Gibson Forçada a Responder em Tribunal às Acusações da Heritage

A juíza Hala Yalda Jarbou julgou a favor das pretensões da Heritage Guitars no processo (de 2020) em que a Heritage Guitar Inc. acusava a Gibson de bullying empresarial. Todos os recursos contra-processuais da Gibson foram recusados.

No final de Maio chegou ao fim um dos mais mediáticos processos judiciais na indústria dos instrumentos musicais. Então, a Dean Guitars emitiu um comunicado onde reclama vitória em três pontos do processo, mas as pretensões da Gibson vingaram nos tribunais norte-americanos e a marca obteve uma vitória decisiva na disputa legal acerca de infracção e violação de patentes das suas guitarras eléctricas e acústicas. Eis toda a cronologia e conclusões judiciais.

Findo esse processo, a Gibson prometia focar-se na sua disputa com a Heritage Guitars, que remonta a 2020. Em Março desse ano, a Heritage Guitar Inc abriu um processo legal contra a Gibson, tornando-se a mais recente marca a confessar ter sido ameaçada com processos jurídicos dentro da campanha de infracção de patentes movida pela nova liderança da Gibson. O Guitar.com obteve uma redacção do documento legal que deu entrada num tribunal do Michigan no dia 13 de Março de 2020, no qual está detalhado um acordo, previamente confidencial, entre ambas as marcas, estabelecido em Agosto de 1991 e no qual a Gibson concorda com a produção de guitarras da Heritage. Agora, a Heritage pretende a validação desse antigo acordo e que a Gibson cesse as suas ameaças.

Vale a pena recordar que a Heritage tem a sua sede na fábrica que a Gibson detinha em Kalamazoo, operando aí desde que foi fundada por antigos funcionários da própria Gibson em 1985. Pouco após a inauguração da Heritage, as duas marcas lutaram nos tribunais a respeito de patentes, assunto que foi encerrado em 1991 com o acordo agora revelado. A Heritage, no seu recente processo afirma que «durante estes 29 anos, a Heritage e a Gibson seguiram caminhos separados, cada uma vendendo as suas reconhecidas guitarras no mercado, sem daí surgirem quaisquer problemas». Essa paz foi desfeita quando a Gibson foi adquirida pelo fundo Kohlberg Kravis Roberts (KKR), no seguimento da falência do gigante da indústria de instrumentos e na entrada de uma nova direcção, liderada por JC Curleigh.

A Heritage acabou por emitir um comunicado oficial nas suas redes sociais a respeito desta acção. No comunicado, a marca refere que não se deixará intimidar e ser alvo de bullying industrial, afirmando que a sua acção é puramente defensiva, em resposta à pressão da Gibson que, alegadamente, terá ameaçado ter maior poder financeiro para “rebentar” a Heritage num longo e dispendioso processo jurídico. «É a primeira vez em mais de trinta anos de existência que nós, a Heritage Guitar Inc, sentimos a necessidade de abrir um processo legal», inicia o comunicado partilhado e que podem ler aqui.

Nos dias seguintes, a Gibson emitiu um comunicado formal em resposta ao processo legal que lhe foi movido pela Heritage Guitars, no US District Court for the Western District of Michigan. O comunicado refere-se também às acusações de bullying jurídico e industrial. A Gibson refere-se a uma campanha negativa da Heritage Guitar Inc., propriedade da mesma empresa que detém os os sites e revistas Guitar.com e Guitar Magazine. Podem ler o comunicado que chegou às redacções em baixo:

«A Gibson está desapontada pela Heritage e os seus proprietários terem sentido a necessidade de mover uma queixa contra a Gibson. A Gibson não irá processar a Heritage Guitar, que é propriedade parcial da BandLab (uma empresa com sede em Singapura que detém a Guitar.com e Guitar Magazine – sendo ainda o actual distribuidor da Gibson Brands no Sudoeste Asiático). Em 2016, a Heritage Guitars foi adquirida por um grupo de desenvolvimento de propriedades imobiliárias. Em 2017, a BandLab adquiriu a maioria de acções da Heritage Guitars criando uma parceria que consiste num conglomerado sediado em Singapura (dirigido pelo filho de um bilionário) e pelo grupo imobiliário sediado em Chicago. Em 2019, a Heritage iniciou conversações com a Gibson com o intuito de reabilitar o icónico espaço da Gibson para propósitos comercialmente alargados, incluindo planos de converter a fábrica (Parsons Street, Kalamazoo) num hotel. A reunião teve lugar, mas não houve qualquer iniciativa posterior. Recentemente, a Heritage estreou algumas novas guitarras que, claramente, não respeitam, nem obedecem, ao contrato original. De facto, vários clientes questionaram, se seriam afinal Gibsons autênticas. A Heritage Guitars tomou também a liberdade de utilizar linguagem no seu website enganosa e deturpada, aumentando a confusão. Como resultado, a Gibson contactou a Heritage para recordar-lhe as condições do contrato original, com a intenção de uma resolução construtiva e com sugestões para sarar a ferida. Para que fique claro, a Gibson não processou a Heritage e tem sido proactiva na procura de uma solução. Contudo, a Gibson não irá aceitar que a Heritage Guitars, propriedade da BandLab, em parceria com agentes imobiliários, possa reescrever a história da Gibson e descaradamente violar um contrato de boa fé. A Gibson continua com foco no sucesso do seu ressurgir comercial, incluindo os níveis alargado de apoio de distribuidores de guitarras, artistas e parceiros».

O contrato de boa fé a que a Gibson se refere é o mesmo mencionado pela Heritage. Um acordo, previamente confidencial, entre ambas as marcas, estabelecido em Agosto de 1991 e no qual a Gibson concorda com a produção de guitarras da Heritage. Pois bem, a Gibson avançou com processos de concorrência desleal (litigação antitrust) e para impedir que o processo antitrust (neste caso mais relacionado com monopolização de mercado) que lhe foi movido avançasse. Essas acções sofreram um enorme retrocesso no passado dia 09 de Junho, após uma juíza ter decidido que esta não é imune a litígios antitrust por tentar fazer cumprir a validade das suas marcas registadas. Significa que a Gibson terá que defender-se em julgamento das acusações da Heritage, de que está a procurar forçar um monopólio no mercado de instrumentos.

O QUE ESTÁ EM CAUSA

A queixa alegava que a Gibson estava a fazer bully empresarial através das suas ameaças de litígio de marca registada contra a Heritage e cancelando um contrato com o retalhista de instrumentos musicais Swee Lee, sediado em Singapura. Swee Lee é um retalhista que, juntamente com a Heritage, faz parte da Vista Musical Instruments, uma divisão da Caldecott Music Group (antiga BandLab Technologies). A Heritage alegou que o cancelamento do contrato foi feito unicamente para punir o grupo BandLab/Caldecott e assim forçar a Heritage a retirar-se do mercado de guitarras dos EUA. Estas reivindicações de monopolização juntam-se às “medidas declaratórias e injuntivas” que a Heritage procura obter das ameaças da Gibson de litígio sobre marcas registadas. Como parte desta batalha legal, o acordo anteriormente confidencial de 1991 entre as duas marcas – um acordo (acima descrito) que estabelece como a Heritage pode continuar a tornar as guitarras semelhantes às da Gibson sem ameaça de litígio – foi tornado público, devido à sua relevância para o caso.

A Gibson tentou que o tribunal rejeitasse estas alegações com base numa série de fundamentos. Em primeiro lugar, argumentou que as definições da Heritage feitas dos mercados relevantes para as reclamações antitrust – para as guitarras de corpo sólido single-cut e guitarras double-cut semi-hollow – eram demasiado circunscritas. Estes mercados abrangem a Les Paul da Gibson e a H-150 da Heritage, a ES-335 da Gibson e a H-535 da Heritage, respectivamente. No entanto, na sua opinião relativamente à decisão, a juíza Hala Yalda Jarbou argumentou que a Heritage «alega plausivelmente como as características tanto das guitarras solid body e semi-hollow são únicas e não razoavelmente permutáveis com outros produtos».

Em segundo lugar, a Gibson argumentou que as definições da Heritage descreviam simplesmente os desenhos de marca registada da Gibson. Jarbou rejeitou isto, escrevendo: «Embora as definições da Heritage dos mercados relevantes sejam bastante restritas, os mercados não são definidos pelas marcas registadas da Gibson. Os mercados são definidos de forma suficientemente ampla para englobar tanto as guitarras Gibson como as Heritage e não se limitam apenas às marcas registadas da Gibson. A inclusão das marcas registadas da Gibson na sua definição não é inerentemente problemática, porque qualquer mercado relevante incluiria necessariamente as guitarras Gibson, se fosse um mercado em que a Gibson e a Heritage competissem».

O pedido da Gibson para rejeitar as queixas também cita a “Imunidade Noerr-Pennington”. Esta é uma doutrina que confere imunidade às leis antitrust a uma entidade privada quando esta tenta aplicar ou ajudar na aplicação de outras leis. Por exemplo, uma entidade que esteja a tentar legalmente fazer cumprir as suas marcas registadas não pode ser acusada de comportamento anticoncorrencial por o fazer, mesmo que a aplicação das marcas registadas possa ter efeitos anticoncorrenciais. Contudo, «existe uma estreita excepção a esta doutrina», escreve Jarbou, «onde as acções judiciais são uma “farsa” e apresentadas com o objectivo de interferir com a concorrência». A Second Amended Complaint, a reclamação da Heritage, alega que a Gibson tinha ameaçado instaurar processos “fraudulentos” de marca registada de forma anticoncorrencial. A resposta de Gibson argumentou que as suas reivindicações não eram infundadas. Por exemplo, referiu-se ao acordo de resolução de 1991 da Gibson e da Heritage, dando um exemplo de como a Heritage poderia ter interpretado o acordo de forma “irrazoável”, abrindo a porta a reivindicações de marcas registadas justas.

Jarbou rejeitou também este argumento, escrevendo que: «A interpretação da Gibson está em desacordo com a linguagem simples do acordo e tornaria insignificantes as partes [do acordo]». Acrescentou ainda que a Gibson não explicou por que razão os modelos Heritage que a Gibson afirma agora violar o acordo não são protegidos pela redacção clara estabelecida no referido acordo. Por conseguinte, decidiu que «o Tribunal considera, como questão de direito, que os contra-processos da Gibson e a conduta pré-contenciosa relacionados com as suas marcas Les Paul e ES são objectivamente infundados para efeitos da excepção de litígio à doutrina Noerr-Pennington”. Isto significa que a Gibson não é imune a litígios antitrust com base na simples tentativa de fazer cumprir as suas marcas registadas.

Finalmente, a resposta da Gibson à Second Amended Complaint aborda a rescisão do contrato da Gibson com a Swee Lee. A Gibson alega que «a Heritage não esclarece como a rescisão do contrato de distribuição da Swee Lee pela Gibson prejudica o processo competitivo ou prejudica os consumidores». A resposta de Jarbou é que o Tribunal já concluiu que a Heritage alega plausivelmente que esta conduta foi «concebida para punir o investidor comum [BandLab Technologies], de modo a retirar a Heritage dos mercados relevantes nos Estados Unidos». Ainda nenhuma das marcas reagiu, mas tudo isto parece estar ainda no início. Voltaremos a estes assuntos em breve…

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