Os PROCESSOFGUILT manifestaram-se com força titânica na apresentação do seu álbum, “Slaves Beneath The Sun”, no Musicbox Lisboa. Com “Fæmin” entre os dois mais imponentes temas do novo disco foi criado um triângulo de poder arrasador, próximo da perfeição, num concerto que revelou muitas outras coisas…
Adjectivos como poderoso, massivo, monolítico, pesado, arrasador, etc., tornaram-se recorrentes para descrever a sonoridade dos PROCESSOFGUILT [POG]. Certamente que vão ser abundantemente utilizados para descrever a noite em que a banda subiu ao palco do Musicbox, em Lisboa, para apresentar “Slaves Beneath The Sun”. Esses adjectivos continuam a ser ilustrativos dos POG, mas já não são o núcleo sonoro da banda desde o anterior álbum, “Black Earth” [2017].
O novo disco é descrito, em comunicado de imprensa, como «uma experiência sónica que eleva a música a uma nova dimensão de desolação e peso. Profundamente conectado ao processo de culpa que todos nós enfrentamos enquanto estamos na Terra, ‘Slaves Beneath the Sun’ actua como uma viagem através da nossa própria culpa ao longo de seis faixas mais abrasadoras do que qualquer outra coisa que os Process Of Guilt já tenham feito antes. Movendo-se de forma constante através de diferentes dinâmicas, a banda explora uma abordagem vocal mais diversificada, grooves como mantras, uma sessão rítmica esmagadora, um amor eterno por feedback e mais riffs enormes do que se pode pedir em menos de 45 minutos».
Vamos um pouco mais longe. No mundo pré-socrático, a escola pitagórica – sobejamente reputada pelo seu feminismo – desenvolveu o conceito do triângulo perfeito, o tetraktys. Nessa figura, cada ponto corresponde ao um, onde em cada linha se adiciona mais uma unidade e o resultado da soma dos números das quatro filas (1+2+3+4), resultando na década, o número perfeito que é o 10, que simboliza o regresso à Unidade, a Deus e ao Universo. O conjunto formado pela mónada, díade, tríade e tétrade compreende tudo: o ponto, a linha, a superfície e o espaço. Portanto, todos os aspectos do universo material sólido. No Musicbox e em “Slaves Beneath The Sun”, os POG revelaram esta complexa e dinâmica forma pitagórica no seu som. Parte tudo do primeiro ponte, a unidade e coesão dos elementos, que permite formar o poder da díade e obter a harmonia da tríade, revelando o seu fenomenal kosmos (a ordem).
De forma simplificada, a unidade é imposta de forma espartana, pelo bloco rítmico intransigentemente rígido (e paradoxalmente carregado de groove) que é solificado pelas batidas punitivas de Gonçalo Correia e pelo brutalmente calibrado trio de cordas. A força que emana da dupla de cabeços Peavey 5150 é esmagadora. É esta dinâmica em que os quatro músicos se movem em harmoniosa consonância que acaba por criar uma atmosfera sufocante, com as tensões instrumentais pontuadas por imensos choques rítmicos que criam fissuras na pressão e criam pontos de luminosa musicalidade.
E, nesse sentido, o que se sentiu no Musicbox é que “Scars” transporta o ponto sequencial do álbum anterior e “Host” serve de epílogo à soma final deste novo trabalho. No meio surgem os mais imponentes dos novos temas o épico “Slaves” e os explosivos breakdowns de “Breathe”. São dois temas que passam imediatamente a figurar entre as maiores conquistas da banda, ao lado de “Fæmin”. Aliás o tema título do terceiro álbum foi executado entre estes dois novos malhões, com o FOH a puxar o PA para lá dos limites legais dos ultrajantes medidores de som impostos municipalmente em 2017. Foi absolutamente arrasador e ofuscou de certa forma outro dos novos temas, “Victims” – “Demons” é, basicamente, a introdução ambiental que neste concerto acabou por servir de base aos intervalos entre temas. O alinhamento ficou completo com “Feral Ground”, o estandarte do álbum anterior.
De um modo geral, a força desoladora das malhas de “Slaves Beneath The Sun” revelou que há agora maior agressividade na expressão sónica dos POG, algo que tem sido progressivamente aumentado na discografia da banda; que em “Black Earth” houve um acréscimo de bpms, em comparação com a “cadenciação” do álbum anterior a esse, o imponente “Fæmin”, e isso está agora mais equilibrado. E fica claro que há uma maior expansão técnica dos músicos. Desde logo notória no maior dinamismo e diversidade vocal, com o importante e confiante contributo dos apontamentos de Nuno David – a somarem às imponentes vociferações de Hugo Santos, e depois na profusão de síncopes do novo disco, com o maior destaque para o lúbrico compasso composto de “Slaves”.
Deixamos uma palavra final de relevância pessoal. O processo de captação do novo disco teve lugar nos Buzz Room, em Lisboa, por Paulo Basílio, produtor, engenheiro e guitarrista com o qual colaborámos longos anos nos Why Angels Fall e que surge também como músico convidado em “Breathe”, tema no qual subiu a palco para criar uma vibrante parede de três guitarras que, para nós, acabou por se tornar no pungente momento de uma noite em que foi notória que se, a força da expressão musical dos POG já era inimitável no underground nacional, com “Slaves Beneath The Sun” atinge-se uma nova dimensão de peso, próxima da perfeição, do tetraktys pitagórico.
Setlist: Demons; Scars; Feral Ground; Victims; Slaves; Faemin; Breathe; Host.
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