“Machine Head” é uma tarefa hercúlea do Mark II [Ritchie Blackmore, Jon Lord, Ian Paice, Ian Gillan e Roger Glover] dos Deep Purple, que procura fazer soar todo o seu virtuosismo e talento contra todas as partidas do destino.
É o álbum no qual a banda se deixou de vez de bizarrias, fosse a busca de canções na pop, das extravagantes colaborações com a London Philharmonic Orchestra ou do experimentalismo de “Fireball”. Assim, tornou-se num dos álbuns mais importantes da história do rock, cheio de malhões, de riffs e de atitude, com um carácter incomparável. “Machine Head” é a suma da banda. Perfeito. A explosividade e peso do som tornaram-no num marco a nível estético, estrutural e de produção. É por esses factores e por este álbum que os Deep Purple passaram a ser colocados, em várias discussões, junto dos Black Sabbath e Led Zeppelin como um dos pilares da Santíssima Trindade originária do hard rock e heavy metal.
Este é o álbum em que Lord (que correu os seus órgãos através de um stack Marshall) e Blackmore melhor se coadunam – não há melhor exemplo que a versão aqui registada de “Space Truckin'” -, em que os píncaros de forma dos dois músicos a nível de execução estavam similarmente no auge em conjunto com a fúria criativa e pertinência melódica. Esse é um factor raro em qualquer banda, em qualquer momento da história da música. E tudo isto foi conseguido apesar dos contratempos que sucederam no processo de gravação (resumidos em “Smoke on the Water”) planeada para a Suíça, no salão do Casino de Montreaux, nas margens do Lago Lemano, casa há vários anos do Montreaux Jazz Festival. Para isso, a banda alugou um estúdio móvel aos Rolling Stones. Acontece que no último concerto da sala antes do encerramento de temporada, durante a actuação de Frank Zappa, um indivíduo decidiu acender um artifício pirotécnico e daí deflagrou um incêndio que arrasou o espaço. «Some stupid with a flare gun».
Portanto, além do tremendo álbum que aí conseguiram gravar, acabaram por escrever “Smoke On The Water”, tema que foi introduzido tardiamente na agenda de produção do disco, que catapultou o sucesso comercial da banda. Numa entrevista à Madhouse, em 1988, Frank Zappa recordava com algum humor: «Foi horrível, mas ao menos os Deep Purple conseguiram um hit. Aqueles cabrões devem-me algum dinheiro».
Os Deep Purple viram a produção de “Machine Head” retardada e, com a pressão dos custos do estúdio móvel, acabaram por decidir instalar-se no Grand Hôtel de Territet, com o estúdio montado no hall de entrada e as captações feitas num dos principais corredores de acesso ao mesmo. Devido à distância entre os músicos e a carrinha que continha o equipamento de régie, aqueles optaram por gravar exaustivamente cada tema, até estarem plenamente satisfeitos com a performance. Dessa forma, todo o álbum é percorrido por um sentido ao vivo e de jam session vibrante. Mas, pela forma, pujança e exigência musical em que os músicos se encontravam, nada é deixado ao acaso. A coeasão e a disciplina, paradoxalmente, também imperam. Por exemplo, Ian Gillan apresenta neste disco a melhor versão de si, com a sua voz a soar como nunca, vigorosa, poderosa e a acertar todas as notas certas. A dinâmica e a interligaão orgânica do Mk II chega a ser avassaladora. O balanço de Ian Paice, o groove do Rickenbacker de Roger Glover, a ferocidade dos Hammonds de Jon Lord e Ritchie Blackmore… Como Gillan, há muitas ocasiões em que a capacidade do guitarrista é algo minada por erros e notas ao lado, por alguma displicência, mas em “Machine Head” a sua performance é impoluta, como se verifica na sumptuosa execução de “Lazy”. Fenomenal.
“Highway Star”e “Smoke On The Water” são sobejamente reconhecidas. Todavia, o disco não tem um único tema aquém desses super singles. Ouvido a esta distância é até mais refrescante ouvir o peso cadenciado de “Maybe I’m A Leo”, a urgência propulsiva de “Pictures Of Home” ou o boogie de “Never Before”. Curiosamente, e apesar de “Machine Head” ser um sucesso de vendas, o disco de maior fama desta altura é o “Made in Japan”. Há ali uma alquimia qualquer que torna o “Made In Japan” num dos melhores álbuns de sempre no hard rock e, possivelmente, o melhor álbum ao vivo no género. Um apologista desta tese é Yngwie Malmsteen. O shredder sueco é obcecado com estas gravações que os Deep Purple fizeram em Osaka e Tóquio, um fanático da tremenda energia que ali ficou registada, como confessa neste artigo. De resto, não há quem não tenha esse álbum ao vivo.
Aqui as malhas possuem a estridência e a distorção mais sapientemente doseadas. É um disco diferente daquilo que ficou registado no “Made In Japan” e fariam bem em ter na vossa colecção (se esse não é o caso) esta obra-prima do hard rock, que despoletou tudo isso e que pode ser colocada ao lado de colossos como “Master of Reality” ou “Led Zeppelin II”. Ei-lo, na versão remasterizada em 2012, ocasião do seu 40º aniversário.
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