Mike Rutherford

Mike Rutherford, O Titã Sereno

Mike Rutherford, prodigioso compositor e guitarrista/baixista dos Genesis, reflecte sobre o seu som e influências, além da sua perspectiva sobre amps nos anos 70 e 80 e a M Series da Steinberger, da qual nunca recebeu quaisquer royalties, além dos rumores do seu crédito na sua criação.

Pouco antes de o coronavírus ter virado o mundo do avesso, os fãs do rock progressivo foram arrebatados peloo anúncio de que o lendário baixista/guitarrista Mike Rutherford se juntaria a Tony Banks (teclados) e Phil Collins (voz) numa reunião da sua antiga banda, os Genesis. Não foi nenhuma surpresa que a digressão, depois reagendada por razões óbvias, tenha esgotado num instante, forçando o trio a adicionar mais datas ao plano original.

Para aqueles que são demasiado novos para se lembrarem, os Genesis foram um dos principais espectáculos de digressão ao vivo do mundo inteiro durante os anos 70, 80 e início dos anos 90. Naquela altura, conseguiam esgotar uma digressão de estádios nos EUA em menos tempo do que é preciso para Musa entrar em campo e marcar um golo, tal era o seu poder de atracção. Mesmo depois da saída de Peter Gabriel, os Genesis subsistiram com uma força considerável (se nos limitarmos aos aspectos puramente comerciais, talvez até se tenham redimensionado). Muito graças aos talentos de Mike Rutherford que, a partir de 1985, também assumiu o side project Mike & The Mechanics, uma banda em constante evolução que produziu um catálogo significativo.

“The Last Domino? Tour”, a última digressão dos Genesis, foi encerrada na Arena O2 de Londres, com Phil Collins bastante debilitado em palco e com Peter Gabriel na plateia. Já recordámos por aqui esse concerto e essa digressão com dois bootlegs de qualidade razoável. Também destacámos as infames guitarras Squier Bullet que Mike Rutherford usou nos últimos dias de uma das mais importantes bandas na história do prog rock. É oportuno pegar numa conversa de Rutherford com a Guitar World, onde o músico versa sobre mais gear, depois de começar por reflectir sobre as suas primeiras influências…

«Tentei sempre ser melódico», é a imponente afirmação inicial de Rutherford, antes de prosseguir com humildade, «mas se ouvirmos as primeiras malhas agora, podemos dizer que estou a fazer demasiado, com demasiadas notas. Nessa altura, estávamos todos a tentar encontrar o nosso nicho, mas quanto mais velhos ficamos, mais aprendemos a tocar o que é certo para a canção. É um processo de aprender quando algo é aplicável e quando não é. Olhava para os grandes nomes da altura, como Jack Bruce, que tinha um som único e era um músico muito melódico. Os McCartneys deste mundo continuam a ser fantásticos, porque são baixistas musicais, e há músicos como Pino Palladino, que deve ser um dos músicos mais fantásticos de todos os tempos – um tipo adorável e o que aprende mais depressa que alguma vez conheci. Toca-lhe uma canção duas vezes e está lá. Estou a trabalhar uma parte e ele já a tem».

Ninguém poderá contestar que a cena prog rock do início dos anos 70 foi um terreno fértil para ideias e sons. Mas e os músicos que a viveram, estariam atentos a tudo? Mike Rutherford estava atento ao que os seus concorrentes estavam a fazer? «Nunca soube muito sobre os Rush, por exemplo. Não conheço muito do material deles e devia investigar isso um dia destes. Mas conhecia muito bem os Yes: sempre achei que o Chris Squire era um baixista fantástico. Fui vê-los há uns anos e fiquei a pensar como eles eram diferentes de nós, de uma forma agradável. Eles eram todos músicos virtuosos, enquanto nós éramos mais compositores, e isso era bom».

Falar em Chris Squire é o mesmo que falar no paquidérmico som do Moog Taurus, que Mike Rutherford também usou. Aberta a porta do equipamento musical, Rutherford admite: «Os pedais são uma grande parte da minha forma de escrever. Posso estar sentado no meu estúdio em casa a escrever com os pedais de baixo à minha frente e a tocar guitarra com um pickup MIDI, para criar um som de cordas para me acompanhar. Os pedais de baixo fazem-nos tocar notas invulgares, depois de os acordes estarem prontos. Tocamos algumas notas estranhas que de outra forma não tocaríamos, por isso são uma grande parte do que faço e de como escrevo».

Graças ao estatuto global dos Genesis e ao efervescente contexto da indústria de instrumentos dessa era, Rutherford recebia frequentemente protótipos para usar na estrada e no estúdio. Como resultado, a banda foi uma das primeiras a adotar novas tecnologias, como a amplificação Trace Elliot ou as guitarras e baixos Steinberger. «Na altura, pensei no Trace Elliot como ‘o som 4×10’. Era uma óptima forma de focar o som e bombear algo mais e, durante muito tempo, adorei usar o equipamento deles. Nos anos 90, a empresa e o equipamento mudaram, mas quando apareceu pela primeira vez, era óptimo – um verdadeiro passo em frente. Naqueles dias em que usava um double neck, o pickup de médios/agudos passava por uma série de altifalantes e o pickup de graves passava pelas suas próprias colunas».

Há rumores de que Mike Rutherford também foi responsável pela criação do corpo maior do baixo Steinberger – há alguma verdade nisso? «Basicamente, fiz o ‘Invisible Touch’ [o álbum de 1986 dos Genesis] e a digressão correspondente com guitarras Steinberger. Estava sempre a dizer: ‘É tão pequena, posso ter uma maior? Pedi-lhes para construírem um baixo com um corpo maior, mas não aconteceu nada, por isso peguei num cartão e desenhei uma forma e pedi ao [luthier] Roger Giffin para me construir um, que soou bastante bem. A Steinberger brincou com a ideia e perguntou-me se a podia copiar. Chamaram-lhe GM1, e foi assim que aconteceu, embora, claro, eu não tenha recebido quaisquer direitos de autor pelo design! Nunca chegou ao mesmo nível, porque tinha um corpo de madeira sólida, enquanto a guitarra original básica era apenas uma peça de grafite bem desenhada».

«O baixo original era a mesma coisa e eu adorava isso; o som era tão pequeno e preciso, mas nos álbuns, soava enorme e tinha um carácter real. Pode ouvir-se no ‘Genesis’ [álbum de ’83] e no ‘Invisible Touch’, mas soava bem porque era o que era, um corpo e um braço em grafite – não tinha nada de especial. Mais tarde, alguém construiu-me uma versão de corpo moldado com um espaço no meio para inserir o Steinberger original, mas precisava de encontrar uma forma de o fixar, para que toda a ressonância viesse da parte do corpo em grafite. Tanto a guitarra como o baixo originais soavam tão bem porque eram, até certo ponto, bastante rudimentares».

Escusado será dizer que os cofres de Rutherford albergam algumas preciosidades, acumuladas ao longo das décadas. «Não tenho tendência para olhar para instrumentos novos hoje em dia: durante anos, todos os meus instrumentos estavam em caixas num armazém, por isso nunca saíram de lá. Agora tenho uma parede comprida em casa onde estão todos pendurados, para poder escolher um quando me apetece. Fizemos uma sessão há uns tempos e, como íamos voar logo a seguir, alugámos equipamento em vez de levarmos o nosso. Eles forneceram um Fender Jazz, um modelo relic mexicano, que toquei através de um amplificador de guitarra: O som era ótimo, muito leve também. Adorei-o. Costumo gravar o baixo através de um amplificador de guitarra, porque os amplificadores de baixo podem, por vezes, dar demasiada importância ao som».

Mike Rutherford continua: «Nos últimos oito anos, tenho usado Ampeg em palco e, independentemente do sítio onde estamos, esses amplificadores tendem a ter o mesmo som, por isso tenho alguma consistência. Costumava ter um Alambique Series II, que usei numa digressão, mas não sei para onde foi… Simplesmente desapareceu. Isto tende a acontecer com o passar dos anos. Tinha uma Gibson SG branca que também desapareceu».

Mecânica & Dinâmica

Os Mechanics requerem uma configuração semelhante à dos Genesis no que diz respeito ao departamento do baixo: um baixista/guitarrista multifacetado que possa desempenhar ambos os papéis. «Ainda toco baixo em várias canções, mas partilhamos o baixo. Estou à procura de um guitarrista que saiba tocar ritmo, solo e baixo. É um pouco como há uns anos, quando contratámos o Daryl Stuermer para as digressões dos Genesis. O tipo que entrou antes do Daryl foi o Alphonso Johnson, embora por pouco tempo, e o Daryl demorou sete ou oito anos a “apanhar” realmente o baixo. E estou a falar de alguém que considero que sempre entendeu como tocar a parte certa para a música».

As razões para a dificuldade em adquirir o balanço certo estarão nas idiossincrasias do próprio Mike Rutherford: «Sempre fui meio-meio em termos de ser guitarrista e baixista. Mesmo quando o Steve Hackett era o guitarrista principal dos Genesis, por vezes, tocava guitarra e cobria a parte do baixo com pedais, certamente as partes rítmicas. O problema do baixo é que é bastante difícil de tocar sozinho como instrumento a solo, mas ganha vida quando se toca ao vivo e em disco como parte de uma banda. Ponho sempre a parte da bateria em primeiro lugar, seguida de algumas partes de guitarra – mas quando a parte do baixo entra, se a conseguirmos fazer bem, pode dar um grande impulso à canção».

Muitas dessas linhas de baixo dos Genesis são veneradas até hoje. Haveria consciência de que a banda estava a criar futuros clássicos? «Não, nunca – quando se está a fazer algo, não se pensa em como será visto nos próximos anos. De certa forma, cobri muito terreno com o double neck e os pedais de baixo – deram à banda um som extra. Um dia destes, estava a fazer o teste de som e, sem mais nem menos, toquei a linha de baixo de ‘The Lamb Lies Down On Broadway’. Tem o seu carácter e pensei para mim próprio: ‘Isto até é bastante bom’».

A foto que abre o artigo é de Michael Putland.

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