Depois dos Gojira, no primeiro dia, os Mastodon ofereceram outra noite triunfal aos headbangers presentes no VOA – Heavy Rock Festival, comprovando porque são, cada vez mais, uma das maiores bandas de metal das últimas duas décadas.
Sobre os GAEREA, repescados à última hora para este cartaz, após o cancelamento de Sylosis, bastaria dizer que poucas outras bandas portuguesas poderiam aceitar essa urgência com a solidez do jovem grupo portuense. Esta semana anunciaram um novo trabalho. “Mirage” é o terceiro álbum na discografia da banda portuense e foi inteiramente concretizado em Portugal, junto de Miguel Tereso, que o captou, misturou e masterizou nos Demigod Recordings. Além disso, a banda tem estado num frenesim de actividade de palco. Depois de terem completado uma rota no Reino Unido e ter feito a sua estreia no gigantesco Hellfest Open Air, por estes dias o quarteto passou também no Resurrection Fest, em Viveiro. Portanto, a data no VOA foi quase uma formalidade, digamos assim e com o melhor dos sentidos, para a rodagem que os músicos apresentam. O concerto levantou uma questão e se esta será permanente, pois a banda apresentou-se com alguns ajustes na formação, aparentemente sem o habitual vocalista e com um dos guitarristas (suspeitamos que fosse Guilherme Henriques) a assumir também o trabalho vocal, deixando mesmo a guitarra de lado no último tema. O recente single “Salve”, tocado entre “Conspiranoia”, “Null” e “Urge”, destacou-se num concerto que, com um ambiente mais apropriado, poderia ter sido muito mais que apenas muito competente.
Das descargas de “Remission” e “Leviathan” à atitude consideravelmente mais directa e orelhuda de registos recentes como “Once More ‘Round The Sun”, os Mastodon raramente falham o alvo nos seus álbuns, mas é nos mais exigentes exercícios conceptuais que são “Blood Mountain”, “Crack The Skye”, “The Hunter” e “Emperor Of Sand” que os músicos de Atlanta, Geórgia, revelam o melhor de si e da sua titânica força conjunta. No concerto no Jamor, o mais recente álbum “Hushed And Grim” foi a pedra angular do alinhamento, como tem sido, aliás, nas restantes datas europeias desta digressão. Assim ficaram de fora alguns dos temas mais “orelhudos”, como “The Motherload” e “High Road”, mas houve mais exuberância técnica, através de uma cerebral navegação entre riffs e fraseados de finíssimo recorte musical. Entre a régie e a boca do palco, soava tudo com espantosa articulação e com um enorme som de guitarras, mais espantoso se pensarmos que, por exemplo, Bill Kelliher se limita a usar uma Line 6 Helix, ligada em DI (os amps, entre os quais o infame ButterSlax, não andam em tour).
A Friedman possui uma reputação sem nódoas. Os seus amps são bestas de poder eléctrico. Quer os modelos de série, quer os de assinatura: o JJ-100, de Jerry Cantrell, o SS-100, de Steve Stevens, e o Phil X. Na NAMM’2016 foi revelado um novo protótipo: o Butterslax de Bill Kelliher. O modelo de assinatura do guitarrista de Mastodon, é um 3-channel com 100 watts, com impedância compatível a 4/8/16 ohms, totalmente hand-wired e com um som massivo. As válvulas de pré-amp são três 12AX7 e as de power são quatro EL34, afinal Kelliher nunca escondeu o seu fraquinho por velhos Marshall. O fervoroso fã de AC/DC Brent Hinds usou mais guitarras que o colega e foi recorrendo a modelos como a Banker Custom Hammer Axe, que é um modelo bem LP Jr., a Gibson Flying V Silverburst de 2005 – que depois originou a mais económica assinatura Epiphone Flying V Custom – ou o modelo SG da Woodbine Guitars, que tem usado cada vez mais ao vivo. Troy Sanders não largou o deslumbrante Jaguar que a Fender lhe criou.
Entre estas considerações, depois de ter arrancado com “Pain With An Anchor” e antes de regressar ao último álbum com a esmagadora “The Crux” e a redonda “Teardrinker”, fomos arrasados pela força bruta de “Crystal Skull” e a gargantuesca “Megalodon”, temas que nos fizeram recuar a 2004 e 2006 e a uma altura em que os Mastodon criaram as fundações da sua fúria sónica, a qual, vinte anos depois, permanece intacta. Isso percebe-se no natural entrosamento que se dá entre os mais recentes temas e os recuos no tempo e ao álbum “Blood Mountain”, com a esquizofrenia de “Bladecatcher”, e “The Hunter”, com a propulsiva “Black Tongue”. “Skeleton Of Splendor” permite recuperar um pouco o fôlego no presente, antes de mais uma intensa visita ao passado, através do contemplativo épico “The Czar”. O padrão é mantido, mais dois temas de “Hushed And Grim”, nomeadamente “Pushing The Tides” e “More Than I Could Chew”, antecedem nova analepse. Desta vez, às origens e quando os Mastodon ainda roçavam o post doom e o sludge. Sim, para este que vos escreve “Mother Puncher” foi o malhão da noite! “Gobblers Of Dregs” e “Gigantium”, em mais uma dose dupla do recente disco, antecederam o final com a frenética “Blood And Thunder”.
Este é um excerto das aprofundadas reportagens que realizámos com a Arte Sonora e que podem ser lidas aqui, com análise a todas as bandas, as setlists completas e excelentes galerias fotográficas da Inês Barrau que gentilmente nos cedeu a foto que ilustra este artigo.
2 pensamentos sobre “VOA – Heavy Rock Festival 2022: Sangue & Trovões, Eis os Mastodon”