Coady Willis é o baterista dos Big Business e na sua carreira há ainda uma fase em que, com o seu parceiro Jared Warren, preencheu o lineup dos Melvins. O músico fala do seu drumkit e sobre os seus heróis e destaca alguns momentos da sua carreira.
Não haverá baterista que não gostasse de trocar de sapatos com Coady Willis, pelo menos por uns tempos. Quer dizer, ser baterista de Big Business e Melvins? Os Big Business são um bandão. Dos Melvins nem se fala. Ainda em Seattle, Jared Warren e Coady Willis juntaram-se para criar os Big Business e gravar o mamute de graves “Head For The Shallow”. O baixista e o baterista, na ressaca do seu explosivo álbum de estreia, tornaram-se parte do lineup dos lendários Melvins, para criar o excelente “(A) Senile Animal” e colocarem na estrada a marcante tour “Double-Drumming Rock for Peace”, em que após a abertura dos concertos com os Big Business, Warren e Willis se juntavam a Buzz Osbourne e Dale Crover, para os sets de Melvins.
Como se tudo isto fosse coisa pouca, Warren e Willis (com convidados na guitarra eléctrica) gravariam os tremendos álbuns “Here Come The Waterworks” e “Mind The Drift” nos anos seguintes, gravando mais uns quantos EPs e “Nude With Boots”, dos Melvins. Entre a sua actividade como membros rotativos dos Melvins e o trabalho em Big Business, 2013 viu a edição de um novo compêndio de amplificação massiva, com “Battlefields Forever”, que antecedeu o álbum “Command Your Weather”. Em 2019 chegou “The Beast You Are”, o mais recente disco de uma das bandas mais intensas e marcantes (entretanto com base em LA) a emergir de Seattle na última década.
Ver os Melvins em Portugal permanece um sonho por realizar, mas os Big Business passaram por Lisboa, em digressão de apoio ao álbum que editaram em 2016, “Command Your Weather”. Foi no dia 25 de Abril, de 2017, no Sabotage Club. A abrir o concerto esteve o power trio de noise-rock Whores. A banda da Georgia acabara de editar o seu álbum de estreia, “Gold”, congregador de aclamação crítica, tal como os EPs que o antecederam.
Se recordarmos o concerto, a actuação dos Whores terá sido a mais potente dessa noite. O seu som vive da energia de uma banda em início de carreira, com toda a sua ferocidade concentrada no recente álbum de estreia “Gold” e sem a erosão de anos consecutivos de estrada. Feito com o único propósito de ter o volume no máximo e mandar pedrada, o noise rock da banda é “aldrabado” com bastantes correntes de sludge, dotando o peso da sua amplificação de uma força tremenda e foi, quiçá, nessa comparação que venceram a noite aos headliners. Afinal, pensando apenas no mais recente álbum que traziam na altura, “Command Your Weather”, fica-se com a ideia de que os Big Business atenuaram o peso demolidor da sua música, em detrimento de maior sentido experimental e de uma busca incessante por quebrar barreiras de uma determinada subcultura musical, derivada dos omnipresentes Black Sabbath ou dos subterrâneos Melvins. Mas assistindo à prestação de Jared Warren e Coady Willis (a forma explosiva como o baterista toca, “cansa” só de ver) o que se verificou foi que esse sentido experimental, ao vivo, permanece com todos os pressupostos de peso sonoro vindos das origens da banda. Isso não invalida que a uma setlist centrado em “Command Your Weather” e “Here Come The Waterworks” não faltasse ouvir o groove mais directo de uma ou duas peças de “Mind The Drift”, por exemplo. Estruturalmente, “Command Your Weather” não se destaca tanto da parede sonora da banda. Afinal, a essência das canções revolve em torno de uma root note consistente e da tremenda batida de Willis, sucede é que a crescente complexidade rítmica e melódica é mais desenvolvida. Talvez por isso, o concerto tenha dado a sensação de ter passado num ápice. Ou talvez tenha sido a sensação de claustrofobia brutal no seu peso sonoro, auxiliada por uma sala como o Sabotage e a prisão de graves que a sua arquitectura permite, que faria mesmo a polícia intervir antes do último tema e mandar parar o concerto.
Foi no preâmbulo dessa noite que Willis fez uma retrospectiva à experiência de tocar nas duas bandas e sobre a coordenação com Dale Crover e falou sobre os seus heróis na bateria e sobre o seu drumkit.
Recuando a “Battlefields Forever”. O que motivou criar a vossa própria editora e lançar o disco dessa forma?
A antiga editora [Hydra Records] passou por um momento difícil e estava meio “fora do jogo”. Já andámos as vezes suficientes na roda das editoras para saber aquilo que queremos. Vimos editoras rebentar dinheiro em coisas que não faziam sentido para o tipo de banda que somos. Colocar anúncios de meia página em revistas de thrash ou agendar presenças na rádio antes de um concerto não nos faz muito sentido. Prefiro surgir numa loja onde está a decorrer uma competição de braço-de-ferro ou speed-dating [risos]. Algo diferente, entendes? Decidimos que se as pessoas desejarem comprar os nossos discos podem fazê-lo num concerto ou on-line. Não necessitamos de grandes distribuidores e podemos usar antes o dinheiro da forma que achamos melhor. É mais fácil e mais divertido. Há menos cozinheiros na cozinha.
Já gravaste várias coisas com os Melvins. Mas como foi gravar aquele “ao vivo” da Third Man Records que estava a ser cortado directamente para acetato enquanto tocavam? Houve muita pressão?
Tens um take para fazer tudo bem. O mais difícil nessa sessão foi a temporização. A gravação tinha um limite de 20 minutos em cada lado, não havia qualquer possibilidade de ultrapassar esse limite. Havia um relógio em palco e tivemos que “partir” o set para o acomodar nos lados A e B do álbum. Se ouvires o disco, cada lado está no limite dos 20 minutos. Quando a gravação terminou, tocámos mais algumas canções para as pessoas no auditório, para que sentissem mais que estavam num concerto. O Buzz e o Dale percebem que qualquer pessoa erra, mas já estamos a tocar juntos há tanto tempo que já sabemos que eles apenas querem que exista a energia da actuação. É isso que é importante para eles. Além disso, o pessoal da Third Man sabe exactamente o que está a fazer. Fiquei mesmo muito impressionando com o complexo onde trabalham. Definitivamente, é resultado de amor pelo trabalho e é bastante especial tocar lá.
E o álbum, exclusivamente de baterias, que gravaste com o Dale Crover e o Joe Plummer [Modest Mouse]?
O “Hew Time”. Foi inspirado pelo álbum de Max Roach, “M’Boom”. O Joe adora esse álbum, então reunimos uma montanha de instrumentos de percussão e coisas capaz de fazer barulhos estranhos, percussões brasileiras, três baterias, etc. “Micámos” tudo e, basicamente, gravámos tudo em live take. Ficou com um som muito porreiro.
Falavas nessa devoção do Joe Plummer. Tu próprio és um grande fã do Keith Moon. Há algum baterista actual que te encha as medidas?
O Keith está sempre lá em cima. O seu nível de energia é um encanto de assistir. Sempre fiz colagens daquilo que vejo. Cada vez que vou ver uma banda, asseguro-me de que encontro algo no baterista que gosto realmente. Actualmente, o Ashton Bird de Tweak Bird é um baterista entusiasmante de ver e eles são uma grande banda. O John Sherman de Red Fang também é contagiante. Diverte-se enquanto toca e isso faz a diferença. Sempre acreditei que tocar música tem que ver com a disponibilidade. Vejo bateristas super técnicos e é impressionante, mas pode ser uma seca. Também vou mencionar a Hozoji Margullis de Helms Alee. Ela é um dos meus bateristas favoritos.
Estás a tocar com DW. Que tal?
Adoro a bateria. Funciona mesmo bem com os Melvins. No passado, passámos muito tempo a tentar que as baterias funcionassem como um kit gigantesco, em vez de dois kits. Agora que os tamanhos das peças e as madeiras são diferentes há um maior contraste e sobressaem mais. Com Big Business também funciona muito bem. Os shells são em madeira de cerejeira, possuem muito ataque e conseguem ter graves. Cortam muito bem através dos baixos do Jared (Warren). O kit que usava anteriormente tinha um timbalão de 14” e um timbalão de chão de 18”, perdia-se muito no meio dos sons de baixo. Este é mais pequeno, os timbalões conseguem “furar” e conseguem trazer definição sem sacrificar o som que desejamos. [Willis usa o seguinte setup de pratos da Paiste: 24″ Alpha Brilliant Rock Ride; 18″ Alpha Brilliant Rock Crash; 13″ Signature Mega Cup Chime; 20″ Alpha Brilliant Metal Crash; 15″ Formula 602 Classic Medium Hi-Hats]
Entrar para os Melvins seria, por si só, algo avassalador. Imagino com o acréscimo de responsabilidade de ter que, quase, reescrever as baterias para soarem em dois kits…
Limitamo-nos a ir descobrindo enquanto tocamos. O Jared e eu já sabíamos o catálogo deles de trás para a frente quando nos juntámos à banda, pelo menos o sentimento dos temas. E eles confiam em nós e encorajam-nos a tocar o que queremos. Gostam que façamos coisas novas em vez de replicar com exactidão os discos. Claro, no início estava nervoso por sentar-me ao lado do Dale e estar à altura dele, mas eles deixaram-nos sempre à vontade.
Entrevista publicada originalmente na revista DW The Edge e traduzida ao abrigo de parceria estabelecida na NAMM 2017.