Partindo de um alegado estudo sobre os hábito de streaming no japão, Marty Friedman reflecte sobre o progressivo desaparecimento dos solos de guitarras nos hit singles contemporâneos e como combater a sua irrelevância na música comercial, ao mesmo tempo que saúda os fãs do rock e do heavy metal pela sua devoção à magia desses icónicos momentos.
Aqui há uns tempos, Marty Friedman, um dos mais vibrantes nomes do guitar shred, aproveitou o ritmo mais reduzido de trabalho imposto pela COVID-19 para reflectir sobre as dez coisas mais irritantes que acontecem aos músicos. A lista compreende situações mais específicas de músicos profissionais, mas certamente ecoará também com os amadores, principalmente no que diz respeito ao trabalho em estúdio. Uma lista que apresentámos neste artigo. Sempre bastante activo nas suas redes sociais, o shredder que passou a viver no Japão depois de ter abandonado os Megadeth reflectiu, numa longa publicação no seu Facebook, sobre os motivos porque os solos de guitarras estão em vias de extinção na música mainstream, nomeadamente no país onde reside. Uma vez que o assunto faz eco no Ocidente, traduzimos a publicação.
«Portanto, ‘GUITAR SOLO’ é um dos trends no Japão, neste momento. Porquê, perguntam-se? Porque foi noticiado (verdadeiro ou não, quem sabe) que, no Japão, ao que tudo indica há dados que mostram que nas aplicações de subscrição de música, muitas pessoas estão a saltar para a próxima canção quando o solo de guitarra entra em cena. Isto faz sentido e não me surpreenderia se fosse verdade. Eis a minha teoria sobre porque penso que isto está a acontecer. (…) Em primeiro lugar, acredito que estes dados devem referir-se à música de sucesso mainstream, não a bandas de heavy metal e bandas de rock. Estou a referir-me ao que a grande maioria das pessoas ouve, os artistas pop que estão no topo das tabelas comerciais.
A viagem de uma verdadeira canção de sucesso, desde a criação até ao ouvinte final, é incrivelmente longa, tal como a lista de profissionais nela envolvidos. Além do próprio artista, há o(s) compositor(es), letrista(s), produtor, arranjista, músicos de estúdio para a demo, músicos de estúdio para o master, pessoaal da editora, engenheiros e técnicos de gravação, criadores de vídeos musicais, realizadores e pessoal técnico e muito mais. Aqui chegados ainda não sabemos se a canção será popular ou não, mas uma coisa é certa: há muito dinheiro e tempo investidos.
Por tudo isto, acima descrito, os solos de guitarra praticamente desapareceram dos lugares cimeiros das tabelas do mainstream estado-unidense. Noutros países também. Felizmente para nós que vivemos no Japão, os japoneses estão habituados a ter solos de guitarra em todos os géneros de música. Estão tão enraizados na consciência do ouvinte japonês que muitos produtores, artistas e pessoas do mundo da música sentem que o solo de guitarra é uma parte importante da canção, uma pausa para o vocalista e um “som” necessário de familiaridade necessário para qualquer grande canção. O problema é que, por vezes, pode assumir uma existência obrigatória, de modo que desde que haja algum tipo de solo de guitarra distorcido para 8 compassos, algures na canção, a quota é cumprida e tudo está bem. Isso simplesmente não basta, malta! Não admira que as pessoas saltem os solos de guitarra quando os ouvem. Até eu os ignoro, por vezes. Posso perceber na primeira frase se vou ou não dar alguma atenção ao resto do solo. E aposto que vocês também.
Com todas as pessoas e tarefas envolvidas, acima listadas, na elaboração de um hit single, o solo de guitarra é a primeira coisa em alguns produtores sentem que podem poupar tempo, energia, compromisso e dinheiro. «Oh, o solo está porreiro, o guitarrista é óptimo, soa-me bem». O problema é este. No rock pesado, os fãs preocupam-se muito com as nuances dos solos de guitarra e adoram-nas, ainda mais do que o resto da canção. Mas no mundo pop mainstream, é bom que esse solo tenha tanto cuidado, magia e razão para estar lá, quando chega o momento, como a voz que o antecedeu. Imaginem qualquer canção dos Queen com algum solo apenas decente após a performance de Freddie. Esses solos seriam ignorados, de certeza. Assim, em vez de se ter um solo de guitarra na canção apenas por uma questão de hábito ou porque um solo de guitarra soa fixe (normalmente soa), ele deve existir devido a uma razão mais profunda.
Na fase de criação da canção, deve idealizar-se o conteúdo do solo, a performance e mesmo a magia singular que se encaixa numa determinada canção de forma bastante empenhada e cuidadosamente planeada. Como fã, desejaria que assim fosse e, como guitarrista, esforço-me sempre para que assim seja».
Não é algo que povoe as tabelas comerciais actuais, mas houve altura em que o fez. Aqui fica um dos melhores solos de Marty Friedman, no tema “Tornado Of Souls”, do álbum “Rust In Peace” (1990), dos Megadeth. Aqui, a explosiva versão captada ao vivo a 30 de Setembro de 1992, no Hammersmith Apollo, em Londres.