A Agonizante Extinção da Fulltone

Um memorando escrito pelo proprietário da Fulltone, Michael Fuller, refere que a empresa está a fechar a sua fábrica californiana, após 30 anos de actividade, e que Fuller prepara-se para se retirar da indústria dos pedais de efeitos, «um negócio que já não dá lucro».

O anúncio chegou agora, mas tudo se terá precipitado há cerca de dois anos. A morte de George Floyd em Minneapolis colocou os Estados Unidos da América sob fogo. Por esta altura, já todos viram alguns dos vídeos que mostram como Floyd foi displicentemente sufocado, numa demonstração de abuso de força policial. Aliás, o agora ex-agente responsável por esmagar as vias respiratórias de Floyd, Derek Chauvin, foi acusado de homicídio. O caso despoletou protestos por todo o território estadunidense e pelo mundo fora, muitos deles tendo-se transformado em motins violentos. Entre os que pretendiam protestar pacificamente foram surgido várias acções de enorme elevação e solidariedade social em todos os quadrantes. Mas também houve imensa violência e posturas menos elegantes. Nessa altura, por exemplo, publicações controversas nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, terão feito rolar a cabeça de John Cruz, Master Builder da FCS há muitos anos.

Também a Fulltone, reputada marca de pedais, se viu envolta em polémica. Michael Fuller, fundador e CEO, da Fulltone usou a página oficial de Facebook da marca para criticar os que têm usado os protestos para pilhagens: «Estamos na quarta noite de pilhagens com 100% de impunidade. O maricas do Mayor e do Governador estão-se borrifando para as pequenas empresas, isso nunca foi tão claro». Pouco depois, a publicação foi seguida por um comentário de Fuller: «Já me sinto melhor, tendo feito surgir alguns meninos arrogantes que foram educados a urinar sentados. Agora vou apagar». Os posts foram, de facto, eliminados (e as páginas da marca estiveram em baixo), mas claro que os screenshots passaram a ter vida própria na internet. A comunidade musical insurgiu-se contra os abrasivos comentários e a Fulltone emitiu um comunicado a pedir desculpa pelo sucedido. Também o comunicado foi eliminado. Michael Fuller publicou depois um post a referir-se ao que se passou e uma imagem relativa ao #BLM, mas manteve a sua posição em mensagens privadas, como a que está retratada em baixo.

No seguimento de tudo isto, a Reverb e a Guitar Center assumiram publicamente um embargo aos produtos da Fulltone. A célebre cadeia de lojas de instrumentos musicais publicou no Twitter que irá remover todo o stock da marca das suas lojas físicas e digitais. A Reverb, loja digital para produtos novos e em segunda-mão, também tomou esta decisão e, a partir do dia 01 de Julho de 2020, deixou de ter listado qualquer produto da Fulltone. Nem em venda directamente, nem permitindo que os utilizadores possam vender aí os seus produtos se ostentarem o logotipo Fulltone. A Reverb fez este anúncio num comunicado, que podem ler AQUI, onde referia que os «comentários e comportamento recentes» de Mike Fuller violavam os seus valores de marca estabelecidos e os seus princípios, tal como estipulado nas suas Regras Comunitárias para Vendedores e Compradores.

Em resposta à iniciativa da Guitar Center, a Fulltone afirma que, por sua decisão, havia interrompido a parceria comercial em Março de 2020, não oferecendo justificações para essa decisão. Este post foi publicado noutra das páginas da marca.

Passados alguns meses, na antecâmara do Pedal Movie, na página oficial da Fulltone no Facebook, Mike Fuller escreveu: «Em relação ao próximo filme da Reverb.com, eu queria abordar isto com antecedência para que não possam alegar falsamente que me cortaram e que todos vocês ficam com a verdadeira história. Estava previsto que eu fosse apresentado neste filme, o segmento já tinha sido filmado, incluindo uma pequena actuação minha a tocar com um TubeTapeEcho em stereo entre um par de pequenos Fenders… tudo estava bem». Fuller continuava, dizendo que um empregado da Reverb decidiu então «suspender» a sua conta e «proibir os revendedores de venderem novos produtos Fulltone na Reverb.com» por causa de «coisas que eles pensam que publiquei no Facebook».

Na sequência deste caso, Mike Fuller alega ter exercido a sua «opção de não estar envolvido no projecto». Depois, chamou ao documentário – que explora as origens dos pedais de boutique – «história revisionista», uma vez que não vai apresentar os modelos da Fulltone. Entretanto, em declarações ao Guitar.com, um porta-voz da Reverb disse que «o filme não apresenta as cenas filmadas com Mike Fuller» e que «a influência da marca será citada através de entrevistas com outros agentes do sector».

O ENCERRAMENTO DA FÁBRICA CALIFORNIANA

Pois bem, as polémicas ajudaram pouco, com o embargo em dois revendedores tão proeminentes, e o COVID, com os problemas de distribuição de componentes, as quebras de abastecimento e o consequente aumento dos custos de produção terão feito o resto. Num memorando, que “caiu na net” e foi publicado no fórum The Gear Page, Fuller dirige-se aos seus distribuidores, de forma solene, a anunciar o encerramento da base de operações da marca nas últimas três décadas, a fábrica californiana.

«É com um coração pesado que anuncio que a Fulltone vai fechar as suas portas na Califórnia após 30 anos. O edifício, de que sou proprietário, está à venda. Eu e a minha equipa queremos agradecer-vos pelo vosso apoio durante todos estes anos e também por aturarem as minhas excentricidades». No memorando, Fuller prossegue prestando homenagem aos empregados da fábrica em Culver City e aludindo em parte à controvérsia de 2020 em que esteve envolvido, que viu alguns retalhistas, bem como artistas, boicotarem os produtos Fulltone: «Não sintam pena de mim, cometi muitos erros e aprendi muito nos últimos 30 anos. O coração pesado é para os meus empregados de há 10,15,20 e 26 anos, que são como família… Teria encerrado a Fulltone há anos se não fosse por eles».

Ainda assim, a decisão parece ter sido motivada por preocupações financeiras em torno Fulltone, num clima económico difícil para os fabricantes dos EUA, embora Fuller note que, pessoalmente, ele se tenha dado bem financeiramente, não pretende agora começar a bombear o dinheiro pessoal para um negócio que já não dá lucro. Pode ainda especular-se que Fuller parece deixar críticas à recente administração democrata na Casa Branca, ao referir que «este clima de quatro anos torna o [conceito] 100% made in USA impossível, porque já não gera lucro». As instalações da Fulltone estão já à venda, actualmente por um valor de $2.495.000, e Fuller declara que está a mudar-se para uma propriedade de quase 7 hectares, que integra um estúdio de gravação luxuoso, que comprou com a sua mulher nos arredores de Nashville em 2021.

Eis o memorando…

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