A Obra-Prima Natalícia de King Diamond, The Puppet Master

“The Puppet Master” é um álbum espantoso de King Diamond. Menos icónico que “Them”, “Fatal Portrait” ou “Abigail”, mas no mesmo nível (senão num superior) desses monstruosos clássicos, redimensionado pelo trabalho vocal da esposa do mestre do horror, Livia Zita, e por um lineup estelar.

“The Puppet Master” distingue-se no extraordinário catálogo de King Diamond logo na abertura, “Midnight”. Uma peça musical, com as harmonizações corais fantasmagóricas, quando tantos álbuns de Diamond iniciam com narração ou representação. E se o início é, por isso, de certa forma surpreendente, a partir daí este trabalho conceptual inicia uma ascese de intensidade até ao clímax final da história. Não existem fillers e, na verdade, estamos diante de enormes malhas de heavy metal/hard rock, muitas delas facilmente entre as melhores de toda a discografia de King Diamond; casos do tema título, “The Puppet Master”, “The Ritual”, “Darkness”, “Christmas” e a épica conclusão “Living Dead”. A título pessoal aqui jaz a minha favorita de Diamond, a orelhuda “Blood To Walk”. Outra enorme surpresa é a solidez de algo também muito pouco habitual nos seus trabalhos, os motivos amorosos que no decurso deste trabalho se tornam verdadeiramente pungentes.

Em 2002, King Diamond anunciava no no seu website que “The Puppet Master” seria lançado em Outubro de 2003 e deixava claro que tinha colocado tudo de si na nova história. «The rules of censorship are being thrown out the window. This is going to be the rawest story/album we have ever done; if you are into horror, you’re definitely going to get it with this album!», assegurava o dinamarquês. Era uma promessa arrojada. Como muitos sabem, desde que surgiu na cena heavy metal, no início dos anos 80, como vocalista dos Mercyful Fate e ao longo da sua extensa carreira a solo, King Diamond escreveu alguns dos melhores trabalhos do género e tornou-se kincomparável na sua estética musical e na capacidade de criar extraordinários e vívidos contos de horror através dos seus discos. Sempre iconoclasta e firmemente enredado no metal macabro, King raramente se desviou da sua fórmula. O problema é que “partiu tudo” logo nos primeiros anos da sua carreira. Ao escrever malhas com os Mercyful Fate como “Evil”, “Satan’s Fall”, “Desecration of Souls” e, claro, “The Oath”, não sobrava nada muito mais aterrador ou blasfemo para revelar. Tendo dedicado álbuns inteiros a temas como a insanidade, o sacrifício humano, o ocultismo e magia negra, o sobrenatural, a tortura e abuso, voodoo, bestialidade, homícidio, adultério e até pedofilia, Kim Bendix Petersen debruçou-se sobre as mais grotescas sombras da alma e mente humanas várias vezes. E, sempre que considerou estes tópicos narrados de forma demasiado extrema, demasiado gráfica, muitas vezes fez questão de frisar em notas de aviso dos álbuns que desdenha e despreza quem possa ponderar colocar em prática tais actos.

No meio destas temáticas de natureza horrível, a sua música é incrivelmente consistente e sempre intrigante. Se o seu impressionante alcance vocal se degradou inevitavelmente com a idade, a suas capacidades de compositor permanecem intactas. Todavia, após a primeira década, foi surgindo a sensação de que Diamond tende a alternar entre o lançamento de um álbum soberbo e um álbum aceitável. Neste perído isso era ilustrado pelo óptimo “Voodoo”, de 1998, o enfadonho “House of God”, de 2000, e a sequela pífia do super clássico de 1987, “Abigail II: The Revenge”, em 2002. Era assim que chegávamos a “The Pupet Master”, o seu 11º álbum de estúdio e, acreditamos, o pináculo monumental da sua ilustre carreira – preenchido por performances musicais absolutamente estelares, na sua dinâmica e destreza técnica, e por algumas opções estéticas e narrativas surpreendentes. A mais emocionante é que, no meio de todo este horror, King inclui o delicado motivo do amor e como se refere em parágrafo anterior fá-lo de forma credível e maravilhosa. Sentimos uma desarmante sinceridade na devoção do protagonista desta tragédia pela sua querida Victoria.

A banda parece também ter sentido esta fé recém-descoberta de Diamond e abraça-a de coração totalmente comprometido. O desempenho do baterista Matt Thompson é nada menos do que inspirador, exuberante e sólido nos andamentos mais clássicos de metal e de enorme sensibilidade nos momentos mais calmos. Thompson iniciou-se na banda em “Abigail II”, destacando-se logo pelo pesado da sua batida. Aqui atinge a emancipação dentro da banda e revelou-se como o seu primeiro baterista fora-de-série a tocar com o grupo desde que Mikkey Dee saíra para os Motörhead, ainda na década de 80. O seu groove, soldiamente acompanhado pelos baixos de Hal Patino, acrescenta textura às canções. Tanto quanto as linhas dos guitarristas Andy LaRoque (o braço direito de King) e Mike Wead, que se complementam de forma perfeita num vendaval de shred neo-clássico que deixaria Randy Rhoads orgulhoso e que, parece ser necessário dizê-lo, demonstra claramente que LaRoque é um dos heróis mais injustamente ostracizados no universo da guitarra eléctrica. Depois temos a da cantora húngara, Livia Zita, cuja voz angélica King usa com moderação tão elegante quanto eficaz ao longo de todo o álbum. Olhando para o lineup deste álbum, é fácil concluir porque é tão bom.

Conceptualmente, “The Puppet Master” foi a segunda vez que King Diamond se centrou no Natal, mas ao invés de o desecrar como no clássico “No Presents For Christmas”, de 1985, celebra-o. Além da contextualização narrativa e lírica, a abertura e o interlúdio de “Christmas” com versos do tradicional “Little Drummer Boy”, angelicamente cantado por Zita, aumentam os contrastes dramáticos do macabro conto, tornando-o mais arrepiante. Mestre sem igual na temática do horror e na sua fusão com o heavy metal, Petersen escreveu a sua obra-prima (se somarmos todas as vertentes do álbum) em “The Puppet Master”. Num mundo de maior arrojo, este disco poderia ter a hipótese de subir a palco numa temporada de intervalo de “Phantom Of The Opera”. Se, por algum motivo infernal, não possuem nenhum álbum de King Diamond, optem por este. É uma suma de todas as capacidades e singularidades do projecto, o eixo central das encruzilhadas da discografia. Assumindo o enfado repetitivo, a história e a sua fusão com a música, é excpcionalmente intrincada e, se nela mergulharem de corpo e alma, verdadeiramente vívida e arrepiante.

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