O terceiro e último álbum dos Nirvana, no qual a banda pretendeu destruir o som mainstream de “Nevermind” e voltar às suas raízes estéticas, procurando ser mais complexos e abrasivos. Ainda o tributo da Robotic Empire, chegado no 20º aniversário, onde bandas como os Daughters, Thou ou These Arms Are Snakes refazem o disco.
«Teenage angst has paid off well, now I’m bored and old». Em Setembro de 1993, o primeiro verso de “In Utero” pode muito bem ter marcado o princípio do fim da última grande manifestação musical e social de uma geração, o grunge.
Quando os Nirvana chegaram ao estúdio Pachyderm, no Minnesota, a sua popularidade atingira o estatuto de uma das maiores bandas do mundo. O sucesso comercial de “Nevermind”, em 1991, deu a expressão que faltava a um público carente de referências e afirmação. Na figura de Kurt Cobain reflectia-se a imagem de uma juventude perturbada, desencontrada, proveniente de uma América destroçada pelo “peace and love” do “baby-boom” de 60. E, por entre fama, descontrole, e polémica, a estabilidade da banda começava a dar os primeiros sinais de ruptura. “In Utero” não só foi o último registo de estúdio da banda que mudou a face do rock nos anos 90, como marcou a derradeira revelação do interior mais obscuro e conturbado do seu principal criador. Nunca antes Kurt Cobain se mostrara tão encantadoramente sarcástico e pessoal. Nunca antes a sua arte saíra das entranhas da alma tão fortemente crua e letal.
Entrar em “In Utero”, é abrir um diário de confissões e passar, página a página, por toda a verdade de uma vida. É chegar ao limite de uma criação simplesmente fascinante e testemunhar o melhor, e o pior, de uma personalidade artística brilhante. Onde agrada, também desassossega e questiona. Onde alivia, também revolta e acorda. Estar dentro de “In Utero”, é encontrar toda a dimensionalidade de um sentimento incontornavelmente marcante, não somente por o que se ouve, mas por tudo aquilo que representa.
«Não consigo ouvir mais o Nevermind. Odeio este estilo limpo de produção», Cobain. Visivelmente descontente com o rumo que a sonoridade de “Nevermind” potenciara, Kurt Cobain manifestou a vontade em voltar a uma origem mais hostil e inacessível, aproximando-se novamente do que o álbum de estreia “Bleach”, em 1989, apresentara. Nesse contexto, a escolha da banda para a produção de “In Utero” recaiu sobre Steve Albini, produtor credenciado no meio underground, conhecido pelo seu estilo pouco polido de trabalhos como “Surfer Rosa” dos Pixies e “Pod” dos Breeders, dois dos álbuns que o líder dos Nirvana mais admirava. Em duas semanas de gravações extenuantes e completo anonimato, Albini, Cobain, Novoselic e Grohl, procuraram um registo menos apelativo e acessível como um antídoto anti-comercial que distanciasse a banda de uma popularidade exaustiva e condenada.
No interior de longas sessões instrumentais, salas ressonantes e sujidade, o processo de gravação que Cobain descreveu como «o mais fácil que já fizemos», em seis dias ficara concluído. E, por entre umas quantas particularidades, e outras tantas preciosidades, o engenheiro de som Brent Sigmeth, à data “moço dos recados” no Pachyderm, partilhou em entrevista à The New Phonographers WordPress um episódio curioso: «Não tenho a certeza se ele [Kurt Cobain] queria afastar-se completamente do som de “Nevermind” ou se queria um som de guitarra mais fo****, mas pude vê-lo com uma Silvertone, uma guitarra barata feita na década de 60». Serve ainda como exemplo a utilização de uma guitarra Univox Hi-Flyer, visível no vídeo de “Heart Shaped Box”, ao invés da habitual preferência de Cobain pela Fender Jaguar 1965, que comprara em segunda mão no verão de 1991.
A insistente procura por um novo sentido sonoro não só se tornou um imperativo para os Nirvana, como era perceptível em toda a sua concepção. Contudo, quando a demo final das gravações chegou aos ínfimos escritórios de uma DGC Records interessada em manter os números lucrativos de “Nevermind”, o desagrado com a produção, a qual consideraram inaudível e sem viabilidade comercial, foi generalizado. O descontentamento com “In Utero” não só foi tornado público, como desencadeou um longo e complicado braço-de-ferro entre editora, banda e produtor, ao encontro do entendimento que pudesse validar a sua edição.
Canções como “Heart-Shaped Box” e “All Apologies” foram submetidas a novas misturas, mais envernizadas e sugestivas, pelo produtor Scott Litt, convertendo-se rapidamente em hits de rádio. E, uma semana após o seu lançamento, “In Utero” obteve entrada directa para o Nº1 da Billboard 200, fixando as vendas na ordem de 180 mil exemplares e projectando, novamente, os Nirvana para um sucesso comercial a que não mais conseguiriam escapar.
Eles querem outro Nevermind, mas eu prefiro morrer do que fazer outro novamente. Este é exactamente o tipo de álbum que eu iria comprar enquanto fã e apreciar.
Kurt Cobain
Hoje, “In Utero” não só é um dos melhores registos dos anos 90, como é reviver um tempo que nunca poderá permanecer esquecido. Nunca antes, como hoje, o rock, a um nível mainstream, se manifestou tão lamentavelmente doente e banal. Nunca antes, como hoje, a sua criatividade ficou ausente de liderança tão desgraçadamente descrente e sentimental. Regressar a “In Utero”, é relembrar um fundamento que não pode ser perdido, nem escondido, nem enterrado. É voltar ao momento em que um espírito comum, do mais superficial, ao mais sentido, de alguma forma nos une, nos emociona, nos apaixona. Onde toca, também movimenta e renova. Onde manifesta, também confronta e afirma.
IN UTERO: TRIBUTE
Estávamos em 2014, quando a editora Robotic Empire celebrou o vigésimo aniversário do lançamento do álbum original através de um álbum tributo dentro de sonoridades hardcore punk, metalcore e rock alternativo. “In Utero” foi reconstruído por bandas como Thursday, These Arms Are Snakes, Thou, Daughters, Circa Survive, entre outras. Denominado de “In Utero: In Tribute”, o álbum foi editado em versão física (há muito esgotada) digital a 19 de Abril, como parte comemorativa do Record Store Day.