Gabriel García Márquez

A Música na Escrita de Gabriel García Márquez

A importância vital da música na obra literária de Gabriel García Márquez e os seus compositores preferidos.

Gabriel García Márquez é amplamente reconhecido como um dos maiores autores do século XX e um dos principais expoentes do realismo mágico na literatura mundial. Começou a sua carreira como jornalista, trabalhando para vários jornais e revistas na Colômbia e em outros países da América Latina. O seu interesse por histórias fantásticas e mágicas influenciou grandemente a sua obra literária.

Em 1967, Gabriel García Márquez alcançou fama internacional com o lançamento do seu romance “Cem Anos de Solidão” (Cien años de soledad), que se tornou um clássico da literatura latino-americana. O livro conta a história da família Buendía ao longo de várias gerações e é aclamado pela sua narrativa inovadora e estilo único. Ao longo de sua carreira, Gabriel García Márquez escreveu várias obras-primas, incluindo “O Outono do Patriarca” (El otoño del patriarca), “Crónica de uma Morte Anunciada” (Crónica de una muerte anunciada) e “O Amor nos Tempos de Cólera” (El amor en los tiempos del cólera).

A sua escrita muitas vezes explorava temas como amor, solidão, poder e corrupção, enquanto incorporava elementos mágicos e surreais que cativaram leitores em todo o mundo. Além da sua carreira literária, Gabriel García Márquez também foi um activista político e desempenhou um papel relevante em questões sociais e políticas na América Latina. Recebeu inúmeros prémios ao longo da sua vida, incluindo o Nobel de Literatura em 1982, em reconhecimento ao seu talento excepcional e contribuição significativa para a literatura mundial.

A sua obra continua a inspirar leitores e escritores, deixando um legado imenso na história da literatura. Já ele, enquanto escrevia, foi sempre inspirado pela música, como se lê no seu romance “Viver Para Contá-la”, uma obra apaixonante de Gabriel García Márquez que nos oferece a memória dos seus anos de infância e juventude nos quais se fundaria o imaginário que, com o tempo, daria lugar a alguns dos contos e romances fundamentais da literatura em línguas espanhola do século XX.

Este primeiro e único volume da autobiografia do grande escritor converte-se também num guia de literatura para toda a obra de García Márquez, um acompanhante imprescindível para iluminar passagens inesquecíveis que, depois da leitura destas memórias, adquirem uma nova perspectiva…

«No México, enquanto escrevia “Cem Anos de Solidão”, entre 1965 e 1966, só tive dois discos que se gastaram de tanto serem ouvidos: os Préludes de Debussy e “A Hard Day’s Night” dos Beatles. Mais tarde, em Barcelona, quando por fim tive quase tantos [discos] como sempre quis, pareceu-me demasiado convencional a classificação alfabética e adoptei para minha comodidade privada a ordem por instrumentos: o violoncelo, que é o meu favorito, de Vivaldi a Brahms; o violino, desde Corelli até Schõnberg; o cravo e o piano, de Bach a Bartók.

Até descobrir o milagre de que tudo o que soa é música, incluídos os pratos e os talheres no lava-loiças, sempre que criem a ilusão de nos indicar por onde vai a vida. A minha limitação era que não podia escrever com música porque prestava mais atenção ao que ouvia do que ao que escrevia, e ainda hoje assisto a muito poucos concertos porque sinto que na cadeira se estabelece uma espécie de intimidade um pouco impudica com vizinhos estranhos.

No entanto, com o tempo e as possibilidades de ter boa música em casa, aprendi a escrever com um fundo musical de acordo com o que escrevo. Os Nocturnes de Chopin para os episódios calmos ou os Sextetos de Brahms para as tardes felizes. Em contrapartida, não tornei a ouvir Mozart durante anos, desde que me assaltou a ideia perversa de que Mozart não existe, porque quando é bom é Beethoven e quando é mau é Haydn.

Nos anos em que evoco estas memórias, consegui o milagre de que nenhuma espécie de música me incomode para escrever, embora talvez não tenha consciência de outras virtudes, pois a maior surpresa foi-me dada por dois músicos catalães, muito jovens e atentos, que julgavam ter descoberto afinidades surpreendentes entre “O Outono do Patriarca”, o meu sexto romance, e o Terceiro Concerto para Piano de Béla Bartók. É verdade que o ouvia sem piedade enquanto escrevia, porque me criava um estado de espírito muito especial e um pouco estranho, mas nunca pensei que me pudesse ter influenciado a ponto de se notar na minha escrita.

Não sei como ficaram a saber daquela fraqueza os membros da Academia Sueca, que o colocaram como fundo na entrega do meu prémio. Agradeci-o do fundo da alma, como é evidente, mas se me tivessem perguntado – com toda a minha gratidão e o meu respeito por eles e por Béla Bartók – teria gostado de alguma das romanzas naturais de Francisco el Hombre das festas da minha infância».

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ (Aracataca, 6 de Março de 1927 – Cidade do México, 17 de Abril de 2014), escritor, jornalista e editor colombiano, Prémio Nobel da Literatura em 1982, in “Viver para Contá-las”.

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