AKHLYS, Melinoë

“Melinöe”, o terceiro álbum dos norte-americanos AKHLYS, é um notavelmente imersivo vislumbre de uma horrenda realidade onírica. Febrilmente ambicioso. Sonicamente majestoso.

“The Dreaming I”, lançado em 2015, foi um onírico clássico moderno. Suplantou os esforços do primeiro disco em larga medida. Por isso, a expectativa em torno de um sucessor era imensa. Isso sucede sempre que uma banda emerge do underground. A fiabilidade dos músicos, da execução e da criatividade deixa sempre reticências, afinal, trata-se quase sempre de perseverança pós-laboral e semi-profissional, sem espaço para o desenvolvimento apropriado de ideias. E, de facto, em relação às expectativas, elas não saíram goradas, mas “Melinoë” também não suplanta o álbum anterior. São dois discos diferentes e igualmente majestosos. Intitulado em honra à órfica e fúnebre divindade helénica dos pesadelos e da loucura, este disco de 2020 é um trabalho consistente, composto por cinco malhas de black metal atmosférico, hipnótico e vil, carregado de magnetismo.

É um trabalho mais pensado e desenvolvido como banda, no qual os AHKLYS canalizam os arcos estruturais da experiência onírica à medida que tecem baterias marciais, um enxame de guitarras sobrepostas, enfeitiçantes texturas sombrias e paroxismos vocais de terror eufórico em canções pandemónicas com múltiplas camadas que se justapõem de forma meticulosa. Espiritual, mítico, emocional e físico, com “Melinoë” os AKHLYS tornam a mergulhar nos mistérios dos sonhos (e pesadelos). Nas palavras do seu arquitecto sónico, Naas Alcameth: «Desde os portões do sono, onde succubus aguardam entre a vigília e o sonho, até às terras sombrias do além, onde demónios dos pesadelos e deuses do terror presidem, Melinoë apresenta-se como um confessionário nocturno, de salmos episódicos».

Resultado da convergência das experiências e personalidades musicais de Naas Alcameth, “Melinöe” soa conciso e paradoxalmente épico, oferecendo uma emocionalmente extenuante audição, pela sua natureza imersiva. Não contém elementos de interpretação fácil, como riffs orelhudos (com excepção talvez das harmonizadas e épicas linhas de guitarra na segunda metade de “Ephialtes”) ou refrães destacados, todavia tudo está estruturalmente calibrado de modo a soar devastador. O único momento que nos permite recuperar o fôlego é oninterlúdio instrumental, “Succubare”, que divide o disco. Mas a explosividade rítmica e as dementes dissonâncias de “Somniloquy” e, principalmente, da colossal “Pnigalion” apenas serão febrilmente ampliadas nos outros dois temas, “Ephialtes” e “Incubatio”.

Há padrões de black metal tradicional obviamente discerníveis, mas também há o cuidado de evitar excessos de ortodoxia. Assim surge em destaque a elaboração atmosférica que é evocativa de projectos infames como Blut Aus Nord, Schammasch ou Ruins Of Beverast e onde o uso da sintetização serve para acrescentar peso opressivo, sem qualquer compromisso quanto à sua aplicação que, pela hiperabundância e junto das guitarras, chega a ser nauseante. Todavia, o efeito é irresistível e complexo – notável a mistura do disco.

Quase sempre em blast, em crescendos alucinantes de intensidade, o álbum atinge a sua monumental conclusão em “Incubatio”. A fórmula é a mesma dos temas anteriores, mas a enormidade da escala aplicada é avassaladora. Mais violência rítmica, maior densidade de distorção e de sintetização, mais horror e insanidade vocal. É um vislumbre de como poderiam soar os icónicos “Hvis Lyset Tar Oss” e “Filofem”, se a ambição patenteada pelos Burzum nessa era clássica estivesse acompanhada pelos recursos tecnológicos actuais. Não há como escapar da insidiosa hipnose que nos envolveu senão quando o disco cessa, permanecendo aquela sensação de desconforto que se tem enquanto, ao acordar de um sinistro pesadelo, os seus detalhes desvanecem.

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