Gente danada faz som danado. Nesta rubrica revemos alguns dos mais extraordinários trabalhos criados por músicos portugueses, devotos de volume e distorção extremos, de paisagens sónicas escuras ou violentas e do Grande Bode…
É comum dizê-lo, como será em todos os países, que o underground metaleiro nacional tem evoluído muito. Mas quem está familiarizado com a cena heavy portuguesa sabe que depois dos picos de intensidade no início dos anos 90 e alguns apontamentos esporádicos na década seguinte, os grandes discos de música extrema portuguesa não surgiam num fluxo constante. Felizmente, na última década, as coisas mudaram e há cada vez mais bandas e lançamentos com padrões bem elevados na composição, na atitude e nos aspectos sónicos, seja nas proezas instrumentais ou no enorme salto nos valores de produção que advieram da democratização das ferramentas de gravação.
Ainda assim, o metal continua a ser um género bastante guetizado em Portugal e há discos que passam despercebidos aos mais desatentos, quando deveriam ser alvos dos maiores louvores. É isso que pretendemos nesta rubrica. Eis as primeiras gemas, apresentadas por ordem cronológica (curiosamente, todas da última década), a merecerem a nossa e a vossa atenção…
Directo ao assunto, “Holy Beast” é mais sólido, mais demolidor e mais limado que os primeiros trabalhos da banda. Isso é um reflexo do crescimento dos músicos, da própria banda e da rodagem ao vivo e em estúdio que esta foi tendo – a intermediar os três álbuns há as sessões de covers a clássicos do submundo da guitarra eléctrica. A filosofia da banda é simples, assenta numa devoção, que sonoramente roça o fanatismo, dos pilares que suportam os altares das frequências de Metal Gods como Entombed ou Napalm Death. Com o desenrolar dos anos a cristalização do grind foi provocando a queda do género, para uma série de álbuns sem dinâmica, reduzidos a linhas desinteressantes de compressão numa busca inócua por agressividade e peso centrada em afinações baixas e pickups com mais ataque. Pois bem, “Holy Beast” é um exemplo perfeito da ressurreição que o género tem sofrido nos anos mais recentes, muito através duma atitude mais punk, mais roqueira. As subtilezas no balanço (quer sonoras quer melódicas) que detalham momentos do disco não eliminam a sensação de que a supressão de espaço dinâmico continua presente na grande parte do som, mas isso não acontece de uma forma estéril, antes a servir a atitude na execução que catapulta os temas para um nível de intensidade sufocante. Em “Holy Beast” o ouvinte é subjugado à força arrasadora do Grande Bode sem nunca ter tréguas. Esta é uma forma de rock n’ roll que serviu sempre apenas para os amantes do género que possuem “cojones”.
Pesado, muito pesado! Um trabalho articulado, que contém um envolvente poder e uma brutalidade que merece forte admiração. Sem deixar de fora os esperados riffs intensos e ritmos demolidores do grind, os Utopium, (extinto?) quinteto lisboeta, conseguem ainda acrescentar na sua sonoridade, de forma vigorosa, componentes híbridos, que vão beber a diferentes fontes do crust e do sludge. Isto redimensiona a simplicidade das suas composições. A edição, pela Bleak Recordings e Raging Planet, apresenta 18 temas de perna curta, mas que te pontapeiam nas partes baixas de forma ruidosa e certeira e te deixam a fervilhar de raiva e ferocidade. Isso percebe-se logo no exórdio “Null Rousting”, que abre as portas à verba com sombrios fragmentos sonoros do filme “The Jacket”, dirigido por John Maybury, no ano de 2005. Este facto, acompanhado pela leitura visual do artwork que compõe o encarte, dá-nos logo uma ideia do que aí vem. É verdade que certas sonoridades são difíceis de explicar, mas este “Vicious Consolation/Virtuous Totality” revela-se uma agradável escuta. Fora do comum e dentro do comum, para quem já tem os ouvidos treinados para o efeito hipnótico provocado pelo som da distorção incessante.
Editado em 2015, recebi “Lugubrious Cacophonous”, em mão, a meio da edição desse ano do Temples Festival. A ressaca dessas noites épicas em Bristol condenou, durante muito tempo, este álbum brutal ao ostracismo editorial… Foi há um par de anos já, num obscuro concerto de No Omega (com o chamariz do selo Throatruiner), que se deu o contacto com a brutalidade hardcore punk com a qual os Don’t Disturb My Circles fundem um certo groove sludge e uma furiosa matemática instrumental na qual, solidificados numa enorme teia de baixo, a guitarra e bateria promovem frenéticas oscilações dinâmicas. Pressupostos que estão impressos neste LP de estreia. Em “Lugubrious Cacophonous”, disco de extraordinária violência cerebral, os Don’t Disturb My Circles não fazem qualquer cedência na sua irascibilidade sonora, as dissonâncias são mesmo o único elemento de sugestão melódica, através de consecutivas e impenetráveis paredes de agressividade potenciadas pela sobrecarga midrange do carácter canónico da mistura (Sérgio Prata Almeida, nos Rock ‘n’ Raw) e masterização (Brad Boatright, nos Audiosiege). Uma palavra ainda para a edição conjunta entre Ring Leader e Signal Rex, duas micro labels nacionais cuja filosofia DIY, credibilidade e postura são uma lufada de ar fresco no underground.
São muitos os que se afastam de uma banda de black metal quando sabem que esta tem uma vocalista e que o som faz fusão com o sludge. Mas não se deixem enganar, os Vaee Solis foram uma das maiores revelações de 2015, deixando o seu próprio cunho nesse género musical. Algo ambivalente o suficiente para converter os cépticos e satisfazer os puristas. O álbum de estreia dos Vaee Solis revela-se uma adaptação black metal que sabe a novo mas que se mantém colado às suas raízes, , através de elementos que remetem para bandas como Mayhem na era “De Mysteriis Dom Sathanas” ou Deathspell Omega. Projecto de temperados veteranos do underground nacional, lançado pela Signal Rex, passaram por alguns dos festivais de referência do circuito com performances que claramente os colocam a milhas da grande maioria das bandas que por aí vão surgindo.
«Blast beat crossover», intitulam-se assim os Bas Rotten. Bom, não precisam de ser ouvintes batidos nas sonoridades mais pesadas, para perceber que a dinâmica, a vibrante execução instrumental e a agressividade deste álbum são algo que, de facto, funde de modo vibrante o thrash e o grindcore. Se estão reticentes a ler esta catalogação, não hesitem em descobrir um disco que tem uma atitude punk (até crust punk) e um sentido rock ‘n’ roll inegável em cada um dos seus curtos temas – como manda a ortodoxia nenhum ultrapassa os dois minutos. Rápido, pesadão, intenso. Um dos melhores álbuns de música extrema nacional nos últimos anos.
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