“The Bitter End of Old” não é apenas o melhor álbum dos Corpus Christii, mas um dos melhores de sempre do underground português, superando largamente quaisquer que fossem as (elevadas) expectativas a seu respeito.
“The Bitter End of Old” chegou a 13 de Maio de 2022, com edição via Immortal Frost Productions. urge em vários formatos, incluindo 1000 cópias em CD e 333 em vinil de 12″ (quantidade dividida em três parte iguais em cor preto, mostarda e mostarda/vermelho), acompanhado de um livreto de doze páginas, juntamente com um poster em formato A2. O formato digital também estará disponível, assim como uma edição em cassete via Larvae Records. Nocturnus Horrendus e J. Goat gravaram “The Bitter End of Old” entre Abril e Outubro de 2021, nos Generator Music Studios, em Sintra. Todo o trabalho de produção, mistura e masterização estiveram a cargo de Miguel Marques e da dupla de músicos. A capa, que evoca as gravuras de William Blake, foi criada pela Opposition Artworks, com o design e layout a terem assinatura da WrathDesign.
O nono tomo dos Corpus Christii era uma das edições nacionais mais esperadas em 2022. As expectativas ficaram ainda mais elevadas após o triunfal álbum “Vala Comum”, da Morte Incandescente em 2021, banda que, ao vivo, integra os dois membros dos Corpus Christii.
Dizer que as expectativas foram superadas é dizer pouco. Porque “The Bitter End of Old” transporta imensos momentos surpreendentes que, não só mostram a banda no pleno da sua maturidade e capacidades, como ainda revelam inesperados recursos musicais, que provam a contínua expansão de uma carreira que foi inaugurada em 98. O riffing maníaco de “Unearthly Forgotten Memory” ou o estranho e hipnótico groove de “Fragmented Chaos” são dois tremendos exemplos disso. Menos rock ‘n’ roll que o anterior “Delusion”, o excelente álbum de 2017, este trabalho consegue ser, no entanto, mais cativante, mais coeso e ainda mais homogéneo, e bem mais explosivo. Ao longo de 30 minutos, apenas alguns momentos de esvaziamento da pressão são oferecidos, como no interlúdio de baixo em “Behind The Shadow” ou, obviamente, logo na abertura semi-acústica de “Amargura”, por exemplo, seguida de “The Predominance”, que abre de rompante os portões de Pandæmonium, como a podemos entender na obra de John Milton. Como se fosse permitido ao ouvinte contemplar por alguns segundos a espiral de desespero e caos onde vai mergulhando. Pode naturalmente falar-se da preponderância do cânone da segunda vaga de black metal em “The Bitter End of Old”, mas isso já se trata apenas de um portal de vaga referenciação, pois nos últimos dois discos, principalmente neste, a intransigência estética dos Corpus Christii em se manterem como uma das grandes forças da ortodoxia estética do black metal, acabou por levá-los a desenvolver um carisma absolutamente singular.
A produção sónica deste trabalho é outra conquista. Agressiva, crua e limpa, exponencia todas as nuances dinâmicas dos intervenientes (instrumentais ou vocais) com uma articulação notável. Focada no corpo de médios, permite sentir cada blast beat com força demoníaca, oferece detalhe excruciante nas linhas exuberantes de guitarra e é, quiçá, o disco dos Corpus Christii com melhor som de baixo – verdadeiramente demolidor. A jóia da coroa é o espaço que permite ao riquíssimo trabalho, seja nas dramatizações vocais, nos sufocantes lamentos de “The Predominance”, ou nas épicas aclamações, como em “From Here To Nothing”, por exemplo.
Neste disco, a banda não só suplanta os seus anteriores valores de produção e de execução musical, como é capaz de invocar a angústia da orfandade. Quase numa forma de teologia negativa. Através de uma combinação da melhor tradição do black metal com o alargamento de técnicas e exploração musical, a atmosfera que se pressente é violentamente desesperante e, como referimos na analogia que dedicámos ao disco e ao “Cavalo de Turim”, filme de Béla Tarr, absolutamente mesmerizante. As sombras, a maldade e a demência são implacáveis na forma como retratam o mesmo efeito, a emancipação do nihilismo e a inversão da Obra do Criador. Isso aliás, está implícito no título do álbum e em “To the End, to the Void” – um dos melhores temas do disco. “Heinous” e os seus riffs monumentais encerram “The Bitter End of Old” de forma triunfal, fazendo permanecer a sensação de que este é o melhor trabalho da banda, certamente um dos melhores do ano e possivelmente um dos melhores (senão o melhor) álbuns do black metal luso e do nosso underground.
Majestoso, demente e genial…
Um pensamento sobre “Corpus Christii, The Bitter End of Old”