobre tudo sobre o reboot do Roland Space Echo RE-201 sob a forma de duas novas unidades da BOSS, RE-202 Space Echo e RE-2 Space Echo.

Browne Amplification PROTEIN | O Miguel possui a versão 2.2 (com jacks laterais) deste fenomenal pedal Dual Overdrive. O PROTEIN surge de uma colaboração entre David Brown e o guitarrista/produtor Adam Sniegowski. Após anos na estrada e no estúdio, a utilizar amplificadores debackline que podiam revelar-se muito inconsistentes, Adam foi ter com Dave para criar um overdrive duplo que soaria bem com qualquer rig que encontrasse. Começaram com dois drives que adoravam, que soavam bem juntos, mas tinham alguns problemas inerentes. Dave decidiu resolver essas questões sem perder a alma dos originais. O Blue Side baseia-se na OD clássica utilizada por malta como John Mayer no álbum “Continuum”, ultrapassando questões como a falta de output, com o controlo de tone refinado e o circuito reforçado, mantendo-se fiel às suas raízes. O Green Side foi inspirado pelo clássico overdrive de “Nashville”, sempre nas pedalboards de lendários músicos de sessão, de Tim Pierce a Jerry McPherson. Baixou-se a quantidade de gain (distorção) para o tornar viável em todo o espectro do pedal, acrescentou-se alguns médios para o “abrir” um pouco e eliminou-se alguma da espessura nos graves. portanto, com afinações tão baixas, deduzimos que o Miguel o use para reforçar os médios, sem lodaçar toda a sonoridade dos Bizarra Locomotiva.

Tech 21 SansAmp | Utilizado por inúmeros músicos nas últimas décadas, o SansAmp é considerado um pioneiro no desenvolvimento do som de guitarra e baixo e na forma de os ligar directamente, sem recurso obrigatório a amps e com o seu calor, riqueza harmónica e som natural a tornarem-no um mago analógico capaz de salvar qualquer flauta rachada ou outro instrumento que se lembrem das garras da morte sónica. Todavia a marca decidiu descontinuá-lo em 2016. Uma decisão que logo motivou enorme pressão de vários quadrantes da música, era preciso trazer de volta a lenda, algo a que a Tech 21 acedeu ao fim de cinco anos.