Depois dos Madball, Agnostic Front e Comeback Kid, o concerto dos Terror no RCA, acompanhados pelos nacionais Fear The Lord e M.E.D.O., fechou um imponente ciclo de lendas do hardcore que a Hell Xis trouxe a Portugal nos meses mais recentes. Depois da intensidade desta noite, mal podemos esperar um novo ciclo.
Os norte-americanos Terror fizeram-se novamente à estrada pelo Velho Continente com a Pain Into Power Tour e, graças à Hell Xis Agency, a rota teve paragens em Portugal a 1 e 2 de Julho, dias em que o inimitável Scott Vogel subiu ao palco da Associação Recreativa e Cultural de Músicos, em Faro, e do RCA Club, em Lisboa, para apresentar o seu mais recente álbuns aos fãs lusos. Passámos pela sala lisboeta, onde os californianos estiveram acompanhados pelos nacionais Fear The Lord e M.E.D.O.
É difícil colocar em palavras aquilo que se passou num RCA ao barrote. É sempre difícil fazê-lo nos concertos de hardcore. E, no entanto, as coisas são sempre mais ou menos semelhantes (no melhor dos sentidos). Senão, vejamos: adesão em números significativos do público e entrega incondicional a todas as bandas; músicos que não olham a estatutos ou capacidades técnicas de forma desmesurada – cada um sobe a palco e dá o que tem e o que não tem; alinhamentos curtos, mas de intensidade maníaca; rebaldaria no pit, mas enorme respeito entre todos. «Adoro a malta do hardcore! Tipo: ‘Amamos-vos, mas aqui vai porrada!», como dizia acertadamente a esposa, que acompanhou esta reportagem. Portanto, desde os primeiros acordes dos Fear The Lord, abundou o amor e abundou a porrada, uma vez mais, no melhor dos sentidos.
Old School/New School
Os Fear The Lord estão na segunda metade da sua primeira década de existência com dois EPs (“Crownbreaker” de 2017 e “South Scythe” de 2020) e o recente single “Tower Of God” como marcos discográficos. Bem firmes no beatdown e com laivos do metalcore dos Malevolence, estiveram tão descontraídos como sólidos no palco. Principalmente as guitarras, soaram menos abrasivas e de médios estrangulados do que aquilo que sucede nos seus discos, mas sob a condução do frontman Rafa Silva a intensidade foi semelhante. Estandartes da cena MSHC, fizeram-se acompanhar de um número considerável de seguidores, que emprestaram energia ao concerto. Deste lado, que somos fãs incondicionais de shredding, diríamos apenas que teria sabido bem ouvir um ou outro solo nas repetidas vagas de breakdowns que a banda lançou sobre nós, mas isso trata-se de um detalhe meramente subjectivo e em nada se pretende deslustrar a coesão revelada por Luís Gomes e Emanuel Pereira nas guitarras.
A Formiga Tem Catarro
Talvez reflexo de um hardcore mais pontuado por crossover thrash e pela candenciação mais hip hop que Ricardo Catarro empresta às letras de forte carga política, o FSHC dos M.E.D.O. soou um pouco mais dinâmico. Ou talvez isso se deva à maior rodagem da banda. Desde “Canção de Embalar”, a primeira malha, os riffs soaram grandes e articulados, favorecendo as estrofes sonantes do frontman. O álbum mais recente, “Monopólio da Violência” (2021), esteve no centro alinhamento. Rafael Rodrigues promoveu vigor rítmico nas alternâncias entre backbeat e offbeat e as guitarras de Raul Coelho e Filipe Pinela criaram uma parede thrasher demolidora. A banda possui uma característica ímpar no nosso underground: a clareza como a força das suas letras e mensagem é exposta, em vez de engolida pelo volume instrumental. Se isso já é algo notável nos discos, consegui-lo ao vivo é ainda mais impressionante. Isto apesar de existir volume e agressividade de sobra no som dos algarvios.
A encerrar o concerto, “Cadáver” contou com a participação de Rafa dos Fear The Lord. Um autêntico blaster que exorta à busca pelo conhecimento e contra a letargia social. «Não sejas só mais um cadáver adiado que procria»! Eis o alinhamento completo: Música de Embalar; MEDO#4; Apartheid Ambiental; Ritual Ancestral; Burla Hardcore; MEDO#5; Somos Nós; Destruição do Homem; Órfão Orgulhoso e Cadáver.
Bastiões da Fé
Influente banda de hardcore beatdown de Los Angeles, cujo som funde punk rock com thrash metal, os Terror são uma criação do ex-vocalista dos Despair, Sludgefest e Buried Alive. Emergindo em cena no ano de 2002, a banda teve um breve flirt com o sucesso mainstream em 2004, com o lançamento do segundo álbum “Always The Hard Way”, que alcançou o #10 da Billboard Heatseekers em plena febre do metalcore. Lançamentos subsequentes, como o muito aplaudido “Live By The Code” (2013), o demolidor “Total Retaliation” (2018) e o mais recente “Pain Into Power” (2022), viram o colectivo permanecer na vanguarda da cena hardcore norte-americana, com Vogel e o baterista Nick Jett a manterem-se como os únicos membros constantes do grupo. «KEEPERS OF THE FAITH deve ter sido uma das músicas que se tornaram slogans com maior e melhor sentido. Manter a fé em nós e nos nossos, viver no que acreditamos e seguir em frente. Os Terror fizeram a sua estreia em Portugal, salvo erro, na primeira edição do Hell Xis Fest, em 2007. Voltaram cá diversas vezes em concertos que foram épicos, que permanecem na memória», referia a Hell Xis na apresentação do concerto, de forma certeira.
O changeover foi feito sem merdas, sem vedetismos e o RCA começou a agitar-se para ver mais um concertaço dos Terror. O álbum “Pain Into Power” foi exposto entre um rol de clássicos (principalmente dos álbuns “One With The Underdogs” e “Keepers Of The Faith”) que continuam vigorosos triunfos hardcore e estão para durar, julgando pela forma como foram cantados pelo público presente. Foi um set curto. Curtíssimo até, especialmente considerando que cada faixa tem cerca de dois minutos no máximo, mas a sua intensidade foi absolutamente demente. São poucos os momentos do concerto em que a banda não esteve acompanhada brevemente por membros da multidão a impulsionar-se para stage diving. Ainda mal tinham passado 5 minutos e a sala tornara-se num antro de mosh e suor, em resposta à energia dos músicos, ao som abrasivo e aos constantes breakdowns. Aliás, “Pain Into Power”, o tema que abriu o alinhamento, mal arranca o seu minuto de duração e logo surge um breakdown!
Antes de “Strike Down” (que porradão de malha!), Scott Vogel saúda Lisboa e deixa um abraço aos Devil In Me, afirmando que foram eles uma das razões que os motivou a este regresso. A banda nacional (que esteve no cartaz no dia anterior na ARCM de Faro) contou com a participação de Vogel no seu mais recente álbum, “On The Grind”, lançado em Janeiro 2022, através da editora alemã Dead Serious Records.
De volta ao RCA Club, os Terror ofereceram em Lisboa um concerto de hardcore clássico e um testemunho de como, ao fim de duas décadas de carreira, uma banda se mantém relevante numa cena que tem experimentado alguns ressurgimentos e novas vagas estéticas. Afinal, haverá sempre um lugar para esta atitude de irmandade e fidelidade à filosofia hardcore, ainda mais respeitada quando uma banda tão importante se propõe a tocar ao lado de bandas novas e promissoras que estão a fazer o seu próprio caminho. O alinhamento completo dos Terror foi o seguinte: Pain Into Power; Overcome; Spit My Rage; Stick Tight; Strike You Down; Always the Hard Way; Life and Death; Return to Strength; Can’t Help but Hate; Boundless Contempt; One With the Underdogs; Keep Your Mouth Shut e Keepers of the Faith.
A foto de capa do artigo é de Matt Friesen.