Morgion

Morgion, Cloaked By Ages Crowned In Earth

Em 2004, os Morgion editaram “Cloaked By Ages, Crowned In Earth”. Magistralmente executado, ainda que assombrado pela ausência do fundador Jeremy Peto, é o retrato final de uma banda absolutamente singular no death/doom.

Morgion foi uma banda de death/doom metal formada em 1990, em Orange County, Califórnia. Um local insuspeito para uma banda deste género. E terá sido essa improbabilidade, uma certa distância física e geográfica de cenas mais fortemente enraizadas no tecido social, que acabou por delimitar o reconhecimento e aclamação desta banda fenomenal em maior escala.

Inicialmente com influências do crescente cenário do death metal, os Morgion incorporaram gradualmente elementos do doom metal no seu som, criando uma fusão única que definiria sua identidade. Ao longo da sua carreira, os Morgion ganharam reconhecimento pelas suas composições atmosféricas, letras introspectivas e poderosas actuações ao vivo (apenas por uma vez estiveram em Portugal, numa obscura, mas memorável data em Évora, promovida pela determinação férrea dos Process Of Guilt). Apesar de enfrentar inúmeras mudanças de formação e contratempos, a banda deixou uma marca indelével no underground do metal antes de se dissolver em meados dos anos 2000.

Em 1993, o EP de estreia “Rabid Decay”, apresentou aos ouvintes o som inicial dos Morgion, caracterizado por riffs brutais de death metal e vozes guturais. Embora ainda em fase de formação, o EP mostrou vislumbres do potencial do Morgion para misturar agressão com atmosfera. Em 1997, chegou o primeiro LP. “Among Majestic Ruin” apresentou um som mais refinado, incorporando uma singular grandiosidade melódica ao lado dos anteriores elementos atmosféricos e riffs esmagadores. Com as estruturas das canções mais intrincadas, o álbum foi aclamado pela crítica e pelos fãs, estabelecendo os Morgion como uma força a ser reconhecida no underground do metal.

Construindo sobre a tremenda base estética até aí estabelecida, em 1999 os Morgion lançaram “Solinari”, um disco tremendo que solidificou o seu lugar no panteão do death/doom metal. Apresentando composições épicas, letras evocativas e uma mistura perfeita de peso e melodia, “Solinari” permanece como o ex-líbris dos californianos e da sua inigualável densidade estética. Com estes discos lançados na Relapse, a sua dimensão colossal, e a crescente e triunfal reputação que estavam a adquirir seria difícil imaginar que os Morgion definhassem, mas foi exactamente isso que sucedeu, com a saída de Jeremy Peto.

O Canto do Cisne

Editado em 2004, “Cloaked By Ages, Crowned In Earth” é um testemunho da profunda evolução musical e maturidade artística dos Morgion, o culminar da sua viagem pelos reinos do death e doom metal, a descida Arawn, proporcionando uma experiência profunda e assombrosa que ressoa ainda hoje. Construindo sobre a fundações edificadas em “Among Majestic Ruin” e “Solinari”, “Cloaked By Ages, Crowned In Earth” representa o auge da visão artística dos californianos.

Tematicamente, o álbum mergulha em temas existenciais como a mortalidade, a decadência e a inexorável passagem do tempo. Cada malha serve como uma viagem sónica através das profundezas e dos abismos da experiência humana, envolvendo o ouvinte num manto de escuridão e introspeção. Desde os lamentos de “The Serpentine Scrolls” até à grandeza épica de “Ebb Tide”, cada canção oferece uma oportunidade de meditação profunda, convidando-nos a confrontar a nossa própria mortalidade, com um sentido último de catarse e aceitação.

Musicalmente, “Cloaked By Ages, Crowned In Earth” é um tour de force de death/doom metal atmosférico, misturando riffs esmagadores e estrondo rítmico. Contudo, como refere Eduardo Rivadavia ao AllMusic, falta-lhe algo. Ironicamente, quando toda a poeira assentou, este terceiro lamento de desgraça e tristeza dos Morgion, que durou cinco anos a ser concluído, surge com uma grande quantidade de maquilhagem, mas algo carente de substância.

À superfície, tudo parece inicialmente estar bem (ou pelo menos tão “bem” quanto se poderia esperar) nas charnecas desoladas conjuradas pelos primeiros mercadores de death/doom de SoCal; mas se retirarmos a pele exterior coriácea, um órgão importante – possivelmente o próprio coração da banda, na forma do ex-vocalista/baixista/compositor Jeremy Peto – foi excisado, removendo assim um componente-chave do organismo original.

Os Morgion em 2004: Justin Christian; Rhett Davis; Dwayne Boardman; Gary Griffith.

Como referimos atrás, esteticamente falando, a sua perda é apenas minimamente sentida, mas à medida que os novos épicos de desespero, tipicamente de construção lenta, como “The Mourners Oak”, a extensa “Ebb Tide, Pts. 1 & 2”, e a arrepiantemente bela (mas também demasiado extensa) faixa-título perdem-se cada vez mais no meio da névoa impenetrável do álbum – a ausência das contribuições de Peto como compositor fazem muita falta.

Os únicos números rápidos do álbum (“Trillium”) e as escassas inovações (vozes limpas geralmente mais abundantes, mas pouco convincentes, e uma ambiência mais discreta – ou seja, menos pesada -) não se saem melhor. Claro, há a lindamente sombria “A Slow Succumbing” e a assombrosamente triste “She, the Master Covets”, mas paradoxalmente sente-se uma criatividade divagante, desfocada e indisciplinada, neste disco que é essencialmente assombrado pela memória da glória passada dos Morgion.

Como o capítulo final da sua curta, mas impactante discografia, este álbum serve como um canto do cisne adequado para a banda, encapsulando tudo o que os tornou uma presença tão reverenciada no underground. Mas nunca deixará de ser percorrido pela sensação de que a criatividade, a musicalidade e a profundidade emocional dos Morgion estava já condenada a uma agoniante e (se considerarmos todo o seu potencial) frustrante extinção. “Cloaked By Ages, Crowned In Earth” permanece, ainda assim, um clássico intemporal que merece um lugar de honra na colecção de qualquer entusiasta do doom metal.

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