Carcass, Nas Asas de Rory Gallagher

No meio da artificial coreografia dos Behemoth! e do potente e vertiginoso, mas genérico som de Arch Enemy, os Carcass assumiram-se como o pujante coração necrótico da passagem da digressão European Siege no Coliseu dos Recreios.

Os Arch Enemy e os Behemoth! juntaram forças numa rota em co-headlining, denominada “The European Siege 2022”, que incluiu a paragem em Portugal, no passado dia 07 de Outubro. Na primeira parte actuaram, como convidados especiais, os britânicos Carcass e os norte-americanos Unto Others. Michael Amott, o guitarrista e timoneiro dos Arch Enemy, referia na antecâmara da digressão que depois de «tempos desafiantes e muito complicados», toda a gente merecia ter algo por que ansiar. Por sua vez, o frontman e visionário criativo dos Behemoth, Nergal, reflectia o sentimento de Amott, dizendo que «depois de mais de um ano de pausa na música ao vivo, não conseguimos pensar numa forma melhor de acolher novamente as nossas amadas Legiões do que entregar uma descarga de música nova e um evento para todas as idades». A European Siege 2022, prometia «ser uma combinação esmagadora» das quatro bandas, além do orgulho em apresentar «os brilhantes Unto Others, que vos vão dar as calorosas boas-vindas numa noite mágica de metal!» No final de contas, o prometido foi essencialmente cumprido. O nosso foco esteve nas duas bandas de suporte, os Unto Others e os Carcass…

Depois de dois EPs, um LP (“Mana”) e uma série de singles, os Idle Hands viram-se obrigados legalmente a mudar de nome. Estávamos no início da pandemia e tornaram-se nos Unto Others. Já em 2021, reeditaram todo o seu catálogo e lançaram mais um EP e o álbum “Strengh”. O tema que abre esse disco, “Heroin” foi o mesmo que abriu as hostilidades na noite em que a tour Europe Siege se instalou em Lisboa. Por esta altura, pouco mais de apenas um milhar de pessoas estavam diante do palco do Coliseu dos Recreios. O prejuízo terá sido seu, pela intrigante fusão estética oferecida pela banda liderada por Gabriel Franco. Portanto, sob arcadas góticas, mas sem o sentido alquímico dos Tribulation, os Unto Others soam como se Robert Smith se inclinasse para o hard rock e o heavy metal – “Heroin” possui mesmo os galopantes ritmos do thrash. Bonitos dedilhados de guitarra, o baixo simples e propulsivo a colar a bateria directa e as guitarras em estruturas quadradas oriundas da pop dos anos 80, com melodias muito, muito orelhudas. Com a sala despida e depois de um ligeiro atraso nos horários de produção (deduzimos que nos reajustes de soundchek), os Unto Others pareceram enfrentar um som desequilibrado na monição de palco, ali perto pressentia-se isso, também pelas muitas vezes em que os músicos se descoordenavam entre si e principalmente com a bateria. Todavia, a banda nunca perdeu a sua orgulhosa postura e confiança na execução.

Sebastian Silva brilhou com uma Pro Series Soloist SL3R (Jackson Guitars), enquanto Franco usou um modelo Gibson SG, e ambos estavam amplificados por modelos EVH 5150 – não conseguimos discernir se os cabeços de 50 watts ou até os “lunchbox” – imagine-se o estalo dessas bestinhas! A setlist: Heroin; Give Me to the Night; No Children Laughing Now; Can You Hear the Rain; Nightfall; Summer Lightning; When Will God’s Work Be Done.

Mal se escutaram as primeiras 3ras harmonizadas disparadas pela FOH, preparou-se um moshpit que durou todo o concerto. Usando os mesmos EVH que os Unto Others, Bill Steer e o hired gun Tom Draper fizeram soar o antémico riff (pesadão e ultra melódico) de “Buried Dreams”, que reúne de modo perfeito as idiossincrasias dos Carcass. Por esta altura, o olhómetro dizia-nos que a lotação do Coliseu já andaria pelos 2500 metalheads e os mais velhos para perceberem que, na correcta ordem das coisas, os Carcass são a banda mais impactante na história do género, erguiam os punhos com fervor. Mesmo quando chegou “Kelly’s Meat Emporium”, o hino do mais recente álbum, com a sua brilhante capa estampada nos pequenos ecrãs que se encontravam em palco com os músicos. Depois recua-se aos álbuns centrais da discografia, “Necroticism – Descanting The Insalubrious” e, uma vez mais “Heartwork”.

Muito do appeal dos britânicos sempre foi a sua costela guitarreira dos 70s e, empunhando uma Gibson Melody Maker (single cut), Bill Steer encarna cada vez mais o brilhante e saudoso Rory Gallagher, seja nos licks, na pose e nos trejeitos, ou no visual. Nota para o explosivo modelo Fernandes Triturador que Jeffrey Walker usou, um baixo que o músico desenhou e que foi construido na Custom Shop da Fernandes Guitars, em LA. Com um som bem encorpado e com muito foco nos médios, uma tremenda ferramenta para death metal. A bateria dos headliners mantém-se no fundo do palco, um mamarracho a emprestar um ar amador e de algum desperspeito pelos veteranos. Essa sensação de amadorismo, de resto, foi “amplificada” por um som sempre enrolado na mistura, safando-se o recorte dos pratos (Daniel Wilding foi absolutamente brilhante nas dinâmicas do ride) e tarola, que se ouvia mais junto ao palco. No geral, tiveram um som bem mau. Percebe-se, vendo depois o concerto de Behemoth, que as coisas não se podiam desviar um milímetro do planeado.

Quanto aos que foram chegando e enchendo a sala para assistir ao espectáculo dos polacos, ainda tiveram tempo para contemplarem um vibrante retrato de uma das eras mais douradas de brutalidade sónica, quando “Corporal Jigsore Quandary” varreu a frente do palco, criando um tufão de mosh e suor. O que ficou por dizimar, foi arrasado por “Heartwork”, tocada logo de rajada. Faz sempre bem à saúde um sessãozinha necro-cirúrgica. A setlist: Buried Dreams; Kelly’s Meat Emporium; Incarnated Solvent Abuse; This Mortal Coil; Dance of Ixtab (Psychopomp & Circumstance March No. 1 in B); The Scythe’s Remorseless Swing; Corporal Jigsore Quandary; Heartwork.

Fomos fazer reportagem do concerto para o big media. Podem ler o artigo original (que inclui ainda as reportagens dos concertos de Behemoth! e Arch Enemy) na Arte Sonora: AQUI. A foto de entrada é de Jimmy Hubbard.

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