O catártico álbum de homenagem a Layne Staley e Mike Starr e que encerrou um período de quase duas décadas de silêncio criativo dos Alice In Chains.
No dia 19 de Abril de 2002, o contabilista de Staley contactou a sua manager, estranhando o facto do músico não fazer qualquer movimento de contas bancárias durante dias. A manager decidiu contactar a mãe de Staley, Nancy McCallum, que, por sua vez, alertou os serviços de urgência assinalando que não sabia do filho há cerca de duas semanas. Então, a polícia, acompanhada do casal McCallum, dirigiu-se ao apartamento do músico, que nunca respondeu aos apelos. A polícia arrombou a porta e encontrou a TV acesa e o músico, que falecera por overdose de cocaína. O corpo do músico não chegava a pesar 40kg.
Mais tarde, Mike Starr (antigo baixista de Alice In Chains) confirmou ter estado com o antigo companheiro no dia 04 de Abril (dia de aniversário de Starr) e que insistiu com Staley para que chamassem o 911 (112 em Portugal), devido ao estado deteriorado de saúde do vocalista. Quando este recusou, ambos discutiram e Starr saiu, furioso. Starr penitenciou-se até à sua morte (também por overdose), em 2011, por não ter tomado a iniciativa de contrariar o amigo e ter-lhe pedido auxílio.
Homenagem aos seus falecidos amigos, o quarto álbum de estúdio dos Alice In Chains foi gravado entre Outubro de 2008 e Março de 2009, em Los Angeles, entre o Studio 606 (dos Foo Fighters) e os Henson Recording Studios. A banda escolheu entregar a produção com Nick Raskulinecz. Em 2009, poucas semanas antes do álbum ser editado, tive a oportunidade de conversar com Mike Inez, sobre estes assuntos.
Sobre o motivo de não ter sido a banda a produzir, ele confessava, divertido: «Isso teria sido um álbum condenado, ainda estaríamos a trabalhar nele [risos]! Ainda a discutir [risos]. O Dave Grohl tem um estúdio excelente, que construiu com o Nick, chamado 606, em San Fernando Valley, na Califórnia. E disse-nos que, se íamos gravar um álbum, devíamos no mínimo entrevistar o Nick. Entrevistámos muitos produtores, mas acabámos por gostar imenso dele. Pessoalmente, para mim, foi fantástico, pois ele é um baixista – gravou o álbum do Dave, de Probot».
A primeira coisa a favor deste álbum é que os Alice In Chains não se limitaram a fazer uma clonagem do estado em que se encontravam quando haviam parado o trabalho, antes usaram este interregno e aplicaram as coisas que ganharam, entretanto, à sua sonoridade – e a primeira faixa apresenta precisamente um novo ciclo ao ouvinte: «A new beggining / time to start living / there’s no going back». O título do tema, “All Secrets Known”, é muito claro. Aliás, o mesmo sucede com o título do disco. Além duma carga obviamente muito emotiva, este álbum soa inclusivamente como o mais melódico da carreira da banda e, após catarse, optimista. Aqui as coisas não são tão negras como em “Dirt”, por exemplo.
Depois, os solos de Jerry Cantrell sempre tiveram uma expressividade muito forte, mas o trabalho de guitarras deste registo – ainda que surja pesadão como sempre – está mais estilizado. Claro que a banda não poderia deixar de lado uma sonoridade que sempre lhe foi muito característica, aquela mão pesada nos riffs, as harmonizações vocais únicas que Cantrell desenvolvia com Staley e faz agora com o novo vocalista e William DuVall, na verdade, tem um timbre um pouco mais suave que o seu famigerado antecessor, mas mantém em muitos momentos aquela rouquidão e voz roufenha que era característica de Layne Staley, que nos momentos das harmonizações parece omnipresente.
Portanto, diante da renovação, muitas coisas são mantidas. Mike Inez e Jerry e o seu tradicional peso – por alguma razão os Alice In Chains sempre foram a banda de Seattle que soou mais metal – com a química que existe entre ambos; Sean Kinney e a musicalidade das suas baterias, com o uso perfeito dos pratos nas acentuações; e depois aquele enorme discernimento de Cantrell, que sabe quando está a ser muito bom ou uma porcaria.
Muitos guitarristas não sabem essa diferença, é tudo fantástico, todas as canções são um single, todos os solos são o melhor solo de sempre, mas o guitarrista dos Alice In Chains escreve para a canção, é um compositor muito completo. Aliás, a banda denota sempre muita intenção nos seus riffs, a certeza de que estão todos vincadamente a puxar na mesma direcção, um conjunto de team players que optam pela solidez do todo e das canções, em detrimento de exibições de talento individuais.
Por isso, os Alice In Chains sempre soaram como uma autêntica banda, cheia de solidez e coesão. A grande questão neste regresso a estúdio era saber se a banda mantinha a sua alma. Isso torna-se uma certeza ao ouvir este álbum em que se sente com clareza o turbilhão emocional que a banda enfrentou com a perda do seu amigo.
É um exercício de exorcismo através da fúria da guitarra eléctrica e que termina na aceitação da perda, que traz paz, no último tema “Black Gives Way To Blue”, que partilha o título com o álbum que quebrou um hiato dos Alice In Chains que durava, apesar de algumas acções episódicas, praticamente desde 1996. A indicação do William DuVall para vocalista fez com que imensa gente começasse logo a questionar o trabalho da banda e “Black Gives Way To Blue” silenciou essas dúvidas.
Para terminar como se começou, cito novamente o Mike Inez. «O William é um tipo impecável e estou muito contente por termos andado em digressão uns tempos, antes de começarmos a fazer o disco, porque penso que isso permitiu-nos uma galvanização enquanto equipa, para criar unidade. E lembro-me de dizer ao William que a única forma de ele conquistar as pessoas seria, um concerto de cada vez, erguer o rosto e fazer o melhor que conseguisse. Obviamente, nunca pensámos em substituir o Layne. Ele é insubstituível. (…) O Layne era nosso irmão, sabes? Sei que há muita gente que leva muito a peito a nossa banda, mas em última análise fomos nós que o perdemos, além da sua família, e quem ficou mais afectado com isso».
Um pensamento sobre “Alice In Chains, Black Gives Way To Blue”