Minada por lutas internas de poder, pelo abandono de Dave Mustaine e pelos processos da família de Dimebag Darrell e da Gibson, a Dean Guitars enfrenta novos processos judiciais que ameaçam hipotecar-lhe todos os seus activos financeiros, património e futuro…
O futuro da Armadillo Distribution Enterprises, Inc., detentora da Dean Guitars, nunca esteve tão tremido, uma vez que múltiplos documentos judiciais apresentados pelos seus credores revelam que a fabricante de guitarras e distribuidora está a ser processada por dívidas de, aproximadamente, $10 milhões. A Armadillo nega as acusações e afirma que «irá defender-se vigorosamente destes processos judiciais».
No entanto, se o tribunal decidir a favor dos credores da Armadillo, é difícil ver como a empresa poderá continuar como produtora da Dean Guitars. Documentos apresentados por um dos credores da Armadillo, o Valley National Bank, mostram que a instituição bancária está a tentar executar a penhora das dívidas da Armadillo e exigiu que a empresa entregue os seus activos empresariais, incluindo a entrega de «todo o equipamento» e «todo o inventário» (Artigo V).
Todos os documentos de queixa mencionados estão disponíveis publicamente, para consulta, no site do Cartório do Condado de Hillsborough (ao qual podem aceder no fundo do artigo). A Guitar World empenhou-se a analisar os documentos na tentativa de compreender a situação com que se depara o fabricante de guitarras e o que tudo isto pode significar para o futuro da Dean Guitars. As perpectivas não são nada animadoras…
Luta Pelo Poder
A história envolve uma rede complexa de empresas e estruturas corporativas que gira em torno da família Rubinson – nomeadamente Pamela Keris-Rubinson, viúva do ex-CEO da Dean/Armadillo, Elliot Rubinson (falecido em 2017), e o filho de ambos, Evan Rubinson. É possível que já estejam familiarizados com os seus nomes. O par já trocou várias acusações nos tribunais, com os argumentos feitos públicos após a demissão de Evan como CEO da Armadillo, em Junho de 2022. Para entender a extensão dos problemas enfrentados pela Armadillo, é necessário compreender as empresas envolvidas e a sua relação com a Dean Guitars e a Armadillo.
A Armadillo é frequentemente descrita como a empresa-mãe da Dean Guitars, mas isso não está correcto. A empresa é de propriedade do Elliot P. Rubinson Trust, com Pamela como administradora, o que significa que, actualmente, a viúva Rubinson tem controlo total sobre a Armadillo. A Dean Guitars na realidade não é uma empresa, mas uma marca registrada de propriedade da Concordia Investment Partners, LLC (assim como a marca de guitarras acústicas Luna e a marca de percussão ddrum). Esta segunda empresa é detida e controlada em partes iguais por Pamela e Evan. A Concordia licencia as suas marcas e designs de guitarra para a Armadillo, que produz e distribui os instrumentos autonomamente.
Em 18 de Janeiro de 2023, Evan – no seu papel de proprietário da Concordia – apresentou uma acção judicial contra a Armadillo, na tentativa de estabelecer que a Armadillo deixou de pagar os royalties acordados à Concordia pelo uso das marcas registradas Dean Guitars, Luna e ddrum. Isso deixou Pamela numa posição um tanto bizarra, tendo uma empresa que ela controla parcialmente (Concordia) a processar uma empresa que ela controla totalmente (Armadillo). Tudo isto nos remete para a dívida da Armadillo.
4.5 Milhões de Dólares (O Primeiro Empéstimo)
O documento (de 289 páginas) da queixa do Valley revela que, em Junho de 2020, a Armadillo estabeleceu uma linha de crédito com o Valley National Bank no valor de $4,5 milhões, apresentando como garantia os activos empresariais da Armadillo (como o seu inventário de instrumentos, equipamento, direitos contractuais e, essencialmente, qualquer outra coisa de valor detida sob o nome da empresa).
A Concordia foi usada como fiadora do empréstimo – o que significa que os seus próprios activos, incluindo o nome e a marca registrada da Dean Guitars, também se tornaram garantia do empréstimo. O acordo resultante significava que se a Armadillo deixasse de pagar a dívida, tanto os seus próprios activos como os da Concordia estariam em risco. Essa dívida parece ter sido regularmente paga e reduzida até 10 de Dezembro de 2022, momento em que o Valley alega que a Armadillo começou a falhar os pagamentos.
Logo a 20 de Dezembro de 2022, o Valley iniciou processos de execução hipotecária contra a Armadillo e a Concordia, exigindo o pagamento integral da dívida pendente de $4,130,669.07, acrescida de juros acumulados, encargos e custos legais. No seu requerimento, o Valley National Bank estima que os activos da Armadillo valem cerca de $4,8 milhões, mas para pagar essa quantia de dívida de uma só vez, provavelmente seria necessário vender muitos activos essenciais.
Nos documentos, na Artigo V, o credor alega que a Armadillo agora se recusa a entregar os activos, observando que «estão ilegalmente cativos» e continuam a ser utilizados «no decurso normal das operações comerciais». Por outras palavras, a Armadillo parece estar a gtentar continuar como se nada tivesse acontecido. Isso por si só seria uma ameaça substancial para as operações da Armadillo. No entanto, a empresa também está a ser processada relativamente ao pagamento de um segundo empréstimo, ainda maior.
6.2 Milhões de Dólares (O Segundo Empéstimo)
O requerimento do Valley National Bank revela ainda que em Junho de 2020 – o mesmo período em que acordou a linha de crédito da Armadillo – também concedeu um empréstimo hipotecário de $6,2 milhões a outra empresa controlada por Pamela Keris-Rubinson, a EPR Investments, LLC. Esta terceira empresa foi criada por Elliot Rubinson e Pamela Keris-Rubinson e agora é controlada pela última. Desde 2004, o seu objectivo foi actuar como uma entidade separada, através da qual comprar e possuir a propriedade para a sede e armazém da Armadillo no Tampa West Industrial Park, Tampa, FL.
Assim, tal como na maioria dos acordos de hipoteca, a propriedade foi usada como garantia para o empréstimo. Em 2020, um acordo de refinanciamento com o Valley garantiu um empréstimo de $6,2 milhões à EPR e quer a Armadillo quer a Concordia foram usadas como fiadoras para esse acordo. O requerimento mostra que mãe e filho aprovaram esta solução.
Estamos a falar de hipotecas porque, como resultado dos contratos de 2020, os activos do detentor da Dean Guitars tornaram-se garantia em ambos os empréstimos – um empréstimo de $4,5 milhões no próprio nome e a hipoteca de $6,2 milhões para a EPR, que a Armadillo garantiu.
As três empresas – o produtor de guitarras, Armadillo7Dean Guitars; o detentor da marca registrada, Concordia; e a entidade de propriedade, EPR – estavam ligadas não só pelo nome de Pamela Keris-Rubinson, mas também pelas garantias de dívida. Se uma delas falhasse, as outras poderiam estar em risco. Isso não seria um problema para a Armadillo, desde que tanto esta e a EPR continuassem a cumprir os pagamentos acordados.
No entanto, de acordo com o Valley, a partir de Dezembro de 2022, ambas as empresas deixaram de o fazer – em ambos os empréstimos. A Armadillo, por sua vez, alega que os incumprimentos em ambos os empréstimos são «fabricados e fictícios».
A queixa do banco alega que o detentor da segunda hipoteca, a EPR Investments, começou a faltar aos pagamentos da dívida maior a partir de 10 de Novembro de 2022. Desde então, o Valley vendeu a dívida a uma empresa diferente, a Water49, que iniciou os seus próprios processos de execução hipotecária num processo separado – alegando que lhe são devidos $5,858,403.40 dólares.
A Ferro & Fogo
Portanto, a Armadillo está actualmente envolvida em pelo menos três processos judiciais relacionados com o dinheiro que supostamente deve: um contra a Concordia (apresentado por Evan), que visa estabelecer que houve falhas de pagamento de royalties acordados; um contra o Valley, que pretende recuperar a dívida pendente de $4,1 milhões e um contra a Water49, que alega, sob as suas obrigações enquanto fiadora da EPR, deverem-lhe quase $5,9 milhões.
Mesmo excluindo o processo movido por Evan via Concordia (que, especulando, poderá ser movido por interesse pessoal no fracasso da Armadillo, após a sua saída), o fabricante de guitarras enfrenta uma situação bastante grave. De facto, o resultado dos processos de execução hipotecária é que a Armadillo está agora a ser processada nos tribunais por empresas separadas por dívidas no valor de pelo menos $9,989,072.02.
De acordo com as condições dos empréstimos, o dinheiro em caixa da Armadillo, o inventário de produtos (cada guitarra que produziu, mas não vendeu), o equipamento e os direitos contratuais estão todos em risco de serem apreendidos pelos credores. Entretanto, as marcas registadas da Dean Guitars e outras propriedades intelectuais cujas licanças são património da Concordia também estão em risco de serem apreendidas, assim como o edifício da sede da Armadillo e o terreno em que está construído, devido ao alegado incumprimento da EPR. Se estão a tentar imaginar o que resta, não estão sozinhos.
É importante sublinhar que tudo isto depende inteiramente da decisão do tribunal a favor do Valley e/ou da Water49 – e, é importante frisar uma vez mais, a Armadillo nega veementemente as acusações, como se detalha mais abaixo – mas é inegável que há muita coisa a pesar sob o futuro do fabricante de guitarras. Seja qual for o desfecho, este é o desenvolvimento mais significativo e talvez final, num período extremamente conturbado da história da Dean Guitars – um período que foi marcado por litígios.
Desde a saída de Evan Rubinson da Armadillo em 2020, Pamela Keris-Rubinson e o seu filho estiveram envolvidos (através de várias empresas) em várias batalhas legais. Entretanto, em 2022, a Armadillo foi alvo de um processo judicial bem-sucedido movido pela Gibson, por infração de marca registada e foi obrigada a parar de produzir os seus modelos V, Z e Gran Sport.
Além disso, um processo movido pela tutela de Dimebag Darrell (sobre o qual escrevemos ainda na AS) impediu a produção de mais guitarras com a assinatura do famigerado guitarrista dos Pantera. Já o endossante de renome que restava, Dave Mustaine, rompeu os laços e juntou-se à Gibson no início de 2021. Tudo isto deixou a reputação da Dean Guitars significativamente abalada.
Direito a Resposta
A Guitar World apresentou as descobertas e alegações delineadas nos processos de execução hipotecária do Valley National Bank à Armadillo e o fabricante de guitarras respondeu alegando que o próprio banco estava em falta. «Estes processos judiciais são frívolos», disse um representante da Armadillo em declaração fornecida através do advogado da empresa.
«Há uma razão para não ter havido progresso no caso desde que o Valley National Bank moveu a acção há quase um ano atrás, em Dezembro de 2022. A acção foi apresentada em resposta e retaliação por termos confrontado o banco sobre as suas prácticas de negócios e bancárias altamente impróprias. Preocupado com a sua própria responsabilidade, o banco fabricou incumprimentos fictícios nos documentos do empréstimo e vendeu um empréstimo imobiliário à Water49, porque estava preocupado com a nossa Contrademanda por danos substanciais», continua a declaração.
«Surpreendentemente, o Valley National Bank continuou a sua demanda de prácticas de negócios e bancárias impróprias ao deturpar a existência de incumprimentos à Water49, para obter o pagamento pela venda do empréstimo imobiliário antes que o seu comportamento fosse sujeito a revisão judicial. Vamos defender vigorosamente estes processos judiciais e temos confiança de que prevaleceremos, assim que o Tribunal for informado de todos os factos e circunstâncias».
A Armadillo não forneceu provas destas suas alegações contra o Valley. Além disso, os advogados do Valley foram também contactados pela Guitar World para comentar, mas ainda não responderam. A plataforma dedicada ao universo da guitarra também procurou Evan Rubinson para obter um comentário, dada a sua posição de CEO na empresa durante o período em que os acordos de dívida foram feitos e a sua actual co-propriedade da Concordia.
O antigo CEO insiste que não teve contacto com a empresa (excepto através de documentos legais) desde a sua saída, mas mantém o optimismo de que a marca Dean Guitars sobreviverá ao litígio. «O meu mandato na Armadillo – a proprietária das marcas Dean, Luna e ddrum – terminou em Junho de 2022, cerca de seis meses antes do incumprimento alegado pelo Valley Bank», afirma Rubinson, numa declaração fornecida pelo seu próprio advogado.
«Como resultado, não estive envolvido e não tenho informações sobre os eventos que levaram ao processo do Valley contra a Armadillo ou a EPR Investments. Apesar do processo da Armadillo, acredito firmemente que a Dean Guitars, Luna Guitars e ddrum, bem como o seu proprietário, a Concordia Investment Partners, têm um futuro muito promissor pela frente. Estas marcas continuarão a ser pilares na comunidade de instrumentos musicais nos próximos anos, assim como foram nos últimos 30 anos, sob a liderança de Elliott Rubinson e da sua família».
No final, no centro mais vulnerável de todo este imbróglio, como sempre, estão os trabalhadores da indústria de guitarras e da Dean Guitars, uma marca histórica. Espera-se que ambos possam prosperar no futuro.
Ambos os documentos de queixa estão disponíveis para consulta pública no site do Cartório do Condado de Hillsborough. Para visualizar o documento de queixa do Valley National Bank, procurem pelo número do processo 22-CA-010510, índice do documento 39. Para visualizar o documento de queixa da Water49, procurem pelo número do processo 23-CA-012343, índice do documento 7.
Este laboroso artigo tem autoria de Matt Parkner, tendo sido originalmente publicado na Guitar World em Setembro de 2023.