OUT.FEST, Cartaz Final & Programa Completo de 2022

Anunciado que está o cartaz completo e o alinhamento diário da 18ª edição do OUT.FEST, RP Boo, Richard Dawson & Circle, Eve Risser e Claire Rousay entram no último lote de confirmações para a maior e mais ambiciosa edição até à data do festival de música aventureira do Barreiro.

Foram recentemente anunciados os quinze nomes finais da 18ª edição do OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro, que acontece de 05 a 08 de Outubro, numa proposta que inclui um total de 30 apresentações e 2 conversas com artistas, em diversos espaços no centro da cidade, no que configura o cartaz mais extenso da história do festival barreirense.

Entre os 30 artistas confirmados (no que constitui o cartaz mais extenso da história do festival), temos a estreia absoluta da instalação sonora “A Segunda Natureza”, de Rita Santos, bolseira da OUT.RA para o corrente ano, a colaboração inédita entre Cavernancia & Maria da Rocha, e a primeira vez de George Silver em formato quarteto. Destaque também para os debutes nacionais de Richard Dawson & Circle, Claire Rousay, Ecko Bazz em colaboração com Still, e ainda de Phew, bar italia, Amirtha Kidambi’s Elder Ones e do australiano Will Guthrie com o Ensemble Nist-Nah. Aos dois últimos nomes junta-se o histórico músico britânico David Toop, que com eles completa o lote de atuações – e de conversas – realizadas ao abrigo do projeto europeu REMAIIN, que investiga as influências não-europeias nas músicas de vanguarda.

A estas estreias juntam-se nomes como o pioneiro do footwork RP Boo, a flautista jazz Nicole Mitchell, o duo de Burnt Friedman & João Pais Filipe (cujo início remonta ao momento em que ambos se cruzaram no OUT.FEST de 2018), a pianista Eve Risser ou a formação alargada Má Estrela, liderada pelo saxofonista Pedro Alves Sousa, num cartaz que atravessa as mais diferentes estéticas, géneros e épocas, como já vem sendo inusualmente habitual.

No que diz respeito a outra das características distintivas do OUT.FEST – a ocupação temporária de vários espaços da cidade -, regista-se este ano, como grande novidade, a realização de um espetáculo nas históricas oficinas de reparação de locomotivas da CP (na abertura do festival), de uma instalação sonora num centro comercial desativado e de duas after parties nas instalações da associação Gasoline. Os já conhecidos espaços da ADAO, da SIRB “Os Penicheiros”, da Biblioteca Municipal, da Sala 6 e do Largo do Mercado 1º de Maio são os restantes locais desta edição, que contará também com vários concertos de entrada livre, num total de 10 palcos diferentes que ao longo de 4 dias acolhem o festival. O press release vem acompanhado do programa completo, que aqui reproduzimos…

5 OUTUBRO, ANTIGO CENTRO COMERCIAL SOL PÔR. 16H00: Inauguração de “A Segunda Natureza” de RITA SANTOS (Portugal). [Visitável até 8 de Outubro, todos os dias entre as 15h-19h]. *Estreia Mundial
A mais recente bolseira da OUT.RA, Rita Santos apresenta no OUT.FEST a instalação A Segunda Natureza, criada no âmbito dessa mesma bolsa. Natural do Barreiro e a tirar actualmente um mestrado em Ciências Musicais, Rita Santos desenvolve um trabalho ponderado que parte de paisagens sonoras captadas in situ e da sua reconfiguração espacial em peças de arte sonora que procuram mexer com a consciência do som. Nesse contínuo, A Segunda Natureza parte da ideia do útero como primeira morada para daí criar um espaço imersivo, amniótico, onde a água surge como meio primordial, premente ao exterior, recorrendo a gravações de meios aquáticos, sons do quotidiano, sussurros e o coração que bate. Vida.

5 OUTUBRO, OFICINAS DA CP. 17h30: WILL GUTHRIE & ENSEMBLE NIST-NAH (Austrália / França) *Estreia Nacional
Ensemble magicado pelo baterista e percussionista australiano Will Guthrie, na sequência das explorações solitárias em torno do gamelão indonésio, de várias cartografias postuladas no mui recomendável disco Nist Nah de 2020. Contando com nove músicos sediados em França, onde Guthrie reside faz já alguns anos, este ensemble expande todo o potencial tímbrico, rítmico e hipnótico do exigente gamelão num conluio com baterias e percussões metálicas, do lixo ao artesanato, não como forma de apropriação ou falso exotismo mas como via respeitosa para a elevação, açambarcando técnicas do free jazz, da electro-acústica ou do drone. Tudo matéria já amplamente estudada e praticada por Guthrie, músico com historial rico em editoras tão marcantes como a eMego, Black Truffle, iDEAL ou Ipecac e colaborações com músicos Oren Ambarchi, Mark Fell ou David Maranha, num campo de acção vasto que compreende formas desviadas de rock, jazz libertário e composição electrónica, e alimenta ainda assim uma sede constante de descoberta, reconhecendo a natureza inacabada inerente a todo este processo. Profundamente honesto e rigoroso na sua demanda, este ensemble e o álbum ELDERS surgem como um ambicioso tributo a um longo fascínio pelo instrumento e as mais variadas músicas nascidas deste, seja a tradição extática de Java ou as recentes disrupções de Dewa Alit, que acto contínuo, avançam o mesmo para um outro presente. É difícil traduzir o nosso entusiasmo por apresentarmos esta música como espectáculo de abertura deste OUT.FEST, num espaço que parece nos antípodas das idílicas paisagens indonésias destes sons, mas que trará tanto a estas músicas feitas de vários metais – ver para crer.

5 OUTUBRO, SALA 6. 21H30: Conversa informal com WILL GUTHRIE (Austrália)
No âmbito do projecto REMAIIN, que explora as influências extra-europeias na música de vanguarda do velho continente, Will Guthrie conversa com o OUT.FEST a propósito do seu trabalho de percussionista e, em particular, de líder e instigador do Ensemble Nist-Nah e da revisitação da música tradicional de gamelão da Indonésia que este ano apresenta no festival.

6 OUTUBRO, SIRB “OS PENICHEIROS”. 21h30: NICOLE MITCHELL (EUA)
Sopro vital para a urgência do jazz deste século, Nicole Mitchell é uma flautista, compositora, poetisa e tutora nascida em Nova Iorque, cujo caminho trilhado se alavancou na fértil cena de Chicago ainda na década de 90. Primeira mulher a presidir a lendária Association for the Advancement of Creative Musicians – AACM – que muito tem feito pelo fervilhar dessa cidade, aí criou raízes férteis, com ligações fortes a músicos como Anthony Braxton ou Rob Mazurek, para se espraiar numa visão informada pelas premissas afrofuturistas de navegantes como Sun Ra, George Clinton ou Herbie Hancock da era Mwandishi. Englobando filosofia, misticismo, políticas radicais de emancipação e uma forte influência da ficção científica de Octavia E. Butler, a obra de Mitchell tem articulado e desconstruído problemáticas de raça, gênero, tecnologia e espiritualidade numa música comunal que projecta possíveis futuros, capaz de abarcar no seu curso a liberdade do jazz, o groove do funk, a doutrina do gospel, a composição contemporânea, instrumentação das mais diversas latitudes e demais heranças musicais de catarse e êxtase colectivo. Contando com diversas configurações para especular continuamente sobre realidades alternativas, como o seu Black Earth Ensemble, Sonic Projections ou Ice Crystal, para além de um avultado bloco de colaborações – Moor Mother, Matthew Shipp ou Hamid Drake -, tem deixado um corpo de trabalho superlativo em nome próprio, com discos tão marcantes como o expansivo Mandorla Awakening II: Emerging Worlds (2015) e a contenção quase-de-câmara lancinante de maroon cloud de 2018. Uma rainha, que se apresenta solitária neste OUT.FEST, da forma mais pura possível. 

AMIRTHA KIDAMBI’S ELDER ONES (EUA) *Estreia Nacional
Amirtha Kidambi tem vindo a desenvolver um trabalho inquisitivo e inspirador a partir de Nova Iorque, numa trama de ligações a artistas como Lea Bertucci, Mary Halvorson, Darius Jones ou William Parker. Nesta que será uma das suas expressões mais pessoais e desafiantes, alinha a sua voz, harmónio e sintetizador com a bateria e as electrónicas de Max Jaffe, o baixo de Nick Dunston e o saxofone soprano e o moog de Matt Nelson para fazer erigir uma música que invoca os espíritos mais incendiários e transcendentes do jazz para se elevar numa esfera com tanto de ancestral como de futurista. Após a estreia com Holy Science em 2016, onde ficou delineada uma curvatura espectral em acerto espiritual com a música pan-global de Alice Coltrane ou Pharoah Sanders, From Untruth de 2019 foi o necessário chamamento às armas perante estes conturbados tempos: o fogo do free jazz, a hipnose do drone, cantos devocionais do Sul da Índia e técnicas exploratórias enredam-se num fluxo tão transportador quanto acutilante ao comando de uma voz que não se resigna e procura continuamente descortinar novas verdades e possíveis futuros. Música nascida da necessidade e igualmente necessária, perante as práticas sistémicas de opressão que insistem em perdurar e enquanto resposta-libertação possível à supremacia de uma falsa verdade histórica, num despertar de consciência muito em linha com os propósitos do projecto REMAIIN.

7 OUTUBRO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DO BARREIRO (Galeria). 17H00: Conversa com AMIRTHA KIDAMBI e DAVID TOOP (EUA / Reino Unido)
No âmbito do projecto REMAIIN, que explora as influências extra-europeias na música de vanguarda do velho continente, conversamos com Amirtha Kidambi e David Toop sobre as formas como, no seu trabalho artístico, incorporam a música indiana (no caso de Amirtha) ou o estudo amplo e aprofundado do fenómeno do Som em estado puro e das mecânicas internas, psicológicas, sociológicas e existenciais do Ouvir (caso de Toop).

7 OUTUBRO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DO BARREIRO (Auditório). 18H30: DAVID TOOP (Reino Unido)
Figura transversal às diversas músicas que fazem o OUT.FEST, David Toop é uma entidade cujo trabalho precioso enquanto músico, autor, curador e divulgador tem sido fonte inesgotável de inspiração e história. Colaborador durante anos da Wire, autor de livros tão marcantes como Ocean of Sound, Exotica ou Haunted Weather e músico pivotal da cena britânica desde meados da década de 1970, o alcance da obra de Toop é tão vasto quanto informado, tanto no acto criativo como na documentação, numa prática devota que intersecciona a escuta, o som e o material, desde os seus tempos na génese do importante London Musicians Collective e à sua estreia na Obscure de Brian Eno com o sempre hipnótico New and Rediscovered Musical Instruments a meias com Max Eastley – colaboração que iria ser pontualmente continuada ao longo dos próximos anos e se junta a uma rede de luminários como Steve Beresford, Scanner ou Paul Burwell. A solo, esteve particularmente activo na década de 90, num período fértil em registos em nome próprio e rodeado de gente valorosa, com discos como Screen Ceremonies, Spirit World ou Pink Noir a fazerem pontes imaginárias entre os sonhos digitais da IDM, o fourth world de Jon Hassell, a colagem, o ambientalismo e o sampling enquanto disrupção da realidade. Sobre estes motivos discorreu de forma e inspirada ao longo de toda uma vida de escrita apaixonada, profundamente conhecedora e continuamente ávida pela descoberta, a encontrar elos de ligações onde dificilmente os reconhecemos. É nesse espírito que finalmente(!) acolhemos este senhor no OUT.FEST para um concerto e uma conversa centrada nas influências não europeias na música de vanguarda da Europa, ao abrigo do projecto Remaiin. 

7 OUTUBRO, ADAO. 21H30: CAVERNANCIA & MARIA DA ROCHA (Portugal) *Estreia Mundial
Estreia absoluta de um encontro pleno de sentido, a ter lugar no contexto mais do que apropriado do OUT.FEST. Corações ao alto para esta visão conjunta destas duas figuras, vindas de campos tendencialmente afastados, mas em consonância no poder do som enquanto veículo espectral de elevação: drone, ruído, volume e massa. Maria da Rocha é uma violinista e violetista de formação clássica com a verve toda para não se afogar no torpor canónico da convenção e da academia. Viajando entre Berlim, Estocolmo e Lisboa, guiada por um sentido de descoberta constante, tem realizado residências em entidades tão respeitadas quanto desafiadoras, na demanda por um conhecimento que reconhece várias escolas – minimalismo, composição contemporânea, drone, improvisação ou electroacústica – mas se usa dessa matéria para chegar às suas próprias ilações. Nolastingname, lançado no ano transacto com selo Holuzam, é um belíssimo artefacto dessa mesma pesquisa, no limbo fixe entre a razão e a emoção. Pedro Roque é um fotógrafo, músico, melómano e entusiasta barreirense como existem já poucos. Valido de honestidade, vontade e visão panorâmica sobre as normas do peso – Metal e Noise em poço dronesco – tem recolhido merecidos elogios tanto aos seus registos – Em Ciano e Manto – como a aparições ao vivo rodeadas de fumo e rasgos de luz que revelam como a teatralidade dos Sunn O))) pode ser bem supérflua e/ou caricatural quando o fluxo de som converge num vórtice tão imagético quanto físico.

BAR ITALIA (Reino Unido) *Estreia Nacional
“bar italia is a London-based band” é tudo aquilo que se pode ler na bio desta cáfila misteriosa com discos na World Music de Dean Blunt. Para todos os efeitos, e dada a névoa que paira sobre isto, bar italia poderia muito bem ser mais um ardil de Blunt, embora um par de fotos rafeiras apontem para um trio formado por dois rapazes e uma rapariga. As vozes que ouvimos parecem confirmar isso, e toda esta especulação está muito em linha com os desígnios fumados da World Music, pelo que procurar aqui algum sentido biográfico mais arrumado parece ir contra os propósitos desta música. Deixemos as coisas assim, portanto. Indie pop narcótico e lo-fi, com aquela acústica de quarto charmosa e o romantismo lisérgico slacker de quem parece estar constantemente com os olhos raiados de sangue. Uma sequência de temas curtos onde o torpor da batida roufenha serve de caudal para harmonias de guitarra da escola indie britânica – chorus e reverb, aquele single único de Inrain e Felt – e vozes desencantadas com aptidão natural para sacar ganchos memoráveis da bruma. Com aquela displicência fixe que mais facilmente associamos aos anos 90 dos primeiros Sebadoh e Pavement ou à lanzeira dos Galaxie 500 do que ao aprumo britânico, mas sem qualquer revisionismo dessa ou outras décadas. 

EVE RISSER (França)
Música e compositora francesa com grande calejo em diversas lides jazzísticas, Eve Risser tem no piano o seu instrumento primordial para a criação e maturação de uma linguagem tão pessoal quanto conscientemente permeável a todo um arsenal de inspirações. Num processo de aprendizagem que vem desde a infância, deixou que o conhecimento académico e a técnica a alavancassem para espaços insondáveis, onde tem mapeado uma música assente no jazz fora da dormência canónica, através de um mosaico mutável de timbres alucinatórios, fraseados repetitivos, estalos percussivos, swing enviesado e técnicas alargadas que nos fazem questionar a origem do som. Particularmente activa desde o início deste século, Risser fez parte da respeitada Orchestre National de Jazz entre 2009 e 2013, colabora frequentemente com alguns dos luminários da cena francesa como Edward Perraud ou Benjamin Duboc, lançou pela Clean Feed um álbum a solo, e tem mantido uma relação simpática com este país, através de encontros com músicos tão activos quanto Marcelo dos Reis ou Pedro Melo Alves. 

SEREIAS (Portugal)
“Recomecemos tudo de novo” é tanto o grito de entrada no novo disco Sereias, como manifesto de intenções contundente da banda após as declarações bem marcadas de O País a Arder de 2019. Segundo álbum deste combo portuense, cujas aparições ao vivo têm deixado as mazelas necessárias para agitar o torpor do estado rock luso, o disco homónimo editado já este ano pela Lovers & Lollypops expande o som sujo e marcial da banda mantendo o mesmo nervo e acutilância. Conduzido pelas palavras de António Pedro Ribeiro, a debitar verdades de café e lírica quotidiana com o engenho dos poetas, o som de Sereias é um concentrado sujo e repetitivo de linhas de baixo pulsantes, guitarras dissonantes, sopros planantes, estalos de sintetizador e ritmos minimais numa linha que vai dos surtos mais agrestes dos Faust à psicose urbana do pós-punk, com um trato muito psicadélico na forma – como que a unir Gong e This Heat num mesmo fôlego – e uma certa “tradição” portuguesa contestatária e literária que parecia irremediavelmente perdida mas que encaixa na perfeição na aura do Barreiro.

PHEW (Japão) *Estreia Nacional
Vulto lendário da música japonesa, cujo grito libertador remonta aos primórdios do punk em terras do sol nascente, Hiromi Moritani recorre numa existência de culto – se é que o termo ainda se coloca nesta era de acessos – cuja sombra se abate ao longo de mais de quatro idiossincráticas décadas de trabalho ponderado e sempre intrigante. Voz única, aqui num sentido igualmente literal, que a partir de 1979 rasgou o seu caminho numa colaboração com Ryuchi Sakamoto para o seu primeiro single em nome próprio, e logo depois assinou um álbum homónimo em colaboração com Conny Plank, Holger Czukay e Jaki Liebezeit – prenúncios abençoados para uma trajectória de bravura e visão que furou, de forma precisa e muito espaçada, pela linha avançada das irrigações da new wave, do pós-punk e do industrial nas décadas de 80 e 90 ao lado de gente dos Einstürzende Neubauten ou DAF, e acelerou passo a partir de 2010 numa dimensão onde as referências a outras músicas se perdem numa dimensão onde o real e o onírico se envolvem. Tomando a voz como meio primordial, dissolve o canto e a palavra numa neblina de extended techniques, poesia enquanto som, corte, colagem e processamento electrónico, num processo que Voice Hardcore, de 2018, ilustra de forma sublime e assombrada, no título e no som. Paralelamente, trabalha também campos puramente electrónicos em torno do drone e da repetição – vide Virtual Jamming – e abre-se a colaborações pontuais com artistas como Ana da Silva – Island -, Jim O’Rourke e Oren Ambarchi – Patience Soup. Numa altura em que é inegável um certo fascínio generalizado nos meios da música mais exploratória em torno do canto, Phew chega ao OUT.FEST com honra bem recente mas sempre tardia de capa na Wire e um justamente celebrado álbum do ano transacto que enreda a labuta vocal e electrónica num campo puramente expressivo ainda por cartografar, tão insondável quanto fascinante. Como a própria. 

ECKO BAZZ feat STILL (Uganda / Itália) *Estreia nacional
Encontro nascido de uma residência de dois meses de STILL aka Simone Trabucchi em Kampala, promovida pela valorosa Nyege Nyege Tapes, e que deu origem a ‘Ntabala (Rolex Riddim)’ de KIKOMMANDO na PAN, e se materializa agora numa tour e visão conjuntas. Rapper que carrega consigo a voz e consciência da vida nos bairros mais empobrecidos e ostracizados do Uganda, Ecko Bazz chegou este ano a novo patamar de revelação com a edição de Mmaso. Após um primeiro tumulto na fecunda cena rap do Leste Africano com Tuli Banyo em 2018, Bazz discorre sobre as táticas de sobrevivência, réstias de esperança e dureza quotidiana das suas vivências de afiada lírica em Luganda num flow incisivo e enérgico, alavancado por batidas, linhas de baixo e sintetizadores ríspidos em confluência de elementos do rap, do grime e do dancehall mais mercurial. Na sequência de Mmaso e KIKOMMANDO, STILL revela-se consorte mais do que apropriado para suster as palavras de Bazz, de uma urgência quase palpável, de quem não tem pejo em escancarar todo o negrume da realidade do seu país de origem num espaço onde a dança é também revolta.

7/8 OUTUBRO, GASOLINE. 02H00: DJ NARCISO (Portugal)
Membro fundador da crew RS Produções da Rinchoa, Rio de Mouro, Narciso começou bem cedo nestas lides a atiçar fogo vital para uma vida suburbana além do cansaço pós-laboral da linha de Sintra. No fundo, marca transversal a muita da gente acolhida na Príncipe, de onde saiu em 2018 o sempre essencial Bagdad Style. Produzido em partes por ele e pelo comparsa Nuno Beats, nesse 12” ficavam postuladas de modo infeccioso as coordenadas de uma música urgente: batida tocada pela extrema unção do fervor rítmico metálico em feras como ‘Caipirinha’ ou ‘Constipação do Poco’.Desde então, tem estado algo discreto a solo, com ‘BOB’ na compilação Verão Dark Hope a colmatar essa falha de forma singela mas mui digna, mas NXE, colaboração com o britânico Endgame na influente SVBKVLT deixou no ar perspectivas possíveis sobre e para a sua música, num jogo de luz e escuridão de superfícies tão rugosas quanto cromadas, ponte imaginária e futurista entre o betão londrino e a comunhão da Rinchoa. Enorme a expectativa em sentir in loco aquilo que este prodígio tem andado a magicar na sombra.

DJ HARAM (EUA)
DJ e produtora originária de New Jersey a habitar em Filadélfia, ligada ao colectivo Discwoman e com um passado de curadoria invariavelmente presciente para muitas movimentações de dança multiculturais e urbanas que se têm normalizado nas pistas fora do eixo mais cinzentão da house e do techno, através das suas noites f(LAWLESS) ou Gas, mas também para o imponente MoMA ou através da rádio com o saudoso ‘Rage Radio’ na Rinse FM e agora ‘Monday Night Raw’ na Lot Radio. Regressa a Portugal no embalo de um novo álbum de 700 Bliss – celebrado duo com Moor Mother – e rasto incendiário de DJ sets onde o booty bounce de Jersey, Baltimore e Filadélfia se enlaça com as suas raízes na música do Médio Oriente e uma atitude muito DYI e exploratória de estilhaços noise e industrial. Miscigenações puras e continuamente inomináveis num clash cultural com tanto de contestatário quanto de celebratório.

8 OUTUBRO, SIRB “OS PENICHEIROS”. 16H00: POLY VUDUVUM (Portugal)
Conjura de Diana Policarpo (que já foi também Poly Garbo) e Vuduvum Vadavã que é Marta-metade de Von Calhau! Duas artistas com obra transversal e multidisciplinar, em dimensões distintas que encontram aqui um espaço de contacto etéreo feito de canto, jogos de palavras, improviso, electrónica e percussões metálicas. A primeira tem vindo a trabalhar com afinco, e desde que se instalou definitivamente em Lisboa após estadia em Londres, numa narrativa ampla em torno das relações entre poder e políticas de género, nos campos da instalação, electroacústica, gravações de campo e percussão. Marta é artista visual, voz de comando do duo de Tau Tau, dj do insólito, performer e mente obcecada com a palavra no seu estado mais primitivo e selvagem, do pré-verbal ao palíndromo. Encontro tão curioso quanto capaz de sacar matéria insondável do som, do ruído e de possíveis formas de silêncio.

USOF (Portugal)
Nave de João Rochinha, instigador jovem e sempre generoso de movimentações mais ou menos electrónicas de valor a acontecerem em proximidade e em comunidades virtuais, enquanto co-fundador da Rotten \ Fresh, da surf, do colectivo Living Room ou da presença etérea com o seu programa ‘For 0’ na Rádio Quântica. Já com algum traquejo nestas andanças, usof assume sem grandes problemas o rótulo ambient, cujo uso abusivo em tempos mais recentes se tornou uma praga, pela valência e dignidade com que aceita as suas normas e as processa com engenho e inventividade, sem cair no arrivismo contemplativo ou na dormência pseudo-emocional. Selections 2, lançado já este ano, não precisa desse buzz para se fazer valer. Sequência natural de 0 e 1, avança as premissas destes para afirmar uma linguagem cada vez mais sua, feita de pads em suspensão amniótica, percussão enquanto textura e pulso e uma atenção e cuidado com o detalhe e a composição que mantém a música continuamente viva. 

8 OUTUBRO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DO BARREIRO (Galeria e Auditório). 16H15: LUÍS FERNANDES (Portugal)
Músico de Braga que muito tem feito por essa cidade enquanto programador do GNRation e do festival Semibreve, dois pólos de importância superlativa neste país e reveladores de um entendimento amplo sobre a forma de fazer coisas. Postura indelével e naturalmente transversal à sua obra, desde a fundação dos peixe : avião, à passagem por La La La Ressonance, às suas primeiras investidas a solo enquanto The Astroboy e, mais recentemente, um celebrado duo com a pianista e compositora Joana Gama. Pelo caminho, colaborações com Hans-Joachim Roedelius, Black Bombaim ou Rhys Chatham são também elas indício para uma actividade pensada em e para contextos múltiplos. Nesse sentido, e após dois discos em nome próprio para a Holuzam – selo editorial das boas gentes da Flur – e para a conceituada Room 40 de Lawrence English, Fernandes desenvolve agora uma muito sua linguagem a solo onde as condições do espaço ditam à priori o enfoque da criação. Electrónica e improvisada na sua origem, a música de Fernandes abre-se a uma descoberta ponderada, que aceita na boa o erro como parte do processo e transita de forma fluída por arpejos vertiginosos, massas de som cósmico e clusters harmónicos que encontram a emoção na aparente dissonância. Tudo muito panorâmico e cuidado, numa linha de exploradores que da música kösmiche alemã e suas sucessivas mutações foi formando gente como Steve Hauschildt, Keith Fullerton Whitman ou Fennesz.

DIES LEXIC (Portugal)
Dupla portuense de Inês Tartaruga Água e Xavier Paes, artistas de trilho bem singular cuja visão e forma de actuar ocupam espaço e tempos definitivamente próprios na movida dessa cidade e deste país. A sua auto-denominada “Cripto Anarquia Psicadélica” revela uma música desalinhada com o fluxo hiperreal destes tempos, como que a descobrir no vagar dos dias a via para estados alterados da psique muito em consonância com as fórmulas do tratado Liber Null de Peter J. Carroll. Adoptando uma certa pobreza bendita, recorrem a gravações de campo, processamento electrónico rafeiro, instrumentação inventada e rotação paciente de botões, num campo de abstracção sensorial droney que assume a mesma posição de joelhos calcados na terra de psiconautas como Thuja, Double Leopards, Pelt ou Part Wild Horses Mane on Both Sides, a escamotear o brilho asséptico da moda ambient.

CLAIRE ROUSAY (EUA) *Estreia nacional
No panorama tantas vezes mimético da actual música ambient, é rara a figura desses meandros que deixa algum tipo de marca pessoal vincada. Originária de San Antonio, Texas, e adepta de uma abordagem quase diarística à composição, claire rousay tem-se demarcado do marasmo de pads e, acto contínuo, arrumado a seu ritmo um canto especial no espectro das músicas mais contemplativas. Como quem dá livre passe aos instintos mais voyeurísticos da “audiência”, para que esta se reveja nessa mesma diligência. Naquele limbo sempre complicado entre a realidade e o sonho, sem se deter em algum desses estados, deixa que estes se introduzam mutuamente em temas (geralmente) longos e de labor minucioso, mas nunca abertamente cerebral. Prenhe de emoção e auto-referências, a música de rousay fisga as ruminações do dia-a-dia – voice memos, gravações de campo, murmúrios, conversas, etc – para as dotar de novos significados, em enredos imaginários com cordas, piano e texturas electrónicas que tanto podem ser dronescas como evocativas da hyperpop no proveito transcendental do autotune – a softer focus não tem vergonha de o assumir. Títulos como sometimes i feel like i have no friends ou everything perfect is already here são indicadores dessa mesma honestidade, mapeada numa espécie de cartografia onírica mas sempre reveladora, estranhamente táctil na sua intimidade.

8 OUTUBRO, LARGO DO MERCADO 1º de MAIO. 16H45: MÁ ESTRELA (Portugal)
Com disco de estreia lançado no início do ano, Má Estrela é a nova working band de Pedro Alves Sousa, saxofonista e um dos nomes que tem feito os jazzes portugueses deste novo século, fazendo-se rodear de Simão Simões e Bruno Silva (eletrónicas), Miguel Abras (baixo) e João Portalegre (bateria), músicos do lado de fora do jazz tal como o entendemos, cúmplices de várias outras andanças, para nos apresentar uma criação de híbridos e heterogenias sónicas. A Má Estrela enceta e conduz um diálogo entre silêncios e entre um entendimento de um género específico, neste caso o dub, que na direção de Sousa é feito de linhagens várias das eletrónicas contemporâneas: sejam aquelas em que assenta a canção pós-soul dos dias de hoje, seja o footwork e outras músicas da dança, sejam as incursões letárgicas e hipnóticas da música ambiente. O resultado final é uma suspensão beatífica, ou um regresso ao solo das voltagens em busca de asas para levitar.

GEORGE SILVER & GOLD (Portugal) *Estreia Mundial
Em tempos mais ou menos recentes, poucos serão os músicos a operar em Portugal com a mesma proficuidade e sentido de urgência de André Neves. Barreirense mais conhecido como George Silver para quem está de fora, Neves tem sido uma figura quase omnipresente por entre actuações a solo, dj sets, radialista com o seu Sincopado na Rádio Quântica ou como baterista em DEBUT! e operador de maquinaria em AFF, ao lado de Miguel Torga e Diogo Vasconcelos. Uma visão caleidoscópica e voraz que se enfarda nas mais diversas músicas – polirritmias africanas, balanço tropicalista, acid house e derivação mais chill da entrada para os anos 90 ou a contemplação do Sudoeste Asiático – e as baralha com uma felicidade e espanto contagiantes. Inocente Indecente, lançado no ano passado ao abrigo de uma bolsa de criação da OUT.RA, denunciou essa sede de descoberta de um pan-culturalismo oculto, e é por essa mesma procura desafiante que lançámos o repto que leva Silver a apresentar-se pela primeira vez acompanhado por uma banda dourada constituída por David Caiado, Duarte Reis e Ernesto Vitali. A acolher novos mundos aqui em casa.

8 OUTUBRO, SALA 6. 17H00: DIBUK (Brasil)
Artista paulistana a residir no Porto desde 2020 após passagem por Berlim, Lea Taragona tem em Dibuk o seu veículo solitário para canções em suspensão, nascidas no espaço mental divagante da intimidade. Tendo já actuado em diversas salas pela Europa, por estes lados a sua presença tem sido discreta, com um par de actuações na cidade que a acolheu ou a co-criação musical da performance Über Alles no MAAT, mas há aqui uma voz que urge descobrir. Casa Zero, disco de 2020, onde conta com a participação do comparsa Victor Negri, é um compêndio de encantos breves sobre a forma de canção, onde a imagética sonhadora das palavras tem réplica nas harmonias de voz, acordes dolentes de guitarra, gravações de campo, percussão esparsa e texturas sintéticas que se vão revelando de confins esquinados.

ECE CANLI (Turquia)
Artista de origem turca a residir e abrilhantar o Porto, Ece Canli tem desenvolvido obra pensada e valorosa de intuição exploratória, tanto na sua prática académica como artística. Neste último campo, tem levado uma demanda colaborativa através de encarnações como Live Low de Pedro Augusto, Nooito com Angélica V. Salvi ou Cobra`Coral com Catarina Miranda e Cléila Corona, abrindo uma panorâmica sobre o vasto horizonte solitário que tem vislumbrado com uma calma assertiva. Vox Flora, Vox Fauna, estreia a solo de 2020 pela Lovers & Lollypops, arremessa a voz a estados de transcendência, num plano liminal onde a natureza humana no seu estado mais instintivo e bestial e a sua elevação a estados trans-humanos é mediada de forma quase cerimonial ou ritualística pelo uso de técnicas avançadas, lírica meta-linguística, cantos ancestrais e improvisação. 

8 OUTUBRO, ADAO. 21H30: CARINCUR (Portugal)
Artista multidisciplinar já com uma presença bem firmada no mosaico tuga do agora, Inês Cardoso tem trabalhado intersecções fascinantes entre a performance, a instalação e a música num processo exploratório abençoadamente intuitivo. Tendo já colaborado em diversos campos com artistas como Piny, Xana Novais e, numa relação que se tem revelado bem simbiótica, com João Pedro Fonseca, assume a “máscara” de Carincur como meio para inquirir e extrapolar conceitos estanques em torno dos binómios realidade/ficção e electrónico/orgânico. Encarando a tecnologia como extensão do corpo, Carincur assume um conceptualismo audaz mas não se esgota no esgravatar teórico do mesmo, alcançando um centro gravitacional de encanto e hipnose recorrendo à voz e sua manipulação electrónica em coros, sussurros, texturas e drones, fragmentando as divisões entre o tempo, o espaço e a memória em Echoes From a Liquid Memory e possíveis simbolismos e rituais na era da Web 2.0 em Selfie Face Filter (New Rituals, New Masks) comissariada pela Culturgest.

BURNT FRIEDMAN & JOÃO PAIS FILIPE (Alemanha / Portugal)
Encontro afortunado e pleno de sentido entre o baterista e percussionista João Pais Filipe e o mago da electrónica Burnt Friedman, cuja sinergia remonta a 2018, quando ambos se cruzaram exatamente aqui, no OUT.FEST, e teve já este ano edição honrada com o primeiro volume de Automatic Writing, sub-titulado Mechanics of Waving. Com título a aludir ao processo colaborativo que os próprios anunciam como “automatic music”, Mechanics of Waving revela quatro anos de laborioso estudo e elevação das particularidades do ritmo e da percussão, interesse supremo de ambos os músicos, aqui sublimado num fluxo hipnótico e circular de (falsa) repetição, onde timbre, harmonia e ritmo se contaminam por entre polirritmias, texturas arenosas e ecos enevoados herdados do dub. No fundo, um continuum com toda a exploração levada a cabo por Friedman ao longo de mais de quatro décadas, com projectos como Drome, Nonplace Urban Field ou Flanger a instigarem cruzamentos entre o jazz, o dub e várias heranças electrónicas que desembocaram em tempos mais recentes no seu projecto Secret Rhythms – nome auto-explicativo do interesse quase obsessivo deste mítico. Obsessão e labuta constante partilhada por Pais Filipe, músico sediado no Porto que tem revelado uma visão pessoalíssima e pan-global em torno das normas e escapatórias do ritmo, tanto a solo como em projectos como CZN ou HHY & The Macumbas. Lá está, tudo a fazer sentido. 

AUDREY CHEN (EUA / Taiwan)
Norte-americana de descendência taiwanesa que regressa ao Barreiro após uma memorável actuação em 2020. Acumula longos anos de formação clássica em violoncelo e voz, o que a agracia com um traquejo e técnica que não se esvai na entropia canónica/académica mas antes como expediente para refutar essas concepções e explorar livre e pessoalmente formas de expressão pura. Contando já com duas décadas de trajectória maioritariamente solitária, tem manifestado uma linguagem de busca incessante em torno das particularidades desses mesmos instrumentos, habitualmente em conspiração com alguma electrónica, recorrendo ao lirismo, técnicas avançadas, harmónicos, repetição e som puro como meio para a hipnose. Nos últimos anos, tem aberto o jogo a uma rede preciosa de colaboradores no mesmo comprimento de onda, como o são Phil Minton, Kaffe Matthews ou Maria Chavez.

RICHARD DAWSON & CIRCLE (Reino Unido / Finlândia) *Estreia Nacional
Vórtice de confluência excêntrica de duas entidades bem sui generis destas últimas décadas. Em geografias e campos operacionais distintos, partilham entre si e cada uma à sua maneira uma certa teatralidade, quase auto-mitológica na forma como escavacam tropes de género em visões alucinatórias. Vindo de Newcastle, Richard Dawson é como que um trovador na demanda de conter toda a humanidade sob a forma de canções-épicos, a arrastar consigo o peso da tradição folk britânica – o cancioneiro tradicional, Roy Harper, John Martyn ou Pentangle – por caminhos inóspitos, fora de tempo e lugar, deixando nesse trilho obras mestras como The Magic Bridge ou Peasant. Os Circle são uma trupe de weirdos finlandeses com mais de três décadas de actividade e uma discografia imensa que segue o chamamento cósmico do krautrock até confins onde este se enlaça com o heavy metal, o rock progressivo, ambient e todo o tipo de fusões num estilo que os próprios denominam de “New Wave of Finnish Heavy Metal”. Desconstruindo tanto noções de géneros musicais quanto a própria postura machista do rock, sublimando os seus trejeitos a níveis bem campy, tomam o palco vestidos de spandex, correntes de picos e mais indumentária over-the-top numa espécie de liturgia celebratória. Henki, disco colaborativo lançado já este ano e cujo título pode ser traduzido por espírito ou fantasma, assenta a sua lírica na natureza e nas propriedades de diversas plantas ao longo da história para assim reflectir sobre o ciclo da vida e da morte, numa banda sonora hipnótica, onde o clamor da voz e a guitarra truculenta de Dawson se enredam com o pulso motorik, o onirismo do art rock, cavalgadas heavy metal e passagens psicadélicas não muito distantes de ‘He Loved Him Madly’ de Miles Davis, sem nunca perder um fio condutor. Louvável.

PRISON RELIGION (EUA)
Duo originário de Richmond, Virginia, formado por Poozy e False Prpht, dois instigadores com vivências a solo que se juntam ao abrigo de Prison Religion para debitarem um estrépito parido da angústia e do sufoco. Com ligações à Halcyon Veil de Rabit, arquitectam uma espécie de buraco negro sónico para onde convergem a raiva do hardcore, a urgência do rap, detritos da música de dança mais negra e o peso do industrial, não completamente alienado de nomes como clipping., Dreamcrusher ou Chino Amobi – Poozy fez parte de Paradiso deste último, pelo que a referência não está completamente deslocada – mas a gravitar no seu próprio espaço. Descarnada e alucinatória, a música agarrada em O FUCC IM ON THE WRONG PLANET, BEACHHEAD e no recente Hard Industrial BOP, com edição pela UIQ de Lee Gamble, tanto paira numa desolação droney como se instiga à acção através de gritos lancinantes e descargas de ruído bruto, num reflexo cabal da confusão que pode ser habitar estes dias – pela sua via mais bruta.

RP BOO (EUA)
Pioneiro na criação, disseminação e avanço do footwork, RP Boo poderia bem ser apenas uma figura tutelar do género, a colher calmamente os louvores sistémicos do estatuto. É, como se topa no título do seu último álbum, um artista Established, mas ao invés de sucumbir ao torpor, continua a descortinar novas formas de manipulação genética da música que ajudou a inventar em Chicago. Todo o respeito e admiração que lhe são dados a serem continuamente atiçados pela sua inquietude e visão profética, desde que surgiu ao lado de nomes DJ Spinn, Traxman e o saudoso DJ Rashad em Bangs & Works, compilação vital lançada pela Planet Mu que sacou do obscurantismo regional toda uma música prenhe de urgência a que o próprio ia dando forma desde os anos 90. Chamar o seu primeiro álbum de Legacy fez todo o sentido, dado tudo o que já vinha de trás. Desde então, e sempre ligado à Planet Mu, lançou mais três discos onde baralha as premissas bases do footwork – a síncope rítmica tensa, a velocidade dos 160 bpm, subgraves, sampling vocal herdado do hip hop – em novas formas, sem nunca cair na experimentação obtusa. Mesmo quando corta as vazas à formatação rítmica ou aterra linhas melódicas disruptivas, subsiste uma abordagem muito pura e intuitiva, que apela a uma ginga no limite da vertigem. Nos seus sets, o risco e a dança alinham-se num mesmo plano, conduzidos com mestria e uma felicidade que irradia.

8/9 OUTUBRO, GASOLINE. 02H00: PISITAKUN (Tailândia)
Espírito indomável em corropio pela verdadeira Tailândia que se esconde à sombra dos postais turísticos, Pisitakun é parte activa de uma movida bem real e plena de vontade que tem agitado o solo do sudeste asiático em diversas latitudes. Propulsionada por plataformas como a incansável Chinabot, por onde lançou SOSLEEP e Absolute C.O.U.P., uma armada de artistas vindos dos mais diversos backgrounds tem dado vida a um mosaico de ideias tão inusitadas quanto férteis, onde tradição e futuro se colapsam num mesmo fluxo. Juntando-se a nomes como Senyawa, Fauxe ou Gabber Modus Operandi nessa investida, Pisitakun partilha com estes últimos um fascínio pelo kick do gabber e pela esfera da hiper-realidade, mas carrega consigo o seu próprio legado e resistência. Desbotando o gloss digital que permeia alguma desta música que confronta o passado com a iminência constante do agora, a música de Pisitakun abre-se a um maximalismo mais directo, duro mas celebratório, com um cunho político bem vincado perante a opressão do regime tailandês. Absolute C.O.U.P., de 2020, faz alusão directa aos 13 golpes militares que o país sofreu desde a Revolução Siamesa de 1932, numa profusão em constante mutação de velocidade gabber, instrumentação tradicional tailandesa, distorções rafeiras em descendência industrial, batidas militares, sintetizadores agrestes e uma tapeçaria densa de samples com história(s).

VIOLET (Portugal)
Produtora, dj, activista e mobilizadora para uma vida mais digna neste país, Violet tcp Inês Coutinho tem, desde que regressou de uma estadia em Londres, desdobrado o seu papel em diversas frentes: co-fundadora da Rádio Quântica, cabecilha das editoras naive e naivety, residente das festas mina e uma das responsáveis por dar vida ao mui essencial espaço do Planeta Manas. No ímpeto de lançamentos para editoras como a One Eyed Jacks, Love on the Rocks ou Dark Entries, tem rodado a Europa e o Estados Unidos a espalhar boa onda em sets celebrados onde o espírito rave é invocado por entre house, techno, breaks e electro. No último par de anos tem revelado especial apreço pela contemplação ambient, devidamente revelada em Transparências, álbum deste ano lançado pela Quântica, onde é magicada uma banda sonora para as vivências mundanas. E não são raras as vezes que dela necessitamos.

Os últimos passes globais, ao preço de 30€, e os bilhetes diários (com preços entre os 8€ e os 15€) podem ser adquiridos via BOL e locais habituais, a conferir neste link: https://outra.bol.pt. Mais informações sobre o festival – produzido pela OUT.RA – Associação Cultural e co-programado pela Filho Único, com o apoio da Direcção-Geral das Artes e do Munícipio do Barreiro – podem ser encontradas em www.outfest.pt.

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