Os Kvelertak arrancaram o seu melhor concerto em Portugal na edição de 2022 do VOA – Heavy Rock Festival. Os Gojira foram absolutamente épicos, bem secundados por Kreator e Megadeth.
O arranque fora promissor com os Bizarra Locomotiva e, ainda sob um Sol arrasador, que motivou uma divertida tirada de Ivar Nikolaisen, frontman dos Kvelertak: «Lisboa, que linda cidade esta, vocês não precisam de férias», os noruegueses elevaram o nível. Os sleazy vikings tostavam no palco e ao suor provocado pelo calor juntaram-lhe o de mais um concerto de extraordinária ferocidade e autenticidade. Foi o seu terceiro concerto no nosso país e começa a tornar-se imperativo tê-los por cá numa data apenas sua. É que começa a saber a muito pouco estas curtas setlists, ainda que isso ajude a que as malhas soem em modo «cada tiro, cada melro». E um gear que é um mimo, começando pela Ludwig Classic Maple do baterista Håvard Takle Ohr e terminando na Nik Huber Krautster II de Vidar Landa. Um guitarrão com o corpo em mogno despido de merdas, ao melhor estilo Revstar, com P90 no braço de maple. Podem descobrir mais detalhes na página oficial da Krautster. Já Bjarte Lund Rolland (sempre sem recorrer a palhetas) não largou a sua Nebelung Guitars, um modelo custom da Riffmeister, guitarra sobre a qual podem descobrir mais no site oficial. A setlist daquele que terá sido o melhor concerto dos Kvelertak em solo luso, e o preferido do dia para quem vos escreve, foi: Rogaland; Crack of Doom; Bruane Brenn; Fanden ta dette hull!; Blodtørst; Bråtebrann; Discord; Kvelertak.
O thrash pode ser originário dos Estados Unidos, mas a veia alemã sempre mostrou um vigor bastante particular. E talvez os Sodom sejam mais brutais, mas as composições cerebrais dos Kreator, pelo menos para este que vos escreve, sempre foram mais cativantes. Essa maior sofisticação, de resto, está bem presente no recente álbum “Hate Uber Alles” e o seu acutilante comentário sócio político (habitual na discografia dos alemães), onde a banda mistura a sua ferocidade clássica e o groove do metal contemporâneo. Todavia, o mais recente disco apenas se ouviu através do tema-título – um malhaço – e de “Strongest Of The Strong”. De resto, a setlist viajou pela maioria da discografia da banda de Mille Petrozza. O frontman foi brilhantemente harmonizado (nas guitarras) por Sami Yli-Sirnio ou nos duelos de solos, com o pico atingido na velocíssima “666 – World Divided”. O veterano baterista Jurgen “Ventor” Reil foi portentoso, quer nos momentos de brutalidade sem tréguas, como “Enemy Of God”, ou na velocidade demente dos clássicos “Flag of Hate” e “Pleasure To Kill”, que encerraram a actuação.
Na nossa opinião, Kiko Loureiro revitalizou Dave Mustaine e, consequentemente a própria banda. Em 2014, vimos os Megadeth no final do ciclo “Endgame” – “Super Collider” e não há comparação possível. Claro, jamais será a mesma coisa sem Marty Friedman, mas Kiko trouxe o mesmo patamar de excelência técnica, mas sem o choque de egos e, acima de tudo, sem a subserviência dos hired guns Al Pitrelli e Glen Drover ou mesmo do já substancial Chris Broderick. Kiko é talvez o mais compatível braço direito de Mustaine e o seu entusiasmo tem aumentado a exigência do irascível frontman. Dirk Verbeuren transporta consigo muito do groove idiosincrático dos Soilwork, agora refinado por um dos melhores baixistas das últimas quatro décadas, o veterano James LoMenzo. Aliás o poder da secção rítmica redimensionou um tema como “She-Wolf” (o que mais nos cativou na setlist, pelo estouro com que soou). Isto para dizer que, com o vigor dinâmico dos dois guitarristas, esta formação dos Megadeth pode tornar-se no segundo grande Mark da banda, logo depois do lendário line-up do início dos anos 90. Setlist: Hangar 18; Dread and the Fugitive Mind; The Threat Is Real; Angry Again; She-Wolf; Sweating Bullets; Tornado of Souls; Conquer or Die!; Dystopia; Trust; A tout le monde; Symphony of Destruction; Peace Sells; Holy Wars… The Punishment Due.
Andy Wallace foi, pois, um dos homens que criou o som de “Roots” e essa assinatura sente-se nos temas que a banda executou do último álbum, nomeadamente em “Born For One Thing”, logo a abrir o estupendo concerto dos Gojira, “Hold On”, “Grind”, “Another World” e, mais notoriamente no sumptuoso bloco final da actuação com “The Chant”, “New Found” e “Amazonia”, com “The Gift Of Guilt” e “Lenfant Sauvage” pelo meio, temas que pertencem ao disco que partilha este último título e que permanece ainda como a obra-prima da banda. Certamente que todos os que estiveram presentes na Altice Arena, na edição de 2019 do VOA, se recordam do poder sónico dos franceses. Desta vez, como headliners, essa manifestação de força foi majestosamente ampliada. As intrincadas síncopes rítmicas estão cada vez mais oleadas, leia-se fluídas e dinâmicas, pelo quarteto. Depois, a cada ano que passa, o baterista Mario Duplantier parece transcender mais uma etapa evolutiva, soando cada vez mais clínico e, paradoxalmente, brutal. Depois, os temas de “Fortitude” possuem um épico perfil antémico e não houve vivalma indiferente ao seu impacto rítmico e melódico.
Foi realmente uma pena o Jamor não estar apinhado de gente. E acreditem que perderam um dos melhores concertos de metal que teve lugar no nosso país na última década. Aliás, a ascensão dos Gojira no mundo do rock pesado só terá paralelo com outras três bandas, os Rammstein, os Ghost e os Mastodon. E a banda parece usufruir de cada segundo em palco deste seu estatuto, tendo sido notória a enorme entrega emocional de cada um dos músicos. E como vibrou Mario Duplantier no final, a empunhar a bandeira de Portugal, num bote de borracha carregado em ombros pelo público…
Este é um excerto das aprofundadas reportagens que realizámos com a Arte Sonora e que podem ser lidas aqui, com análise a todas as bandas, as setlists completas e excelentes galerias fotográficas da Inês Barrau. A foto que ilustra este artigo é de Errick Easterday.
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