Clássicos atrás de clássicos, malhas atrás de malhas. Em 2019, os Bad Religion ofereceram uma noite memorável a Lisboa, através de uma energia inesgotável e um extraordinário e dinâmico alinhamento que percorreu a sua carreira. Dia 14 de Maio a Hell Xis Agency trá-los de regresso ao local do crime, num cartaz de luxo que inclui Suicidal Tendencies, Millencolin, Devil In Me e Blowfuse.
É incrível perceber que uma banda tão axiomática como Bad Religion só em 2019 visitou, pela primeira vez, Lisboa. E, mais incrível ainda, 19 anos depois do seu único concerto em Portugal, no festival Paredes de Coura. Vale a pena lembrar esse concerto, no qual estivemos a fazer reportagem para outro meio, para enquadrar o próximo e porque os Bad Religion são uma das maiores instituições do punk rock mundial, uma peça chave para entender o género na sua vertente lírica e instrumental.
Neste último aspecto, no dia 15 de Maio de 2019, a dupla de guitarristas composta por Mike Dimkich e Brian Baker (o guru Brett Gurewitz ficou, como sucede na maior parte das vezes, na solarenga Califórnia) foi soberba. Estavam armados ferozmente. Dimkich com uma Gibson Les Paul Special Double-Cut (que usou no grosso do alinhamento) e uma ’58 Junior Double-Cut (usada na última parte do concerto) ligadas a um Marshall JCM 800 e Baker com uma ’55 Les Paul Junior ligada a um par de Marshall Silver Jubilee. Criaram uma tremenda parede de médios, com uma dinâmica vibrante nos ritmos e solos, com o som sempre a furar. Verdade seja dita, não se esperava menos de uma dupla cujos currículos contam com trabalhos junto dos The Cult e Cheap Trick (Dimkich) ou como fundadores de lendas como os Minor Threat ou Samhain (Baker). Pregadores de um som e cultura que abunda nos Bad Religion, cuja estética se tornou uma referência na sub-cena punk, em particular, e no rock, no geral, criando um extenso catálogo e um histórico de temas de enorme sucesso, cuja execução na Sala Tejo não deu um minuto de tréguas ao público. E aqui deve destacar-se a explosiva prestação de Jamie Miller. O baterista revelou uma energia e poder de batida inesgotáveis, do primeiro ao último minuto do concerto. Só podemos imaginar o massacre que teria sido (leia-se pela positiva) se tem tido um som de bombo ao nível daquele que serviu os Mad Caddies. Aproveitar que o ska orelhudo destes californianos deixou os ânimos em ponto rebuçado – talvez tenham mesmo entusiasmado mais algum do público presente do que os próprios headliners.
Com a intensidade no máximo e com Greg Graffin a limitar-se a exortações mínimas, na interacção com o público entre os temas, as novidades de “Age Of Unreason”, as canções “Chaos From Within”, “My Sanity”, “Loose Your Head” e “Do The Paranoid Style” (esta já mais perto do final) resultaram como se qualquer um dos muitos clássicos se tratassem, soando com a mesma vibrante idiossincrasia que bombas como “Generator”, “Stranger Than Fiction”, “Fuck You”, “New Dark Ages”, “Fuck Armageddon… This Is Hell” ou “Punk Rock Song”. Difícil será não apontar a ironia, tão evidente foi, de ver a banda tocar um dos seus mais emblemáticos singles, “21st Century (Digital Boy)”, para uma plateia cheia de gente a filmar o momento com os seus smartphones ao invés de o ver realmente. Apetece apontar para a t-shirt de Brian Blake, que dizia: Melvins rule, you do not. Um concerto que passou a correr, com o encore (composto por “Sorrow”, “You” e o über clássico “American Jesus”) a chegar demasiado rápido. Numa noite memorável, com muitas promessas de nunca mais deixarem passar 20 anos antes de outra visita, entre muitos outros temas, faltou a este sentimentalão que vos escreve, ouvir “Better Off Dead”.
Voltarem depressa era a ideia e quer a banda, quer a promotora, cumpriram. Depois do retumbante concerto em 2019, os Bad Religion marcaram o regresso para 2020. Veio a pandemia e foi tudo adiado para 2021. Finalmente, a data e o excelente cartaz que inclui os Suicidal Tendencies, Millencolin, Devil In Me e os Blowfuse, passou para 14 de Maio de 2022.
Eis o press release da Hell Xis Agency: «A 15 de Maio 2019 eles prometeram voltar a Lisboa. E vão cumprir. Nunca pensámos era ter que esperar tanto, principalmente devido à situação de saúde pública em que o Mundo se encontra. Inicialmente marcado para Maio de 2020, depois para Maio de 2021 e agora 14 de Maio 2022 Lisboa assiste ao regresso de Bad Religion, na Sala Tejo da Altice Arena, para a celebração de 40 anos + 2 de carreira. Uma das maiores instituições do Punk Rock mundial. Uma banda que é uma peça chave para entender o Punk Rock na sua vertente lírica e instrumental. O som, é uma referência no estilo onde um extenso catálogo é uma impressionante história de hits e sucessos que tocados ao vivo não dão descanso nem defraudam o publico que enche salas nos 4 cantos do Mundo. Como convidados especiais sobem ao palco Suicidal Tendencies. A banda de Mike Muir garante sempre concertos avassaladores repletos de clássicos. Millencolin, Devil In Me e na abertura da tarde / noite temos os Blowfuse num cartaz de Luxo. Agradecemos o esforço feito por todos os envolvidos, desde bandas, agentes e público, que de uma forma exemplar têm conseguido gerir as expectativas e possibilidades para manter o cartaz do que poderá ser um dos maiores cartazes Punk/hardcore de sempre em Portugal. Em tempos conturbados para todos apelamos que se possível mantenham os vossos bilhetes para a nova data. Os mesmos são válidos e não carecem de troca. Quem por outro lado pretender o reembolso deverá contactar o ponto de venda onde adquiriu o mesmo até ao dia 30 de Abril 2021. Agradecemos a vossa colaboração. Muita saúde a todos».

40 ANOS + 2
O plano original mantém-se: celebrar com digressão mundial quatro décadas de vigor criativo e fidelidade ao punk rock. Ainda que tenha sido condicionada pela pandemia, que impediu a digressão de 2020, a notável efeméride foi devidamente assinalada com “Decades”, uma série de concertos dividida em quatro partes com cada episódio centrado numa época diferente. A banda gravou uma actuação ao vivo no Teatro Roxy, de Hollywood, em Outubro de 2019, e intercalou as filmagens com entrevistas e com um olhar atento sobre os ensaios para esse mesmo concerto. «Posso falar em nome de toda a banda quando digo que ficámos tão desapontados por não podermos fazer uma digressão este ano», disse na altura o vocalista Greg Graffin, acrescentando: «São os nossos fãs e todos os concertos que tocamos todos os anos que proporcionam a força vital dos Bad Religion. “Decades” permite aos novos fãs, bem como àqueles que estiveram presentes no início, ter uma visão rica de toda a nossa carreira e testemunhar as mudanças nos estilos de composição e actuação em cada fase da nossa evolução».
A banda aproveitou para editar uma retrospectiva a esses 40 anos, através do livro “Do What You Want: The Story of Bad Religion”, que foi publicado segunda-feira dia 17 de Agosto de 2020 pela Hachette Books e foi co-escrito pela banda e por Jim Ruland. «Desde o seu início como adolescentes a improvisar numa garagem de San Fernando Valley apelidada ‘The Hell Hole’ até aos principais festivais de música em todo o mundo, Do What You Want conta toda a história em estilo irreverente», lê-se num comunicado publicado no website da banda. Mais de 1.000 fãs sintonizaram-se na plataforma CrowdCast para assistirem a uma conversa animada com a banda onde foi discutido o livro, a vida sem digressão e abordadas algumas histórias dos 40 anos de história dos Bad Religion. Logo no dia seguinte à edição do livro.
Numa conversa de uma hora liderada por Ruland e com uma animada ronda de perguntas dos fãs, Bentley, Graffin, Gurewitz e Brian Baker (guitarrista neozelandês e membro da banda desde 1994) mostraram-se surpreendidos e algo consternados quando os fãs lamentaram que a banda «se tenha tornado política» em álbuns posteriores. «Que se lixe», disse Gurewitz sobre os fãs se queixarem de que os Bad Religion seguiam os passos dos… Green Day. «Esses não são os verdadeiros fãs. Punk é político». A gravação da conversa está em arquivo e pode ser consultada aqui.
DUMP TRUMP
E devido ao seu determinado cariz porlítico, já no final de 2020, chegou um novo single, “What Are We Standing For”, um hino político mesmo a tempo das eleições presidenciais norte-americanas de Novembro. A questão titular da canção agora partilhada pelos Bad Religion esteve na mente de muitos norte-americanos (e não só) no período eleitoral, com o curso futuro da política dos EUA aparentemente em jogo. Pelo comunicado de imprensa, “What Are We Standing For” é em solidariedade com os atletas que se recusam a apresentar-se durante o hino nacional e para aqueles que «se ajoelharam para protestar contra a brutalidade policial e o racismo». «Nesta época de nacionalismo tribal, a dissidência, como forma de discurso político, é vital para a democracia», observou o co-escritor do tema e guitarrista da banda Brett Gurewitz, explicando ainda que a nova canção é um extracto do álbum de 2019, “The Age of Unreason“, e teria cabido bem nesse disco. Depois, os Bad Religion aproveitaram a tomada de posse de Joe Biden como o 46º Presidente dos Estados Unidos da América e estrearam uma nova canção. “Emancipation Of The Mind”, é outro outtake do álbum de 2019, mas a letra foi feita para assinalar o dia em que Biden foi empossado como comandante supremo daquele país: «As mensagens animadas da faixa chamam à razão e à abertura de espírito como uma nova administração é hoje bem-vinda à Casa Branca. Os Bad Religion sempre defenderam o humanismo e a razão, que nunca foi tão essencial».
De volta ao concerto na Sala Tejo, no dia 14 de Maio. Os bilhetes continuam à venda nos locais habituais. Toda a informação no evento: Bad Religion // Suicidal Tendencies + Special Guests – Lisboa