Legislativas 2022, A Cultura nos Programas Eleitorais

Aproximam-se as legislativas e a Cultura tornou a ser desconsiderada nos debates e nas campanhas eleitorais. Revendo os programas disponibilizados, os partidos apresentam ideias mastigadas, tristemente burocráticas, absconsas ou pífias. Dos partidos com assento parlamentar, o Chega não apresenta qualquer medida específica e detalhada para o sector cultural.

A bateria de debates televisivos entre líderes e responsáveis partidários, candidatos nas urnas das próximas eleições legislativas, nunca contemplou a Cultura como um tema prioritário ou sequer um tema a discutir. Nas campanhas partidárias, tanto quanto pudemos apurar, também não tem existido qualquer referência ao assunto. Infelizmente, isso é demonstrativo do estatuto marginal que a cultura, no geral, e a música, em particular, possuem em Portugal – independentemente das tendências ideológicas de quem governa a partir de São Bento. Portanto, se esse é um assunto que vos preocupa na altura de reflectir onde irão marcar o vosso “X”, não há muitas novidades a considerar, nem medidas que pareçam efectivas, para lá de propostas de ocasião. Há mesmo algumas absconsas.

Abusando de algum simplismo, pode dividir-se a situação até de acordo com o posicionamento das forças partidárias. Os partidos de esquerda defendem a implementação do Estatuto dos Profissionais da Cultura. À direita, destacam-se a preservação e o mecenato. Seguindo um resumo da Lusa, procurando a total neutralidade (a hostilidade, neste assunto, é salomonicamente distribuída por todos os partidos) vamos lá ver…

Pelo menos metade dos partidos que concorrem às eleições legislativas incluem a Cultura no respectivo programa eleitoral. Há intenções genéricas e algumas propostas concretas, com convergência na defesa do património e, em alguns casos, numa espécie de alinhamento que faz reedição da Geringonça, na meta, algo pífia de 1% do orçamento para o sector. Portanto, das 21 forças políticas que estarão no boletim de votos (já no dia 30 de Janeiro) e que disponibilizaram o seu programa online, o Bloco de Esquerda (BE), o PCP, o CDS-PP, o Livre, o Reagir Incluir Reciclar (RIR) e o Nós, Cidadãos fazem referência a 1% de verbas do Orçamento do Estado para a Cultura. Já o PS escreve que pretende «aumentar a ambição orçamental de investimento da Cultura para 2,5% da despesa discricionária» do Orçamento do Estado. A revisão do Estatuto dos Profissionais da Cultura, que entrou em vigor a 01 de Janeiro, também é um ponto em comum a três partidos — Bloco de Esquerda, PAN e Livre —, enquanto o PS se compromete a «proceder à sua implementação». O Volt Portugal refere simplesmente que quer a implementação nacional deste mecanismo jurídico, de acordo com a nova legislação europeia, enquanto o Ergue-te, caricatamente, quer a criação do já criado estatuto.

Seguindo um apanhado da Lusa, na área do Património, o PS pretende dar continuidade à última legislatura, comprometendo-se, por exemplo, a «efectuar as intervenções em património cultural classificado», previstas no Plano de Recuperação e Resiliência. O PSD defende «um plano detalhado de inventariação e reabilitação dos edifícios com maior valor cultural». A Iniciativa Liberal defende uma «maior participação do sector privado na gestão do património português, das instituições culturais e na execução da política cultural». Uma das propostas dos liberais é «fundir a Direcção-Geral do Património Cultural e as quatro Direcções Regionais de Cultura num Instituto Nacional do Património Cultural dotado de autonomia administrativa e financeira». Para “descolonizar a Cultura”, o Livre quer, por exemplo, promover «uma listagem nacional de todas as obras, objectos e património trazidos das ex-colónias e que estão na posse de museus e arquivos portugueses, de forma a que possam ser restituídos ou reclamados pelos Estados e comunidades de origem».

Quanto a restantes compromissos eleitorais, o PS propõe genericamente «repensar os incentivos ao mecenato cultural» e «promover a igualdade de género». No programa socialista, consta ainda a criação do Museu Nacional de Arte Contemporânea, algo que já existe em Lisboa, ou a criação do Museu Nacional da Fotografia, «a partir dos equipamentos já existentes». O PSD defende uma Lei de Bases da Cultura, quer saber o “real impacto” do novo Acordo Ortográfico, sugere a criação de um «Museu de Portugal no Mundo, que, sem preconceitos nem tabus, narre a longa história do país», e uma reflexão sobre uma «grande Escola Portuguesa de Design». O Bloco de Esquerda também pede uma Lei de Bases da Cultura e, em matéria laboral, um «programa de combate ao trabalho informal» e a vinculação dos «precários dos organismos públicos». O PCP, que se apresenta coligado com o Partido Ecologista “Os Verdes”, realça como medidas para a área «criar um Serviço Público de Cultura, erradicar a precariedade e estabelecer mecanismos eficazes de acesso às prestações sociais e a uma carreira contributiva estável para os trabalhadores da Cultura». De resto, esta coligação considera que o programa eleitoral de 2019 se mantém actual e válido, citando dele o fim do programa Revive, de concessão de património imóvel do Estado a privados, a salvaguarda do «carácter integralmente público da Cinemateca» e a implementação de um «verdadeiro Estatuto do Bailarino».

O PAN – Pessoas Animais Natureza quer «consagrar a Cultura como bem de consumo essencial» e ter «uma rede nacional de museus na defesa da memória das migrações, da interculturalidade e dos direitos humanos». A Iniciativa Liberal considera que a actividade dos agentes culturais deve ser «descomplicada de burocracias ou cargas fiscais», pede a revogação da lei do preço fixo do livro e uma alteração da lei da cópia privada. De entre as propostas para a Cultura, o CDS-PP quer a revogação do Acordo Ortográfico de 1990 e criar um «Dicionário Universal da Língua Portuguesa e da Biblioteca Universal da Língua Portuguesa, contendo entradas respeitantes às palavras usadas em todos os países de língua portuguesa». O Livre propõe ainda o fim dos subsídios para as touradas e de «todo o tipo de receitas provenientes de jogos de azar», e a reestruturação da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Já o Ergue-te compromete-se a «fundir num só Ministério a Educação e Cultura» e «proteger a cultura tauromáquica». O Nós, Cidadãos diz que a RTP deverá passar a ser tutelada pelo Ministério da Cultura, quando na verdade e uma vez mais isso já acontece, e pede o reforço do Camões Instituto. O Volt Portugal sugere a atribuição de cheques culturais de 200 euros (financiados por mecenas) a jovens entre os 16 e os 19 anos e o Reagir Incluir Reciclar (RIR) pretende garantir financiamento «para instituições culturais de reconhecido mérito e labor em prol da difusão cultural».

Na Comunidade Cultura e Arte, Tiago Mendes enúncia ainda com mais detalhes as medidas apontadas nos programas eleitorais para a Cultura. Fá-lo sem tendencialismo partidário e recomenda-se a leitura. As eleições legislativas antecipadas estão marcadas para o dia 30 de Janeiro de 2022.

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