Perry Leopold, Christian Lucifer

“Christian Lucifer”, de Perry Leopold, é um disco que esteve perdido durante duas décadas e se revela como uma cápsula do melhor que a década de 60 e 70 tem para oferecer no que diz respeito ao acid folk, psych e prog rock.

Este (diga-se, infelizmente) pouco conhecido compositor oriundo de Philadelphia gravou apenas dois álbuns. “Christian Lucifer” é o segundo e, possivelmente, o melhor. Curiosamente, em 1973, numa altura em que a experimentação no rock dava cartas, o sentido conceptual lírico e a produção desenvolvida deste disco e do anterior, “Experiment In Metaphysics”, não vingou e afastou Perry Leopold das grandes massas de audiência.

Aliás, é quase miraculoso que este álbum tenha chegado intacto aos nossos dias. Devido ao fracasso comercial do primeiro LP, já depois deste ter sido gravado, o estúdio (Veritable Recording Studios, Lansdowne, PA) onde fora registado foi vendido e com ele as fitas de gravação. Então, os direitos deste disco foram passando por vários companhias discográficas, o que fez com que as master sessions fossem perdidas, tendo-se usado a fita original para regravar qualquer outro(s) trabalho(s). Felizmente, os vários temas foram sobrevivendo em reel-to-reel e essas bobinas permitiram que, em 1999, a pequena editora Gearf Fab reeditasse este trabalho, com uma recuperação de qualidade perfeita. A tecnologia aliou-se ao misticismo.

Ao mesmo tempo, são esses factores (insucesso e esquecimento) que, de certa forma, trouxeram esta fusão de elementos folk nativos das Américas e da música barroca europeia intacta até aos dias de hoje. Os seus dualismos líricos fizeram com que o músico começasse a ser designado por Christian Lucifer nos cartazes das suas actuações e isso terá acabado por influenciar o título deste álbum. “Christian Lucifer” representa um duelo entre as pontas da alma humana com letras marcantes, poderosas e evocativas espiritualmente, com um toque apócrifo de proximidade aos hinos dessa subcultura cristã. E os níveis de composição são pioneiros, suportados por uma produção de valores irrepreensíveis, na coordenação de vários elementos distintos e dos arranjos desses mesmos elementos durante as estruturas das músicas. Cheio de composições nas quais as progressões melódicas são tão reconfortantes como surpreendentes.

Era como se um canta-autor, além da simplicidade folk da guitarra acústica, usasse a profundidade sonora do psicadelismo do rock progressivo; como se Bob Dylan tivesse gravado um álbum com os Pink Floyd. Ou a fragilidade de Nick Drake com a cosmicidade de David Bowie (que até é citado no tema “Serpentine Lane”). De modo mais sucinto, podemos dizer que se aproxima a uma versão americana de Jethro Tull. Afinal, a voz e o estilo de entoação aproxima-se ao que conhecemos de Ian Anderson.

Não é um álbum conceptual per se, as músicas não se interligam, mas há uma atmosfera densa que percorre cada um dos temas que provoca o ouvinte e o leitor, que intriga a consciência e enriquece a experiência de audição. Isso já foi algo pertinente na música, ao invés daquele que é o objectivo primordial de todos os campos de actividade humanos: o imediatismo, esse filho bastardo do materialismo que é revelado como loucura neste precioso álbum. Se decidirem ouvir este “Christian Lucifer”, serão arrebatados pela sua simplicidade, pela beleza bucólica que tem e por uma sensação de pacificação das sinergias dualistas que nos percorrem.

Obter um desses raros LPs, de 1999/2001, da Gear Fab, pode ser uma empreitada bem dispendiosa. Houve, pelo menos, mais duas reedições diferentes em vinil que também estão esgotadas. Mas porque, lá no fundo, a Internet é uma das maiores invenções de sempre da humanidade, podem ouvir o álbum digitalmente em plataformas como a do player aqui em baixo, propriedade da Merlins Nose. No cabeçalho do artigo estão destacadas três canções, apenas para não colocar, redundantemente, as sete que compõem o alinhamento deste extraordinário disco. Ouçam-nas todas!

Um pensamento sobre “Perry Leopold, Christian Lucifer

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