“T.V. Sky” foi alvo de reedição comemorativa do seu 30º aniversário, pela PIAS Recordings. À boleia dessa efeméride recordamos junto de Franz Treichler a preponderância da digressão que celebrou os 25 anos de carreira da banda, totalmente baseada nos dois primeiros álbuns e que salvou os Young Gods.
Em 2012, após 25 anos de carreira, Franz Treichler assumia que os concertos que a banda assumira para assinalar essa marca podiam tornar-se os seus últimos. «Não sei, para dizer a verdade não faço nenhuma ideia. Vamos deixar a música decidir. Pela primeira vez [nos cerca de 25 anos de carreira dos Young Gods] as coisas estão muito turvas. Uma coisa é certa, o line-up de “Everybody Knows” [álbum de 2010] não se irá repetir – existem muitas visões diferentes entre todos. Esta poderá ser a última digressão… Não sei, é difícil dizê-lo. Se a música surgir, e for algo que soe a Young Gods, haverá um futuro. Mas, actualmente, não há uma motivação directa para, em Young Gods, fazer música apenas por fazer. Será necessário estabelecer uma ligação, encontrar as pessoas certas e que o queiram fazer».
Vendo o “rejuvenescer” dos Young Gods através do bálsamo da sua própria música deixava esta questão em suspenso. O regresso do antigo Cesare Pizzi e o vigor dos temas dos seus dois primeiros álbuns de estúdio, “The Young Gods” (1987) e “L’eau Rouge”, insuflaram nova vida nos suíços.
Nesse mesmo ano trabalhariam na banda-sonora para a curta-metragem de animação, “Kali the Little Vampire”. Em 2015, Treichler assumiu o desempenho das seis cordas, para somar à samplagem de Pizzi e às baterias de Bernard Trontin, e a banda começou a trabalhar em novo material, inspirada pela sua residência no Off Festival. Foi em 2019 que chegou o resultado dessas sessões, “Data Mirage Tangram”. O disco foi receptáculo de alguns prémios, mas ainda assim não teve edição no mercado norte-americano. A 17 de Julho de 2020, chegou a versão ao vivo “Data Mirage Tangram: Live at La Maroquinerie, Paris 2019”.
Enquanto não há notícias de nova música, o passado continua a ser alvo de celebração. Nesse sentido, o terceiro ou quarto álbum da banda – depende se consideram o álbum tributo a Kurt Weill como um disco “original” – vai ser alvo de reedição deluxe. “T.V. Sky” foi originalmente editado a 07 de Fevereiro de 1992, pela PIAS Recordings. Franz Treichler conversou connosco sobre os concertos que, ao fim de 25 anos, fizeram a diferença entre a inércia e o que era o possível fim e o momento actual da banda.
Quão depressa passam os anos?
É um processo contínuo, pelo qual não dás conta. Só te apercebes disso quando páras e reparas o quão rápida foi a tua vida neste período de tempo. E foi tudo muito rápido, demasiado rápido. É mais de metade da minha vida, tinha 23 anos quando começámos…
A banda estava em crise, a procurar a regeneração, mas para os fãs, uma tour como a de 2012 foi o “céu”. A esta distância, como olhas para os dois primeiros álbuns e o quão estimulante foi tocá-los?
Não lhes mudaria nada. Ter feito isso em ’87 foi uma loucura, tal como a resposta conseguida. São especiais, sem dúvida. Foi engraçado poder fazer isso com o Cesare, não teria sentido fazê-lo com qualquer outra pessoa, até porque foi algo que aconteceu por acaso. Ele ficou desempregado, então no ano anterior falámos sobre o quão “porreiro” seria celebrar os discos. Inicialmente, ele estava relutante, tinha-se dedicado apenas a música electrónica, estava destreinado de tocar ao vivo, com teclados e a interagir com outros músicos, de manter-se no tempo. E foi uma ocasião especial, para mim, por outro motivo: a última “versão” dos Young Gods, em 2010, mostrava alguma saturação a meio da digressão, podia ver isso no olhar das pessoas – a atmosfera no seio da banda não era a melhor, não tinha nada a ver com a altura em que comecei. Com 23 anos estás disponível para muito mais experiências. Com mais 30 anos em cima de ti, ressentes-te mais, há famílias envolvidas, sentes mais cansaço. No final da digressão havia uma exaustão palpável. Após a digressão o Alain [Monod] viajou para a Índia, decidiu dedicar-se a música de sitar e acabou por deixar a banda. Eu e o Bernard [Trontin] tivemos que pensar no que fazer e foi então que decidimos conversar com o Cesare.
Drum machines, synths, loopers, etc. O material que usavam no início tornou-se vintage…
[Risos] Sim, tornou-se muito difícil encontrar essas máquinas em bom estado. Não sabes se vão funcionar bem, são muito pesadas e é mais dispendioso transportá-las. Por isso, passámos a fazer tudo em máquinas actuais, extraímos os sons desses álbuns e colocámo-los em software samplers. Especificamente, nessa digressão, o Kontakt [Native Instruments]. O controlador MIDI era um Novation. Ou seja, o sampler e o controlador, um SM 58 [Shure] e uma bateria [risos]. É tudo! Quando começámos usávamos um Akai S900. Antes disso tínhamos loopers para guitarra, o Electro-Harmonix Super Replay, que apenas conseguia “samplar” 2 segundos e meio – fizemos uns 10 ou 15 concertos com duas destas peças que não tinham memória interna, era necessário carregar o som (a partir de um gravador de cassetes) imediatamente antes da canção, um som na esquerda e um som na direita… «Tu disparas o som A e eu o som B». Era muito difícil, mas era muito divertido. Depois surgiu o MIDI, com o lançamento do Akai S900.
Mantém-se algum preconceito no universo do rock em relação à “maquinaria”. Imagino que quando surgiram, no auge do hard rock e dos shredders, isso fosse um assunto ainda mais grave.
O problema da música rock é, algumas vezes, ser demasiado conservadora, ideias como «não podes fazer rock ‘n’ roll sem guitarras ou com uma drum machine». «Não podes fazer isto ou aquilo…» Não devia tratar-se disso, música é música e o rock ‘n’ roll é, basicamente, focado na energia e na atitude. Recordo-me da primeira vez que fomos aos Estados Unidos, vinham muitos fãs de metal ver-nos, pois as nossas canções eram inspiradas em artistas de metal, e ficavam extremamente desapontados por não haver guitarras. Não se podia não ter guitarra, era estar a mudar a rotina de como as coisas eram feitas. Alguns deles saíam a meio do concerto. Quando regressámos, dois anos depois (por volta de 1991), as coisas começaram a mudar e muitas bandas de metal tinham samples. Tinham guitarras, mas também samples. Pouco a pouco isso foi sendo aceite pela “comunidade”.
Quando o David Bowie lançou o “Outside” (1995), questionavam-no sobre se estaria a ouvir Nine Inch Nails. A resposta dele foi que o que estava realmente a ouvir era Young Gods, que eram muito bons. Isso tem que ser a cena, receber um elogio desses do Bowie…
Sim, completamente. Alguém me fotocopiou essa entrevista, na qual ele dizia: «Fui influenciado por esta banda obscura da Suíça, os Young Gods. Eles usam loops em repetição e descobrem melodias por cima» [risos]. Foi excelente, é extraordinário quando alguém como o Bowie presta respeito a alguém como uma “obscura” banda suíça [risos]. Acho que a música é como um jardim, colocas algumas sementes no solo, algumas crescem e outras não. Nem sempre depende de ti, apenas fazes o que tens que fazer e passas isso às pessoas.