Nos seus catárticos álbuns “Emperor Of Sand” e Hushed And Grim”, os Mastodon transformam um turbulento mar de dor e perdas pessoais em canções de dimensão épica e poder esmagador.
Uma das maiores bandas do espectro mais pesado do rock, os Mastodon marcaram a edição do seu sétimo álbum para 31 de Março de 2017. “Emperor Of Sand” foi gravado no estado natal do colectivo, na Georgia, em Kennesaw, nos estúdios Quarry, com o produtor Brendan O’Brien. Para o álbum que sucedeu a “Once More ‘Round The Sun”, de 2014, a banda lançou um website que permite uma visualização a 360 graus da capa, onde se pode escutar também aquele que foi o primeiro single do álbum, “Sultan’s Curse”.
Os Mastodon nunca se fizeram rogados a escrever discos conceptuais. Já nos mostraram uma reinterpretação da grande obra literária de Herman Melville, já nos levaram numa perseguição sanguinária numa montanha habitada por monstruosas criaturas ciclópicas e já nos contaram sobre um rapaz paraplégico que projecta o seu corpo astral para habitar o de Rasputin.
Em “Emperor Of Sand”, os músicos abordaram a morte. Como avisava o baterista Brann Dailor, em 2017, esse disco é como «o verdugo. Sand (areia) representa o tempo. Se tu ou alguém que conheces alguma vez recebeu um diagnóstico de uma doença terminal, o primeiro pensamento é sobre o tempo. Invariavelmente, surge a questão: ‘Quanto tempo me resta?’».
Essa ideia foi subscrita por Troy Sanders, o baixista afirmava que nesse álbum os Mastodon «reflectem sobre a mortalidade. Para isso, o álbum liga todas as pontas da nossa discografia. São 17 anos de evolução, mas há também uma reacção directa ao que foram os últimos dois anos. Tendemos a retirar inspiração das coisas reais da nossa vida». Sanders refere-se, muito claramente, ao facto de ter sido diagnosticado cancro da mama à sua esposa em 2015. No álbum, conceptual, seguimos a caminhada de um viajante, sentenciado à morte, através do deserto…
“Emperor Of Sand” foi mais um álbum a provar a consistência criativa sem paralelo dos Mastodon e a vivacidade das suas composições através de riffs pesados, enorme energia e fluidez de baterias e uma grande diversidade e dinâmica vocais. Em “Sultan’s Curse” ouvimos os cruzamentos vocais de Sanders, Dailor e Brent Hinds, num registo cada vez mais evoluído. “Show Yourself”, mantém o sentido rocker directo “Once More ‘Round The Sun”.
Em 2020, com o mundo das digressões estagnado, a banda aproveitou para recapitular alguns lados B, raridades na sua discografia e até apresentar o inédito “Fallen Torches” numa compilação de raridades intitulada “Medium Rarities”, que chegou a 11 de Setembro desse. Falando à revista inglesa Kerrang!, o guitarrista Brent Hinds, descreveu a canção como «divertida», enquanto o colega Bill Kelliher disse que era «brutal» o tema que conta com a participação de Scott Kelly dos Neurosis. Além desse tema inédito, o disco inclui uma série de versões de temas clássicos, contribuições para bandas-sonoras, instrumentais, lados B e gravações ao vivo. Entre as covers contam-se “A Commotion” de Feist, “A Spoonful Weighs Ton Ton” dos Flaming Lips, “Atlanta” dos Butthole Surfers e “Orion” dos Metallica. “Medium Rarities” apresenta também “White Walker” (lançada numa das mixtapes de “Game Of Thrones”) e “Cut You Up With A Linoleum Knife” (da banda-sonora de “Aqua Teen Hunger Force Colon Movie Theatre”), além versões instrumentais de “Asleep In The Deep”, “Toe To Toes”, “Jaguar God” e “Halloween”.
Então chegou “Pushing The Tides”. Depois foi a vez de “Teardrinker”. Por fim, “Sickle And Peace”. O trio de malhões introduziu “Hushed And Grim”. O sucessor de “Emperor Of Sand”, de 2017, foi gravado no estúdio West End Sound, que está localizado dentro de Ember City, o complexo de salas de ensaio que os membros do colectivo administram em Atlanta. Também envolvido nas gravações esteve o produtor e engenheiro de som David Bottrill, que já trabalhou com os Muse, Dream Theater e Tool, entre muitos outros.
A morte continua presente no quotidiano da banda e, por isso, “Hushed and Grim” é mais um violento murro no estômago. Em Setembro de 2018, os Mastodon perderam o seu estimado manager, Nick John – um homem que descreviam como «o pai da banda». Aliás, editaram no Record Store Day 2019 um 10″ com uma cover de “Stairway To Heaven”, pouco depois da sua morte, intitulado “Stairway to Nick John”. Todos os lucros reverteram para a investigação do cancro pancreático. Neste seu mais recente álbum, a banda continua a procurar a catarse.
E assim, em 2021, tivemos o álbum mais longo dos Mastodon até à data (com quase 90 minutos) e gravado à sombra de uma enorme tristeza. Se há um conceito, então é um conceito simples: o luto. Já estivemos aqui antes, como vimos atrás ou quando o irmão de Brent Hinds foi morto por um disparo acidental em 2010, algo que se reflectiu em “The Hunter”. Desta feita, temos uma meditação colectiva dos quatro músicos, que tiveram tempo de processar a morte do seu mentor. Naturalmente, a qualquer um de nós, Nick John dir-nos-á muito pouco. Todavia, a empatia será natural, pois a maioria irá sentir ou já sentiu o luto um par de vezes na sua vida. É algo universal e inevitável, mas isso não torna mais fácil ouvir a dor de outras pessoas e ver o reflexo da nossa. É aqui que surge o single “Sickle And Peace” e o seu anseio, tão estranho e tão familiar a quem já o sentiu diante de alguém que amava e viu definhar, de que a morte chegue e encerra o sofrimento.
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