A Dean Guitars emitiu um comunicado onde reclama vitória em três pontos do processo, mas as pretensões da Gibson vingaram nos tribunais norte-americanos e a marca obteve uma vitória decisiva na disputa legal acerca de infracção e violação de patentes das suas guitarras eléctricas e acústicas. Eis toda a cronologia e conclusões judiciais.
Em 2019, estávamos todos tranquilamente a começar a curtir o último Verão sem COVID e afins, quando Mark Agnesi surgiu a ameaçar meio mundo, afirmando que a Gibson não iria estar com meias medidas a proteger o seu legado. Foi através de um desajustado vídeo que apresentava Mark Agnesi como o novo Director Of Brand Experience e no qual este deixava algumas ameaças veladas a outros fabricantes. O antigo gestor da Norman’s Rare Guitars (e aí começava a ironia) destacava alguns dos traços mais icónicos da Gibson, citado pela Gear News: «É uma ideia errada a de que uma marca é apenas um logo. As formas Les Paul, Flying V, Explorer, SG, Firebird, Thunderbird e ES são propriedade da Gibson. O design, dos componentes aos formatos, é uma parte integral do ADN da Gibson». Daí, Agnesi fazia uma escalada nas afirmações, assegurando que a marca tomaria medidas severas contra construtores de réplicas, cópias ou modelos inspirados ou até licenciados em certa medida. «Estão avisados, estamos atentos e iremos proteger o nosso icónico legado. (…) Não se trata de sermos bullies ou de pretendermos abafar o mercado de guitarras boutique».
A ironia referida prende-se com o facto de Agnesi, enquanto gestor da Norman’s Rare Guitars, ter tratado e revendido pilhas de guitarras inspiradas em Gibsons ou até se pensarmos que uma das Les Paul mais famosas do mundo, daquele que é quiçá o maior embaixador da marca, ser uma réplica. Falamos da réplica da ’59 Les Paul de Slash, com a qual o guitarrista gravou a maior parte da sua discografia. Indo mais longe, quando Agnesi falava em proteger o legado da Gibson, convém recordar que nas últimas duas a três décadas, este deixou algo a desejar e por isso surgiram tantos construtores “alternativos”. Além dos preços praticados pela marca norte-americana, que levaram tantos guitarristas a procurar soluções mais ajustadas economicamente. O vídeo criou bastante polémica e a marca acabou por eliminá-lo do YouTube e redes sociais, mas a semente estava lançada. Na semana seguinte, surgiu a notícia de que a Gibson ia processar a Dean e a Luna Guitars (marcas interligadas) em vários milhões de dólares, aega infracções de marca registada, competição desleal e diluição de marca por parte da Armadillo Distribution Enterprises.
A Gibson destacava abusos em relação a sete patentes suas, incluindo os formatos Flying V, Explorer, ES e SG, o design de cabeça ‘Dove Wing’, o nome ‘Hummingbird’ e a marca registada ‘Moderne’. E acusa ainda, no processo, a Armadillo de sugerir que a Dean e a Luna Guitars estão de algum modo ligadas à Gibson. O processo contra a Dean Guitars (empresa fundada em 1977, altura em que surgiram também os primeiros modelos da marca) já teria sido avançado no final de Maio de 2019, tendo sido revisto no dia 06 de Junho, uma semana antes das ameaças de Agnesi. Alegadamente, a Gibson já tinha intimado por carta a Dean Guitars a cessar actividade, em Outubro de 2017, ainda Henry Juskiewicz era o CEO da empresa, mas não tinha tomado qualquer outra iniciativa até ficar sob o comando de JC Curleigh. Os milhões de compensação exigidos pretendiam, pois, penalizar lucros da Armadillo e indemnizar a Gibson por danos na reputação, além dos custos da acção legal.
A Armadillo Distribution Enterprises reagiu em comunicado poucos dias depois: «Acreditamos que as pretensões da Gibson não possuem qualquer suporte e defender-nos-emos vigorosamente. Enquanto orgulhosos detentores de algumas das mais famosas marcas na indústria musical, respeitamos e valorizamos os direitos de propriedade intelectual de terceiros. Mas também reconhecemos que algumas coisas são demasiado comuns e básicas, para que uma empresa possa reclamar a sua propriedade. A Dean Guitars tem vindo continuamente a oferecer guitarras com os formatos V e Z, em causa no processo, desde 1976, pelo menos – há mais de 40 anos. E a Dean Guitars não é a única a fazê-lo; outras marcas de guitarras têm usado durante décadas os formatos de guitarra mais comuns a que a Gibson pretende agora reclamar direitos de propriedade exclusiva».
CRONOLOGIA
Em 2021, chegou a decisão de que o processo seguiria mesmo para a barra dos tribunais. Nos tribunais dos EUA, a sentença sumária foi proferida a favor de uma das partes por um juiz, com base na documentação pré-julgamento e testemunho apresentados por ambas as partes, sem necessidade de ir a um julgamento completo. Uma sentença sumária é proferida em casos em que se demonstre que o arguido tem poucas ou nenhumas possibilidades de ser bem sucedido, a fim de rejeitar mais rapidamente as alegações ou defesas factualmente não fundamentadas.
A Armadillo, que nega as acusações, tinha pedido inicialmente uma decisão sumária sobre todo o caso, apresentando duas moções para que a queixa da Gibson contra a empresa fosse indeferida, tendo ambas sido negadas. Em Dezembro de 2020, a Gibson solicitou então uma sentença sumária com base numa queixa apresentada pela Armadillo e um prejuízo (um dispositivo judicial que, em certos casos, impede que uma questão que já tenha sido litigada seja novamente litigada). No entanto, a 28 de Janeiro de 2021, o Juiz Distrital Amos L Mazzant, do Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Oriental do Texas, Divisão Sherman, também negou esta moção. «O Tribunal não está convencido de que a Gibson tenha cumprido o seu encargo demonstrando que não existe qualquer questão material de facto quanto a estas reivindicações que lhe dêem direito a julgamento como uma questão de direito. Consequentemente, o Tribunal considera que a moção deve ser negada».
Recorde-se que a queixa da Gibson alegava que a utilização das marcas comerciais pela Dean induzia em erro os clientes que procuravam produtos genuínos da Gibson, e que se apropriava indevidamente da boa vontade e reputação da Gibson quando se tratava de construir qualidade. Desde então, o caso tem ressoado nos bastidores, com ambos os lados a apresentarem testemunhos e materiais selados para apoiar os seus respectivos casos. Em Junho de 2020, a Armadillo tentou que parte da queixa da Gibson – a acusação de contrafacção – fosse rejeitada, mas isso também foi negado pela Mazzant. «Após a revisão da queixa actual, o Tribunal considera que a Gibson declarou alegações plausíveis para efeitos de anulação de uma [moção de] indeferimento».
O caso da Gibson procura triplicar os danos por violação de marca registada, bem como até 2 milhões de dólares para cada instância de contrafacção. Foi também solicitado ao tribunal que todos os materiais ‘contrafeitos’ fossem entregues à Gibson para destruição. Em resposta ao processo, recorde-se, a Dean Guitars alegou que a marca procuraria invalidar as marcas comerciais contestadas, tendo o CEO da Armadillo Evan Rubinson reivindicado na altura que o fizesse: «Muitas outras empresas usam estas formas genéricas há décadas… acreditamos que as alegadas formas ‘Flying V’ e ‘Explorer’ são desprotegidas e que os registos de marcas registadas da Gibson devem ser invalidados». Com a sentença sumária negada, a menos que as partes chegassem a um acordo, o caminho era o tribunal. A primeira data do julgamento ficou marcada para Abril de 2021.
Numa declaração divulgada pela Guitar.com, a Gibson saudou a perspectiva de este caso chegar finalmente a tribunal: «Durante os últimos dois anos, a Gibson fez progressos significativos contra as guitarras falsificadas em todo o mundo e resolveu confrontos antigos, incluindo uma oferta de acordo com a Dean Guitars (Armadillo), que foi recusada há mais de um ano», lê-se no comunicado. «Neste caso, que não é novo, a Dean tentou, sem sucesso, avançar para um julgamento sumário, que os tribunais e o juiz negaram agora. A Gibson está satisfeita com a decisão do tribunal de negar as duas moções de Armadillo e Concordia para julgamento sumário, uma vez que os tribunais consideraram que o caso da Gibson alegava que a contrafacção e a violação das suas formas icónicas deveria ser apreciada por um júri e não rejeitada. Esta é uma boa notícia para a Gibson, bem como para outros fabricantes de guitarras e marcas globais, para a protecção das suas marcas registadas, que incluem décadas de inovação criativa».
O FINAL DA DISPUTA
«A decisão hoje tomada por um júri em tribunal, de defender as marcas comerciais há muito estabelecidas e distintamente reconhecidas inovadoras e icónicas formas das guitarras Gibson, é uma vitória para a Gibson e para a comunidade musical em geral. O tribunal considerou que as marcas registadas da Gibson são válidas, as formas da Gibson não são genéricas e os arguidos foram culpados tanto de infracção como de contrafacção. A Gibson está muito satisfeita com o resultado, após anos de simples tentativa de proteger a sua marca e negócio através de direitos de propriedade intelectual bem reconhecidos, direitos que têm sido da Gibson durante décadas», diz o comunicado que a Gibson fez chegar às redacções.
Pela mesma altura, também a Dean Guitars fez chegar aos meios noticiosos uma declaração oficial, na qual clama vitória em todo este processo, focando-se na decisão a respeito de violação da marca registada de três dos seus modelos de guitarra que não foram julgados em favor de Gibson. E, o que causa mais perplexidade no meio de tudo isto, a Dean não foi considerada como culpada no ponto em que, visto de fora, as coisas pareciam claras como a água: violação de marca comercial e patente da Gibson para a guitarra eléctrica Flying V…
«Estamos muito satisfeitos com o facto de um júri do Texas ter decido a favor da Armadillo na decisão em defesa das reivindicações da marca registada da Gibson sobre a nossa guitarra Dean V, a guitarra Dean Z e o formato de cabeça», são as palavras de Evan Rubinson, o CEO da Armadillo, a empresa detentora das Dean Guitars. «O júri considerou que a Armadillo não é responsável perante a Gibson pela longa utilização dessas guitarras e da cabeça. O júri passou um julgamento com compensação no montante de 4000 dólares, uma mera fracção dos mais de 7 milhões de dólares originalmente exigidos pela Gibson», acrescenta Rubinson.
Portanto, estes $4.000 dizem respeito ao que a Gibson tem direito como indeminização por «danos legais de contrafacção de marca falsificada do tipo de mercadoria vendida, [ou] oferecida para venda». O júri considerou ainda que a Dean comercializou contrafacções dos formatos Explorer, Flying V e SG, bem como da icónica acústica Gibson Hummingbird. Todavia, a Dean não foi declarada culpada de comercializar uma contrafacção do formato de Cabeça Dove Wing. Portanto, a Dean passou entre os pingos de chuva no que respeita à violaçáo de patentes comerciais, mas as coisas certamente não ficarão por aqui, pois as decisões, anunciadas a 27 de Maio de 2022, são a favor da Gibson na aceitação de marcas registadas dos EUA para os formatos do corpo Flying V, do corpo Explorer, do corpo ES e do corpo SG. Além disso, decidiu a favor da Gibson sobre as marcas registadas para o formato de cabeça Dove Wing e a guitarra acústica Hummingbird.
Simplificando, é pouco provável que a Dean Guitars reformule o seu catálogo do dia para a noite e a Gibson fica agora bem resguardada em território norte-americano para tomar medidas legais em caso de violação de patentes. Aliás, a marca deixa isso bem subentendido no seu comunicado oficial. «As formas de guitarra deaGibson são icónicas e agora estão firmemente protegidas para o passado, presente e futuro. Numa perspectiva mais ampla, esta decisão do tribunal é também uma vitória para Fãs, Artistas, Distribuidores, e Parceiros Gibson que esperam e merecem autenticidade. Para não falar de todas as marcas icónicas americanas que investiram em inovação significativa e protecção contínua, apenas para verem isso diluído com imitações não autorizadas e frequentemente ilegítimas. A Gibson pode agora concentrar a atenção em continuar a aproveitar o seu passado icónico e investir na inovação futura, com confiança».
Este caso está em contraste com a Europa, onde a Gibson tem consecutivamente visto as suas pretensões, de vinculação e violação de patente do formato Flying V e outros, rejeitadas pelo Tribunal Geral da UE., em 2019 e, mais recentemente, em 2021. A Gibson deverá agora focar-se na disputa recentemente aberta com a Heritage Guitars. Voltaremos a estes assuntos em breve…
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