Tal como esperado, o primeiro ano da pandemia teve um impacto brutalmente nefasto nas actividades culturais. O cinema e o teatro registaram quedas de público acima dos 50%. Álvaro Covões, CEO da Everything Is New, refere que 2021 não foi melhor e afirma: «Somos os palhaços pobres deste país».
Estávamos ainda no início do Verão e, através da APEFE, várias associações que representam o sector cultural pediram uma reunião com carácter de urgência com o Presidente da República para discutir a situação actual do sector, que continuava (e continua) a debater-se com sérias dificuldades devido às restrições implementadas pela Covid-19, e contestar a actuação do Governo que dizem ser-lhes prejudicial. Dessa reunião não chegaram grandes soluções, nem conclusões…
Na altura, em comunicado da APORFEST, publicado a 15 de junho, eram enumeradas várias razões (colocadas na forma de pergunta) para o descontentamento com a actuação do Governo perante as dificuldades que o sector enfrenta. As associações pedem equidade e recusam que o sector seja «continuamente prejudicado». Os representantes do sector contestam ainda a obrigatoriedade da testagem nos eventos culturais, alegando que nem sequer foram tidos em conta os eventos-piloto, que foram realizados em Abril e Maio para auferir o risco de contágio nos espectáculos. As associações contestam ainda o facto de ter de ser o consumidor final ou o promotor a assumir o custo do teste. «Procuramos uma equidade e não podemos ser um sector continuadamente prejudicado (hoje até enterrado, não sabendo quando poderá reverter esta situação) não só pela pandemia mas pelo actual governo e por isso não podemos indicar, como pedido, um número a partir do qual os eventos têm de receber todo o público testado quando não foram analisados os dados dos Eventos Teste-Piloto e quando o número não representa qualquer grau de cientificidade», refere o comunicado da APORFEST.
Recorde-se que, entre Abril e Maio, foram realizados quatro eventos-teste em Braga, Coimbra e Lisboa, com plateia sentada e em pé, e com a realização prévia de testes de diagnóstico, gratuitos, aos espectadores, em colaboração com a Cruz Vermelha Portuguesa. O objectivo dos eventos era definir, segundo o Governo, «novas orientações técnicas e a realização de testes de diagnóstico de SARS-CoV-2 para a realização de espetáculos e festivais». Mais de um mês depois, à boa maneira portuguesa, não foram ainda divulgadas as conclusões desses eventos-piloto, porque ainda está a ser feita a correspondência entre os dados de identificação dos espectadores que se submeteram ao teste de diagnóstico. A Direção-Geral da Saúde (DGS) rejeitou que tenha havido erro técnico no tratamento de dados dos eventos-piloto da Cultura, como chegou a ser adiantado, mas admitiu que o processo estava demorado. O que se sabe é que, ao todo, 2105 pessoas, entre espectadores e staff, foram testadas à entrada desses espectáculos-piloto e não se registou qualquer caso positivo.
Em notícia da Rádio Comercial, estas eram as questões que a APORFEST queria ver esclarecidas: «Porque é que o setor cultural é o único em que uma testagem terá de ser obrigatória (segundo desígnio do último Conselho de Ministros)? É mais perigoso estar atualmente num evento com as atuais medidas do que num supermercado, transporte público ou restaurante? Porque é que a testagem, sendo obrigatória, não é suportada a nível público tal como noutras cidades e países permitindo assim que os fluxos de público (nomeadamente internacional e turístico) possam existir? Porque é que olhamos para a pandemia como se estivéssemos em 2020 e não tenhamos sabido evoluir e conseguir reorganizar procedimentos e analisar dados que permitam uma evolução do setor? Porque é que a testagem é obrigatória no único setor onde não existiram surtos (ao invés de unidades de logística, área ensino) e onde as regras aplicadas são acima de qualquer outro setor? Porque é que todas as recomendações dadas por nós (APORFEST) e outras entidades presentes em grupos de trabalho não são realmente escutadas e aplicadas, não passando de uma mera formalidade este processo? Porque é que não podem existir festas e romarias mas podem existir Arraiais travestidos a partir de partidos ou eventos excepcionais (e.g. São João ao longo de todo o mês de junho no Porto)? Porque é que se formos uma entidade internacional conseguimos realizar eventos com público e não ter obrigações de impostos e os promotores nacionais não acedem a estes mesmos benefícios?»
Com a chegada da nova estirpe e apesar de tudo indicar estar-se a entrar numa fase endémica, há ainda muitas coisas por resolver e esclarecer na indústria da cultura e, particularmente, da música ao vivo. Voz crítica da gestão feita pelo Governo nesta matéria, desde o início da pandemia, Álvaro Covões voltou a expressar toda a sua indignação de forma pública. «Um país sem Cultura, é um país sem futuro, um país sem identidade», frisou Álvaro Covões, diretor da Everything Is New, numa publicação no Instagram onde criticou as mais recentes medidas de combate à pandemia, nomeadamente no sector dos espectáculos. «Nesta pandemia, todos os sectores económicos gritaram alto que foram individualmente o mais prejudicado pela pandemia. Os números da cultura estão aí. Definitivamente batemos no fundo. 85% quebra de espectadores. E 2021 foi ainda pior», sublinhou o director da promotora responsável pelo festival NOS Alive. «Os apoios ao sector foram manifestamente desproporcionados com a quebra de negócio. A Ministra da Cultura insistiu sempre em mandar-nos para economia. A Economia diz-nos que temos uma tutela. Pois que não temos. O discurso para o nosso sector foi sempre, não entrem por aí. Entretanto a senhora Ministra não fala com o sector há semanas», revela.