O Starship, um Boeing 720 transformado num luxuoso palácio de prazer e decadência, foi o maior símbolo da ostentação dos anos 70, a era dourada do rock ‘n’ roll, transportando em digressão com ultrajante pompa os Led Zeppelin, The Allman Brothers, Alice Cooper, Elton John, Peter Frampton, os Stones e os Deep Purple, entre outros. Eis a(s) sua(s) história(s).
Décadas antes de estrelas rock e pop usarem o luxuoso Gulfstream V, havia o Starship, um antigo Boeing 720 da United Airlines remodelado no início dos anos 70 por Bobby Sherman (o notório intérprete do super single “Little Woman”, que era uma espécie de Pat Boone para adolescentes no máximo da fúria hormonal) e pelo seu manager, Ward Sylvester, como uma autêntica redoma de prazer aérea. O avião cruzou os céus ao serviço, entre outros, dos Led Zeppelin, The Rolling Stones, Deep Purple, The Allman Brothers, The Bee Gees, Elton John, Peter Frampton e Alice Cooper.
Um dos grandes artefactos da personificação da era dourada do rock ‘n’ roll dos anos 70, inundada por quaaludes e estimulada por cocaína, o Starship era uma brilhante e magnética delícia chic. Havia um quarto com um colchão de água king size, uma sala de estar com uma lareira falsa, um bar revestido em bronze de mais de 9 metros e com um órgão eléctrico incorporado, um sistema de vídeo arcaico, mas imenso, com uma colecção que ia desde o “Garganta Funda” ao clássico musical “Duck Soup” e duas hospedeiras (como se denominavam nesses barbáricos tempos as assistentes de bordo) para atender todas as necessidades dos trovadores acabados de sair dos seus concertos no Madison Square Garden.

«Um cabrão de um palácio de gin voador», era o que Richard Cole, o road manager dos Zeppelin, chamava ao avião. David Libert, road manager de Alice Cooper, declarou-o como o «Air Force One do rock ‘n’ roll». «Tão piroso», terá Mick Jagger suspirado na primeira vez que entrou a bordo. Mas Jagger que, de resto, sempre foi algo snob, foi uma excepção. A maior parte dos rockers novo-ricos que viajaram no Starship pensavam que o avião era o ne plus ultra de decadência e luxo. E, na altura, provavelmente era. Uma variante com quatro motores do Boeing 707 renovada a um custo de 200.000 dólares, o Starship alugava-se por uns alucinantes 2.500 dólares por cada hora de voo e era um poderoso símbolo da primazia do rock ‘n’ roll. «Era, definitivamente, um indicador do ponto em que estavas na carreira», diz Peter Frampton, cujo management alugou o avião durante a sua digressão estelar digressão a suportar o gigante disco “Frampton Comes Alive!”. «Era uma declaração de como estava tudo a correr bem. ‘Whoopee! Devemos ser grandes – temos o Starship’».
Tudo era exagerado, injustificado e desnecessário – tínhamos um tipo cuja única tarefa era abrir-nos as portas da limusina.
Greg Allman
Se o Starship era para os grandes. Os Led Zeppelin foram, naturalmente, os primeiros a alugar o avião, em 1973, depois de um voo aterrorizante de Oakland, Califórnia, para Los Angeles, num minúsculo jacto comercial Falcon 20 que terá mesmo inspirado a cena do avião no filme “Almost Famous”. Na altura, os Led Zeppelin sofriam de imprensa surrealmente má – a Rolling Stone sugerira mesmo que a banda mudasse o seu nome para Limp Blimp (Dirigível Flácido) – e pensou-se que o Starship poderia fazer a banda conquistar algum respeito. «Foi uma ferramenta extremamente útil porque ao convidar um jornalista para o avião, a história basicamente que se escreveu a si própria», recordou Danny Goldberg, o publicitário de Led Zeppelin para essa digressão, que tinha sido contratado para angaria uma cobertura mediática favorável. «O valor da novidade foi significativo».
Assim, os Zeppelin ficaram indelevelmente associados ao Starship quando a banda posou junto ao avião no icónico retrato de Bob Gruen de 1973. A fotografia que ilustra este artigo, disse Gruen à Billboard, «resume o excesso e a decadência dos anos 70, o facto de aqui estarem estes gajos – que nem sequer têm de abotoar as suas camisas – e de terem o seu próprio avião». A fotografia tornou-se uma pedra de toque para as aspirações do rock ‘n’ roll, desde então. «Dave Bryan dos Bon Jovi e muitos outros músicos disseram-me que, quando viram aquela foto, era aquilo que queriam para si», conclui Gruen.






O empresário de Alice Cooper, Shep Gordon, passou anos a moldar a imagem da banda como a abastada realeza do rock (especialmente quando não era assim) e alugou o Starship para a segunda parte da tournée Billion Dollar Babies também em 1973. «O Shep queria que Alice fosse maior do que a vida e Alice estava no auge absoluto da sua carreira naquele momento», recorda David Libert, o tour manager de Cooper entre 71 e 75. Os Estados Unidos estavam a meio de uma escassez paralisante de gasolina – Libert teve de subornar estações de serviço para abastecer os camiões da digressão – mas o Starship, com os seus quatro motores Pratt & Whitney, monstros devoradores de combustível, voou. Enquanto alugado à Cooper, a cauda foi pintada com serpentes torcidas em gigantescos sinais de dólar. Libert encolhe os ombros face à ostentação. «O facto de ter havido falta de combustível e de estarmos a voar neste avião, achámos que era uma coisa fixe. Encaixava-se na imagem extravagante de Alice».
Então, como era a vida a bordo da nave espacial? A primeira vez que os Allman Brothers embarcaram, foram saudados com a frase “Welcome Allman Brothers”, apresentada em linhas de cocaína, no bar do lounge. Robert Plant comentou uma vez que a sua memória favorita do avião era o «sexo oral durante a turbulência» e Goldberg diz que o temível gerente da banda, Peter Grant, sumia com raparigas a reboque para o quarto da popa e não reapareceria até ao final do voo. «Era, basicamente, um avião de pândega», diz Frampton. «Conduzíamos directamente para a pista, numa longa fila de limusinas pretas, saíamos e subíamos». Frampton recorda-se vagamente de dormir na suite principal em viagem, mas «principalmente, dávamos não largávamos o bar». Para enganar os inspectores aduaneiros que subiam a bordo com cães farejadores de drogas, Frampton diz que o contrabando da comitiva era escondido «nos sacos da roupa suja, usada em palco. Era essa a nossa tentativa de ser discretos».
Embora o comportamento das estrelas do rock se tenha tornado algo circunspecto, o aprofundamento da revolução sexual do início dos anos 70 permita uma carnalidade absolutamente livre. Na digressão de Cooper, Libert utilizou o PA do avião para anunciar “pontuações diárias de quecas”, um relato nominativo das indiscrições sexuais da noite anterior. Libert diz que Cooper o avisou uma manhã depois: «Não quero estar nas vossas malditas pontuações de quecas – acho bem que não se ouça o meu nome». Então Libert anunciou: «O maior resultado da noite passada foi… Receio não poder mencionar o nome dessa pessoa» e acrescentou então, «Vou dar uma dica, no entanto – ele é uma grande estrela!»
Apesar das desgovernadas indulgências – a esposa de um executivo da Atlantic Records recorda Peter Grant a brandir uma pistola num voo para Pittsburgh, enquanto a comitiva aspirava cocaína – o Starship veio para simbolizar o isolamento social que as estrelas rock dos anos 70 abraçaram ao verem cada vez menos do mundo real, da vida quotidiana. Danny Markus, um antigo executivo da Atlantic Records, maravilhou-se com o facto de, após um concerto dos Zeppelin em Minneapolis, com o público a trovejar por mais música, a banda já ter sido levada para bordo do Starship: «Estou a ser servido lagosta em termidor enquanto percorremos as galerias e a audiência no edifício está à espera do encore». Na digressão com The Allman Brothers, Gruen recorda que um dos músicos – não se lembra exactamente de qual – «saiu do hotel com o seu roupão de banho. Foi levado para a sua limusina, que ia parar junto às escadas do avião, no qual podia entrar para ir direito ao quarto e voltar a dormir». Diz Libert: «Toda a gente ficou boquiaberta com o avião no início, mas nunca ninguém quis fazer parecer que estava boquiaberto. Por isso, em muito pouco tempo, todos assumiram a postura de que tomavam tudo como garantido – ‘É assim que vou trabalhar’».




A punitiva realidade económica do Starship e os seus quatro motores sedentos acabaram o seu reinado ao fim de apenas quatro anos. Frampton foi o último a fretar a nave. «Estava já destinado para o monte de sucata. Fomos os últimos a utilizá-lo antes de ser desactivado». O avião alternou entre proprietários antes de ter sido desmantelado por peças em 1982.
Posteriormente, Gregg Allman lamentou a atmosfera sufocante que rodeava os Allman Brothers durante os seus dias de voo no Starship. «Tudo era exagerado, injustificado e desnecessário – tínhamos um tipo cuja única tarefa era abrir-nos as portas da limusina», escreveu nas suas memórias de 2012. «Quando os Allman Brothers entraram naquele maldito avião, foi o princípio do fim».
Artigo originalmente publicado na versão impressa da Billboard de 23 de Maio de 2015.