Os novos temas, a estética sonora e a óbvia ligação ao ocultista Aleister Crowley. Traçamos o percurso de “Impera” desde a última vez que os Ghost passaram por Lisboa, em Dezembro de 2019.
Estávamos em Outubro de 2020, quando os Ghost foram receptáculos do prémio Music Export Prize na Suécia. A banda partilhou a novidade nas redes, publicando a observação do júri: «Os Ghost desafiaram audiências e tornaram-se parangonas desde a sua formação em Linköping, em 2006. Actualmente possuem fãs em todo o mundo. Com as suas letras míticas e ocultistas, sob um manto de metal melódico, os Ghost passaram de serem direccionados a um público iniciado – com o seu álbum de estreia, “Opus Eponymous”, em 2011 – para se tornarem uma das bandas mais seguidas no rock e no metal. Em 2019, os Ghost sublinharam o seu crescimento mundial com a digressão “A Pale Tour Named Death”. Quando a tour terminou na Cidade do méxico, em Março de 2020, tinha passado por 137 palcos em todo o mundo».
O ÚLTIMO RITUAL LISBOETA
Uma dessas cidades foi Lisboa, no dia 10 de Dezembro de 2019. O concerto abriu tal como “Prequelle”, o quarto álbum da banda (no qual Tobias Forge assumiu a personna de Cardinal Copia, em detrimento do Papa Emeritus III), com a intróito “Ashes” e, logo de seguida, “Rats”. O público que encheu a Sala Tejo reagiu imediata e euforicamente, cantando no máximo dos seus pulmões o refrão e os coros. De rajada, seguiu-se “Absolution” e “Faith”, com o seu riff de abertura com twin guitars, e a confirmação da ideia de que os Ghost soam mais heavy metal ao vivo. Foi então que Copia deu as boas-noites a Lisboa e anunciou que iria tocar uma canção de Papa, soando o 60’s rock açucarado de “Mary On The Cross”, do EP “Seven Inches of Satanic Panic”. O outro tema ali compilado, “Kiss The Go-Goat”, também herança de Papa, surgiria mais próximo da apoteose final. Em “Miasma”, o boogie instrumental do mais recente álbum, tivemos mesmo o infame Papa Nihil no saxofone, in personna. Houve bastante celeuma com as trocas de músicos ocorridas no final de 2017 (e continua a existir), mas isso acabou por resultar numa banda bem mais “capaz”. Com melhores intérpretes, com maior versatilidade. Algo mais notório nos Nameless Ghouls que seguram, em cada extremidade do palco, as Hagstrom semelhantes às Gibson RD que, pasme-se, os Ghost ressuscitaram… E a Gibson renunciou aos Ghost! Agora, os guitarristas usam modelos Hagstrom. Os modelos RD, ou melhor, as Hagstrom Fantomen são instrumentos em mogno, com o sistema de truss rod H-Expander e escala Resinator, com uma extensão de 25.5” capaz de oferecer um pouco de mais definição no ataque, tal como mais sustain do que as escalas mais curtas. Ainda assim, depois da digressão com Metallica, a banda mudou uma vez mais e agora, com o Nameless Ghoul a dividir-se em vários papéis, fixos existem duas teclistas e apenas dois guitarristas – um deles suspeitamos ser Adam Zaars, dos Tribulation.
Actuando como headliners, os Ghost entregaram-se a alguns clichés dos concertos rock, como o duelo de solos de guitarra encetado antes de “Cirice”. Pecou por excessivo e o entusiasmo em torno do concerto arrefeceu um pouco nessa altura. Valeu pela singela homenagem a Marie Fredriksson, dos Roxette, que faleceu nesse dia 10. Felizmente, após a “saxofonada” de Papa, surgiu uma sequência irresistível com “Ghuleh/Zombie Queen”, “Spirit” (uma favorita pessoal, diga-se) e “From The Pinnacle To The Pit”, daquele que consideramos o melhor álbum da banda, “Meliora”, e o petardo “Ritual”, do primeiro álbum que foi ainda e logo de seguida evocado com “Satan Prayer”. O ritual estava no seu pináculo. E ainda restavam muitos salmos apócrifos por ouvir. Sinceramente, quatro álbuns, uma série de EPs, e uma mão cheia de canções orelhudas e cheias de swing. Aparentemente tudo oriundo da carola de Tobias Forge. Não vale a pena usar de meias palavras, os suecos são prodígios melódicos, herdeiros dos Abba, e Forge tem um tremendo talento para escrever canções e colocar toda a gente a sorrir diante do Grande Bode e a aclamá-lo, como em “Year Zero”. Mais, as bandas de rock contemporâneas parecem ter deixado cair uma das maiores armas de arremesso do género, a power ballad. Por pretensões de peso ou snobismo, mas fazem mal, porque nada cativa o mainstream como um baladão e Forge sabe bem disso, como prova “He Is”. Para o final, como de costume, “Mummy Dust”, onde os solos de guitarra deram lugar a um solo de keytar. Como referido em cima, o cânone dos 60’s, com “Kiss The Go-Goat”. E o cânone clássico dos 80’s chegou, ainda com mais força, em luzes néon e disco beats para dançar com a morte, em “Dance Macabre”. “Square Hammer” foi a benção final. Os Ghost despediam-se de Lisboa e restava esperar.
PROMESSAS & PANDEMIA
Essa espera prometia ser curta. Ainda em Outubro de 2019, numa aparição no popular podcast Talking Metal, Forge afirmava que, nessa altura, tinha «uma única canção em demo, que se pode ouvir do início ao fim». Tendo estado tanto tempo em digressão apenas passou em estúdio no Verão, basicamente «para desanuviar um pouco, precisava de gravar algo para ter a sensação de ter começado o processo. Essa canção foi baseada em três ideias diferentes. Normalmente, isso é aquilo que preciso para entrar em estúdio e começar a bater no ferro». Se pensarmos que três ideias redundam numa canção, então os fãs dos Ghost podem sentir-se optimistas, afinal Forge admitiu ter «umas 50 a 60 ideias na cabeça, o que significa que apenas preciso de investir dois ou três dias em juntar três ideias de cada vez… É quase matemático. Se pegares nessa soma e dividires por três, aí está – basicamente esse é o número de canções que tenho para extrair daí». Fazendo a matemática, se pensarmos no número menor de 50 ideias, poderemos esperar uma pré-produção de cerca de 16 canções. Nada mau!
Tobias Forge revelou ainda mais detalhes do seu processo de escrita: «Assim que começo a trabalhar em material, as coisas são rápidas. Contudo, desta vez tenho estado um pouco inflexível sobre gastar mais tempo na pré-produção, passando mais tempo num estúdio mais pequeno, durante a semana, a criar canções. Vou fazer isso entre Janeiro e Maio». Segundo estes cálculos, a anterior afirmação de que teríamos um novo álbum de Ghost em 2021 continua válida. «São cinco meses de composição. Diria que cinco meses possam parecer excessivos, mas estou a tentar combinar outras coisas. Isto vai decorrer muito próximo de minha casa. Foram nove anos seguidos a gravar ou em digressão, sem inetrvalos. Tenho dois filhos e uma esposa, com quem preciso de passar tempo. A composição terá lugar em Estocolmo, muito próximo de onde vivo, e poderei criar m ritmo sem intervalos. Na verdade, será como assumir um horário laboral normal de segunda a sexta-feira». Sobre o que esperar exactamente do próximo álbum, Forge referia: «Tenho enormes expectativas para este disco. Tenho muitas exigências com este disco também e quero dar-lhe tempo, porque isso é uma coisa que não tenho feito com os outros álbuns – nenhum dos outros, além do primeiro, que foi escrito entre 2006 e 2008, quando tinha todo o tempo do mundo. A gravação deste está marcada para dia 01 de Junho, até ao final do Verão. É gratificante poder tirar algum tempo para me sentar a ouvir as ideias e certificar-me que são boas e estão equilibradas». Ouve a entrevista integral aqui.
Parecia estar tudo nos eixos, mas surgiu a pandemia. Das poucas coisas boas que esse desgraçado 2020 teve foi as bandas, vendo a sua actividade normal interrompida e com os músicos fechados em casa, terem optado pela criatividade em vez de se renderem ao ócio. Nesse sentido, os fãs dos Ghost podiam estar completamente satisfeitos, pois Tobias Forge confirmou que o novo álbum da banda chegará no prazo prometido. O músico que veste as roupas de Cardinal Copia dizia-o numa entrevista com a VK. O artigo, traduzindo do sueco, via Loudwire, diz que apesar dos planos de uma digressão dos Ghost arrancar em Março de 2021 terem sido adiados, os prazos do disco seriam mantidos. Apesar destes tempos de praga parecerem estranhamente apropriados à música dos Ghost, Forge diz que não escreveu especificamente sobre a pandemia. «Já fiz um disco sobre a ira divina e o apocalipse, aliás, nem “Prequelle” se referia a pragas infecciosas sob perspectiva médica. Mas pressinto que existirão bastantes discos sobre o apocalipse e a quarentena no futuro e não pretendo fazer parte disso».
HUNTER’S MOON
Infelizmente, essa linha temporal era demasiado boa para ser verdade, como Forge esclareceu, poucas semanas depois, numa nova entrevista. Afinal, os Ghost aproveitariam para gravar o novo LP no Inverno de 2020/21, com planos para o terminar na Primavera e lançá-lo, esperançosamente, no Outono de 2021. Apesar da desilusão dos fãs que esperavam um presente natalício, Forge prometeu que o lançamento projectado iria coincidir com o regresso da banda aos palcos. «O plano agora é eu estar aqui [no estúdio] a escrever por mais dois meses até ao Natal», disse Forge à Swedish Rock Magazine, acrescentando: «A ideia é que o álbum seja gravado em Janeiro. A gravação propriamente dita durará cerca de seis semanas e depois há duas a três semanas de mistura e masterização. Assim, em Março, o disco deverá estar terminado, mas só será lançado depois do Verão». A ideia era que o disco fosse editado a tempo de a banda poder regressar aos palcos, mas, fazendo fé nas palavras de Forge, nem tudo é assim tão líquido. «Como parece, iremos então fazer uma digressão. Só lançaremos um álbum quando soubermos que estamos realmente em digressão. O lançamento coincidirá com o início da tour. Claro que podemos anunciar a data de lançamento de um álbum e depois, por alguma razão, poderá não ser possível fazer uma digressão, mas isso é toda uma outra questão».
Não chegou o álbum, mas chegou “Hunter’s Moon”, no Outono prometido e abrindo portas ao novo álbum, depois de ser anunciada uma digressão norte-americana, ao lado dos Volbeat. A tour arrancou no dia 25 de Janeiro em Reno, Nevada, e terminou no dia 03 em Anaheim, junto a Los Angeles, na Califórnia. O single faz parte do filme “Halloween Kills” e o vídeo oficial , intrigante e sinistro, explora as vibrações do slasher original sobre a história do personagem Michael Myers. O tema foi produzido por Klas Åhlund e misturado por Andy Wallace. Devido aos atrasos que a pandemia criou na produção de vinil a nível global (uma indústria que, já de si, estava saturada), os fãs tiveram que esperar até 21 de Janeiro para poderem possuir o single em vinil, que apresenta um tema do realizador John Carpenter no lado B.
IMPERA
Já esta semana os Ghost anunciaram o novo álbum. “Impera” é o sucessor de “Prequelle”, de 2018, e será editado a 11 de Março, pela Loma Vista Recordings. A banda estreou ainda o segundo single do álbum, a cativante “Call Me Little Sunshine”. Tema com secção rítmica fortemente cadenciada e guitarras grandes, ao melhor estilo de Bob Rock, com uma distorção articulada e sons limpos com um luxurioso som chorus – que também são evocativos dos D.A.D. – mas, para esta ponte que aqui se pretende, faz lembrar outro trabalho de Bob Rock, que até já havia sido mencionado…
Em 2019, Forge comparou o trabalho ao “Black Album” dos Metallica, embora falasse mais simbolicamente. «Quando procuro influência nos Metallica, estou a olhar para o que eles fizeram em 1988», disse Forge na altura, sublinhando a necessidade de fazer um «disco responsável», concluindo: «Estamos no nosso quarto álbum, tal como eles estavam na “Damaged Justice Tour”, por isso a próxima paragem é o “Black Album”». Curiosamente, os Ghost foram uma das bandas presentes na Blacklist que celebra o 30º aniversário desse colosso de vendas da maior banda de metal de todos os tempos. Tobias Forge criou uma idiossincrática versão para “Enter Sandman”.

Relativamente a “Impera”, a capa divulgada mostra uma imagem do Papa Emeritus IV, uma espécie de ídolo em construção, como o infame bezerro de ouro do Êxodo, e numa pose que é associada a Aleister Crowley e ao seu conceito da Noite de Pan, também conhecida como N.O.X., um «estado místico que representa a fase de ‘morte do ego’ no processo de realização espiritual». Noção que provém do divindade grega Pan, comumente associada à natureza e ao desejo, além do poder gerador masculino. Por isso, dentro da Thelema, é vista como a entidade que dá e tira a vida, estando ligada a um estado de transcendência de limitações e unificação com o Universo.
Tobias Forge anteriormente descreveu “Impera” como um álbum conceptual sobre a queda de impérios. De promessas pseudo messiânicas e reinados de charlatões sobre as massas brutificadas. No fundo musical maníaco de “Twenties” isso soa tudo apropriado, com a sua propulsividade em claro contraste com o hipnótico “Call Me Little Sunshine”. Chega a ser profeticamente bizarro, ainda que absolutamente acidental, considerado o drama que se desenrola em solo europeu, o teor apocalítico que o “Twenties” encerra.
Sabe-se agora que, além de “Hunter’s Moon”, todo o disco foi produzido por Klas Åhlund e misturado por Andy Wallace. “Impera” impulsiona a banda para lá do imaginário da Peste Negra que “Prequelle” transpôs para os nossos dias e as nossas sociedades e resulta em mais um disco musical e liricamente bastante ambicioso dos suecos. Ao longo de doze canções, impérios ou grandes potências surgem e caem em declínio, vendedores de banha da cobra, idolatrados como mensageiros do divino, alimentam-se dos mecanismos de propagação das redes sociais e multimédia (finaceira e espiritualmente). No final, este disco compreende as metáforas e hiperbolizações mais actuais no cânone dos Ghost.
