“We All Die The Same”, “Every Red Heart Fades To Black” e “Blackhearted”. Olhamos os três álbuns dos Redemptus à luz do seu percurso, desde a primeira vez que vimos a banda ao vivo, no dealbar da sua carreira.
Poucas semanas (dias?) depois da sua edição, estávamos em 2015, os Redemptus apresentaram o seu álbum de estreia no Burning Light – alguma vez houve festival melhor em Lisboa? Foi a primeira vez que vimos o grupo (que, entretanto, mudou de formação) ao vivo. A meio modelos de Sovteks, Marshalls, Ampegs e Oranges, as bestas de amplificação que mais vezes se cruzaram em palco, a banda do Porto mostrava alguns desequilíbrios próprios dos primeiros passos. “We All Die The Same” foi seguido fielmente nessa ocasião, mas a atmosfera contemplativa do álbum não possuía uma dinâmica adequada a um set tão curto. Os interlúdios conceptuais quebraram algum balanço à parede de riffs, colossal no fuzz de baixo empunhado por um rufia que sabe aquilo que faz. A colagem entre o power trio sentiu-se sólida, mas esse conceptualismo foi inimigo da banda – nos momentos em que os músicos pareciam “aquecer” eram refreados pelo espartilho cénico. A paisagem desoladora de desespero que é transmitida pelo som dos Redemptus terá também perdido impacto por um motivo totalmente alheio à banda. Com a luz de um débil sol de Inverno a invadir o RCA, a iluminação não teve oportunidade de criar sinestesias. Os malhões existem, a banda está lá, a certeza da direcção a seguir também.
Restava esperar a congregação de tudo isto. Ao fim deste tempo e de uma persistente presença na estrada (interrompida pelos motivos que todos conhecemos), ao crescimento da banda ao vivo ainda não foi totalmente possível de testemunhas, ainda que se possa depreender de forma bastante clara na live session captada pelo Circuito Malmandado. Esse crescimento é ainda bastante discernível, sem grandes margens de dúvidas, na discografia da banda: “We All Die The Same”, “Every Red Heart Fades To Black” e “Blackhearted”. Deixamos de parte o split com Basalt, que teve edição limitada em vinil de 12” em 2017.
O crossover entre o doom e o hardcore transporta sempre elementos invariáveis. Raiva nas linhas vocais e baterias, densidade colossal de fuzz nos baixos e guitarras, parede de amplificação ou, simplesmente, peso. O álbum de estreia de Redemptus possui estes elementos genericamente transversais. E… Num álbum em crescendo emocional, os temas vão progressivamente ganhando algo mais que uma dinâmica “peso pelo peso”. A construção melódica do disco torna a sua segunda metade esmagadora, não apenas sonoramente, mas também nas suas linhas estéticas. “Busted, Disgusted and Not To Be Trusted” estabelece os ambientes negros que o álbum promete desde as suas notas iniciais. Com linhas sublimes de sintetização e maior dinâmica instrumental, a banda consegue estabelecer melhor o desespero como sentimento predominante no álbum. Os três temas finais são malhões cuja experimentação sonora se traduz em forte personalidade própria. A força emocional de “Rebuild Brick By Brick” toca a universalidade da composição, uma grande malha não tem género.
Ao segundo álbum, os Redemptus já não eram apenas um projecto, mas uma excelente banda. No texto de apresentação que acompanha o novo álbum, “Every Red Heart Fades To Black”, são referidos os nomes de Zozobra, Old Man Gloom, Converge, Cursed ou Isis como bases musicais de onde a banda extrai as suas influências. Assumidas, portanto, e expostas claramente num tema como “Peered Into Everyone’s Fate”. Contudo, neste segundo álbum, a banda exibe agora cicatrizes adquiridas pelo baixista/vocalista Paulo Rui à frente dos portugueses Besta e, principalmente, do tempo passado com os franceses Verdun. Num tema como o que abre o disco, “In A Deep Hole”, está bem demarcada a rudeza da vaga francesa que cruza o post-metal com o sludge. Mas para lá das fontes de onde a banda sorve o seu negrume, os Redemptus destacam-se por, tal como no álbum “We All Die The Same”, serem capazes de conjugar peso e riffs memoráveis, como tão bem demonstram, por exemplo, no orelhudo tema “Unravelling The Garden Of All Forking Paths”. Com a novidade de a cadência rítmica dos temas apresentar um groove incomparavelmente maior, em detrimento dos temas mais ortodoxos e com recurso a pausas e acentuações de bordão como sucedia no primeiro álbum. O trabalho de captação, mistura e masterização de Daniel Valente, no estúdio Caos Armado, é outra mais-valia neste trabalho. A armadura de amplificação que reveste o álbum está bem polida, sem estar decorada por plumas desnecessárias. Talvez devido à vivacidade da tarola e pratos, o som apresenta um bem conseguido brilho dinâmico sobre a força bruta das guitarras. Os elementos dramáticos (excessivamente presentes no primeiro disco) estão mais doseados, tornando-se cativantes no tema avant-garde “At The Altars Of Competition” que, ao lado da verdadeiramente extraordinária composição que é “Across This Ocean Of Grief And Beyond”, se revela o pungente coração do álbum. Os músicos revelam maior coesão e capacidade de execução – o baterista Marco Martins chega mesmo a ser exuberante em “Pile Of Papers” – num álbum em que, por mais que haja espaço para evolução, os Redemptus já não são apenas um projecto, mas uma banda.
“Blackhearted” é o mais recente disco do trio portuense. O trabalho apresenta dez temas nos quais a banda mostra algumas novas abordagens à sua estética sónica, além da estreia do guitarrista Pedro Simões. O disco foi editado a 7 de Setembro, através de vários selos editoriais – RagingPlanet, Gruesome, Regulator e Ring Leader Records – em duplo vinil, CD digipack, cassete e formato digital. Para o gravar, a banda voltou ao local do crime – tornando a trabalhar no Caos Armado, com Daniel Valente. Uma escolha cuja consistência ditou resultados tremendos, a respiração dinâmica é ainda maior neste disco. Há também mais diligência para que a parede sónica não se limite à força dos amplificadores e para que se sinta mais as flutuações dos takes dos músicos. Por isso, apesar de ter menos distorção, acaba por ser mais pesado que os trabalhos anteriores, derivando a sua densidade da emotividade dos intérpretes, algo que passa a ser perfeitamente evidente logo no segundo tema, “Heads You Win Tails I Lose”. E logo o seguinte “Sunk In Perpetual Tidal Waves” (tal como mais tarde “Forgive And Forget”) nos revela de forma deslumbrante outra bem-vinda novidade: a forma como os Redemptus abdicaram de optar por interlúdios que muito mutilavam o fluxo dos discos e tão bem passaram a integrá-los na experiência musical, enobrecendo o sentido conceptual que os pauta. Apesar de malhas como “How Much Pain Can Fit In One’s Chest”, talvez este álbum não seja tão “orelhudo” como “Every Red Heart Fades To Black”, todavia, sendo menos imediato, vai-se tornando mais cativante. Recorre a maior desenvoltura técnica, como são exemplo as síncopes das épicas “Still Resemble The Silence” e “Purged By Light Engulfed By Darkness”.
Se abrimos este artigo referindo espartilhos cénicos, em “Blackhearted” tudo parece ter sido muito mais espontâneo e cru que nos trabalhos anteriores. É como se gravar o disco de forma mais “simples”, directa e livre, sem polir tudo, sem procurar “perfeição” de estúdio, tenha não só aumentado o headroom com que soam os instrumentos, como o das próprias canções e da banda. E com isso, a personalidade dos Redemptus segue cada vez mais vincada e essas referências supracitadas, ainda que se mantenham, são cada vez mais pálidas.
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