Uma viagem iniciada em 1971, com “ZZ Top’s First Album”, até ao último disco gravado com o line-up original (“La Futura”). Billy Gibbons, em discurso directo, faz uma retrospectiva aos 15 discos de estúdio que pontificam na discografia dos ZZ Top.
A notícia foi avançada pelos ZZ Top nas redes sociais no dia 28 de Julho de 2021. Dusty Hill tinha 72 anos e faleceu durante o sono, na sua casa em Houston, Texas. Pode-se ler no post, assinado por Frank e Billy: «Entristece-nos hoje a notícia de que o nosso Compadre, Dusty Hill, faleceu enquanto dormia em casa, em Houston, TX. Nós, tal como tantos e tantos fãs de ZZ Top no mundo inteiro, iremos sentir falta dessa tua sólida maneira de estar presente, da tua candura e desse inabalável compromisso em dar aqueles monumentais graves aos ‘Top’. Estaremos para sempre ligados a esse “Blues Shuffle em C.”. Vamos ter saudades tuas, amigo».
Nas horas seguintes a essa triste notícia, numa mensagem enviada ao radialista Eddie Trunk, do programa Trunk Nation, na SiriusXM, o guitarrista Billy Gibbons confirmou que não estava nos planos dos ZZ Top parar de fazer música ou deixar de tocar ao vivo. Billy Gibbons garantiu que a banda continuaria a trabalhar, mesmo depois da morte de Dusty Hill. Dois anos depois, Gibbons tem a banda preparada para regressar à estrada, com um par de concertos agendados na Nova Zelândia e uma digressão nos Estados Unidos, ao lado de Willie Nelson e dos Lynyrd Skynyrd.
Em 2019, o lendário trio – Billy Gibbons na guitarra eléctrica, Frank Beard na bateria e o falecido Dusty Hill no baixo. Realizado em conexão com o documentário de 2019 da Netflix “That Little Ol’ Band From Texas”, o álbum foi produzido pelo próprio Billy Gibbons e, editado a 22 de Julho de 2022, é dedicado a Dusty Hill. “Raw” é «de uma forma muito real, um regresso às nossas raízes», escrevem Gibbons e Beard nas notas de capa do álbum. «Só nós e a música, sem público aos milhares, sem stands de concessão, sem hora social de estacionamento, sem falange de autocarros de digressão (…) Éramos unidos como irmãos».
Agora, com Elwood Francis no lugar de Dusty, a banda está pronta para uma segunda vida. Nesse sentido, o próprio Reverendo Willie G. faz uma retrospectiva aos 15 álbuns de estúdio que pontificam na discografia dos ZZ Top.

Foi gravado quando nos formamos, em 1970, e terminado por volta de Março desse ano. Tinha reunido um catálogo pessoal, que felizmente se tornou naquilo a que assumimos como o catálogo da banda quando o Dusty [Hill, baixo] e o Frank [Barba, bateria] entraram na equação. A única coisa que nos manteve ‘vivos’ nesse primeiro álbum foi o facto de termos tido a oportunidade de lançar um disco na mesma editora que os Rolling Stones [London Records]. Estou a falar a sério – foi isso! Mas mantivemo-nos fiéis ao nosso princípio: blues de doze compassos ou nada. A musicalidade estava lá, o ritmo era bom e é muito bluesy. Tornei a ouvi-lo, pela primeira vez em algum tempo, e pensei: «Meu, éramos mesmo bluesy». É uma espécie de som de época. Serão os ZZ Top uma banda de blues? Bem, nós somos intérpretes de bandas de blues. A onda de blues que apreciávamos – não só fazendo parte, mas também sendo influenciados por ela – e que foi introduzida pelos ingleses. Penso que seria justo dizer que fomos subliminarmente influenciados por todos os lados: os Animals, os Stones, The Beatles, The Who, The Kinks, Clapton, Beck… E talvez mais um par de bandas. Foi isso que nos fez pensar: «Ei, podemos dar a volta a isto e torná-lo realmente fixe de tocar nos ZZ Top». Há um punhado de americanos, um punhado de tipos de Inglaterra, um punhado de tipos de outros pontos do mundo inteiro que reconheceram a riqueza e o impacto desta estirpe de música que remonta a África. E sendo honesto convosco, continuo a gostar.
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Estava a usar muitas Fenders [guitarras] no estúdio, mas deixei de tocar com elas ao vivo por volta de 1973. “Apologies To Pearly” foi tocada numa Fender Stratocaster, afinada em open E, e “Chevrolet” foi também numa Strat, com posicionamento desfaseado nos dois pickups da frente. “Francine” foi escrita com um tipo que já morreu, o Steve Perron, que era um grande compositor. Ele adorava os Stones e e essa era a sua abordagem [“Francine” pede emprestado o clímax de “Brow Sugar”, dos Stones]. Na altura, foi um pouco involuntário, mas é muito semelhante. Não é como se estes sons não tivessem sido feitos antes, mas algo como os ZZ Top veio colocá-los na sua própria perspectiva. Fico entusiasmado com a continuação do desenvolvimento de novos sons.
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Este é o famoso álbum de comida mexicana [a foto dentro do sleeve interior]. Esticámo-nos um bocado, por assim dizer, e forçámos os limites. E embora “La Grange” tenha sido a primeira canção dos ZZ no Top 10, permaneceu bem dentro dos limites do Blues – com B maiúsculo – os confins da banda até hoje. Este foi o início da utilização de harmónicos. Cidade dos harmónicos. Os meus solos dessa altura são bastante rápidos. O engraçado foi que mais tarde abrandei para tornar a articulação mais aparente e para eliminar qualquer desleixo. Mas, ouvindo-o retrospectivamente, penso que a execução está lá. Por isso, não acho que seja algo que nos envergonhe.
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Após o lançamento bem sucedido de “Tres Hombres”, tentámos manter os discos meio bluesy. Mas também permitimos uma malha mais estranha, aqui e ali. Casos de “Heaven, Hell Or Houston” [em El Loco] e até “Manic Mechanic” [em “Deguello”] que ainda permanecem algo marginais. “Tush” é o exemplo surgido em “Fandango!”. Escrevemo-la em Muscle Shoals, Alabama – e rapaz, que calor e humidade! Estávamos numa arena de rodeo qualquer e chegámos a essa malha. Simplesmente aconteceu – escrevemo-la no local, num ensaio. Íamos tocar num espectáculo nessa noite e escrevemo-lo antes do concerto. O Dusty cantou-a e nunca a alterou. Foi divertido. Acho que o meu trabalho de slide foi um dos melhores que já fiz. Continuo a tocar isso ao vivo, mais ou menos, da mesma forma.
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Toquei harmónica neste, em “It’s Only Love”. Falando da harmónica, dizes: «Bem, quanto mais aparato blues os ZZ Top vão usar?» A dada altura, é traçada uma linha antes que as coisas blues se tornem apenas coisas e tu apenas vais querer ouvir mais blues. E há o wah-wah em “Snappy Kakkie”, que usei de uma forma subtil. O wah-wah pode escalar rapidamente se não tiveres cuidado. Beck, Clapton, Page e Hendrix, todos o usavam com razoável bom gosto. Sentei-me com Hendrix e ele mostrou-me muitos licks – e eu não consigo fazer nenhuma deles!
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Demos o salto da London Records para a Warner Brothers. Tentámos manter a pedra angular dos “twelve-bar blues” ou simpelsmente o blues. Claro, fomos bombardeados com o movimento punk rock. Aqui, podemos ver a banda a começar a expandir-se um pouco. Foi a primeira vez que usámos sintetizadores, na “Cheap Sunglasses”. Penso que “Degüello” foi o primeiro disco que completámos após o início da cena punk. E podemos de bom grado tirar os nossos chapéus às portas que eles abriram. Aqui estava um arrasador tipo de música com um statement: «Que se lixem as listas de rádio FM, vamos fazê-lo como queremos fazê-lo!» Penso que nos permitiu relaxar ao ponto de usar essa estratégia. Fizemos duas covers em “Degüello”, “Dust My Broom” e “I Thank You”; há tantas músicas maravilhosas para serem feitas. Provavelmente, rodamos um alinhamento tão interessante nos nossos camarins como aquele que tocamos em palco. Já rodámos muita cena da Stax [editora discográfica] no camarim. Teria adorado ter trabalhado com uma banda de R&B, que sempre foi uma grande influência.
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No que concerne ao posicionamento do “El Loco” em relação às tendências musicais da altura, fomos apanhados de surpresa por um grupo de malta muito peculiar. A “Tube Snake Boogie” teve mais rodagem na estação punk daqui, a KROQ [em Los Angeles], do que em qualquer outro lugar. Bom, consensualmente, ZZ Top não é uma banda punk, mas era mais uma coisa do underground. Aqui estamos nós, depois de doze anos, e somos novamente uma cena do underground! Em “El Loco” há algumas ofertas interessantes, como “Party On The Patio” que não deixa necessariamente a progressão de três acordes para trás, mas é definitivamente um passo fora de Clarksdale, Mississippi. Embora, provavelmente, façam muitas festas no pátio no Mississippi. E as linhas de baixo Moog em “Ten Foot Pole”. É claro que ocorreram alguns desastres valentes, onde não foi exercida discrição. E felizmente o nosso produtor [Bill Ham] estava a funcionar como um observador objectivo que não foi apanhado na cena: «Ei, finalmente fiz esta máquina funcionar!» Ele era mais: «Pronto, conseguiste fazê-la funcionar. Consegues fazê-la funcionar com a banda?» Porque, na altura, estávamos a insistir nisso [Moog] na “Groovy Little Hippie Pad”. No final, “El Loco” foi um disco mais descontraído.
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Tínhamos passado bastante tempo a desenvolver seriamente o tempo e a composição. Dizíamos: «Como é que trazemos o blues para esta nova era?» Com a introdução do tipo de tecnologia que os anos oitenta prometiam apresentar e o tipo de inventividade criativa que as bandas techno-pop da Inglaterra estavam extrair do seu hardware, isso tornou-a uma proposta bastante interessante. «Ei, será que uma banda do velho e gasto blues conseguirá fazer sons com estas coisas que funcionem?» Isso tornou-se a espinha dorsal. E o verdadeiro desafio não era necessariamente com a guitarra e o baixo, mas começou com o Frank a dizer: «Muito bem, vou deixar isto aqui, com esta batida, e vocês juntam-se». Tentámos essa abordagem e, claro, houve uma ligeira inclinação para os sintetizadores em comparação com o que fizemos depois no “Afterburner”; com as devidas distâncias, pode ser feita a comparação com o que os Van Halen foram capazes de fazer com “Jump”. Mas de repente, aqui temos uma onda de segunda geração de sintetizadores que oferecem o tipo de manipulações que permitem um toque mais humano. Houve momentos em que pensámos: «Estamos a cometer um erro?» Mas não foram muitos. Nas nossas sessões de ensaio deixaram-nos gastar as nossas botas, porque estávamos a agarrar-nos a tudo o que podíamos usar. Mas penso que o [Bill, produtor na altura] Ham manteve sempre algumas reticências. Gosto da análise das baterias no rockabilly – isso poderia ser o que os sintetizadores significa hoje em dia para as bandas de blues. Eles tentaram e safaram-se, nós tentámos e safámo-nos. E estou curioso sobre o que poderá ser a próxima coisa ‘Oh, não se pode fazer isso’. Escusado será dizer que a fórmula foi um sucesso.
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Penso que estávamos conscientes do sucesso do “Eliminator” e penso que estávamos a passar um pouco mais de tempo a inspeccionar a qualidade das composições e a qualidade da execução. Porque superar o “Eliminator” era uma tarefa aparentemente impossível. Mas não queríamos sentir que não tínhamos feito tudo para, pelo menos, conseguir mais um dos nossos melhores. Sabíamos, entre nós, que tínhamos que andar em bicos de pé a pisar solo sagrado, aventurando-nos em coisas de sintetização. Mas a abordagem do Dusty [Hill tocava as partes do teclado] era: «Diabos, liguem isso e vou imediatamente fazer uma grande rebaldaria». Eu sentia o mesmo: «Não vamos fingir ser especialistas ou técnicos com esta coisa». O nosso ponto de vista é que provavelmente fazíamos as coisas melhor por não saber o suficiente sobre isso e, consequentemente, o nosso trabalho de sintetização não é o tipo de coisa clássica melódica que as pessoas normalmente rejeitassem. Nem sequer mencionámos os teclados na capa do álbum. O Ham não queria um monte de notas ali. Penso que ainda havia um ponto de resistência para um fanático dos ZZ Top. Se lesse ‘sintetizador’, talvez se ofendesse antes de dar [ao disco] uma oportunidade de ser ouvido. E penso que lutámos mais com a palavra do que com o som. O som de guitarra mais duro que já tive está na “Sleeping Bag”. A minha obscenidade nos harmónicos, em vez de me perder na busca por um tipo de som; apoiei-me fortemente nos harmónicos. E isso começou com “La Grange”. Aconteceu por acidente e pelo facto de os poder controlar. Porque os harmónicos são imprevisíveis, eram divertidos de usar. Estão sempre na nota certa, mas quando apanhas um meio de lado, meu, fica mesmo fora!
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Somos uma banda que usa velhos truques, novos truques e todos os pontos intermediários. A nossa atenção foi partilhada entre os desafios do estúdio e os de uma produção cénica em palco que equivaleria ao que estávamos a fazer à porta fechada.
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Para resumir a atmosfera de “Antenna”, começámos a experimentar todo o tipo de luxos, coisas como overdubs vocais de duas e três faixas. Foi durante a gravação de “Antenna” que assumimos: «Podemos tornar estas pistas de guitarra gigantescas. E se déssemos o mesmo tratamento às pistas vocais?»
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“Rhythmeen” talvez seja a prova dos noves dos ZZ Top como um trio. Se ouvirmos esse disco, não há overdubs. Foi uma banda em estado puro a entrar em estúdio e a dizer: «Ok, estamos coniantes que conhecemos estas canções, vamos tentar mandar a casa abaixo». É um disco mesmo fixe. Antes disso, os ZZ Top, na verdade, eram como uma banda de cinco ou seis elementos. Devido aos benefícios do multi-tracking. E embora ainda tivéssemos essa vantagem do nosso lado, queríamos um verdadeiro disco de trio. O “Rhythmeen” trouxe-nos de volta ao “First Album”, aos dias de glória do “Eliminator”. Permitiu-nos fazer algumas coisas espantosas como trio. Quando se tem duas partes de guitarra rítmica e um vocalista principal e depois ainda se acrescenta uma pista de guitarra solo no topo, fica-se como uma banda de nove elementos. Portanto, aqui tínhamos o “Rhythmeen” e fomos gravá-lo à medida que ensaiamos. Foi preciso um pouco cola entre os três para chegarmos a esse ponto. O título do álbum podia basicamente ser interpretado a partir das palavras ‘ritmo bera’ [mean rhythm]. “Rhythmeen” é a quintessência de um verdadeiro disco de ZZ Top.
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Foi algo assim: «Muito bem, isto soa bem. Ainda podemos ser uma banda de blues e podemos actuar como um trio. Vai ser apenas necessário um pouco de prática extra antes de entrarmos no estúdio». Depois, claro, há o Jeff Beck a cantar comigo no refrão de uma canção chamada “Hey Mr. Millionaire”. Chegou um convite para cantar num seu disco, mas infelizmente estava num périplo na Europa e não consegui cumprir os seus prazos. Liguei-lhe do estrangeiro e ele disse-me que estava com o BB King, fiquei a roer-me porque não ia poder ver um dos maiores concertos em dueto de sempre.
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O “Mescalero” começou com uma viagem até à fronteira mexicana – como tantos dos nossos registos. Nsta viagem em particular, demos por nós a experimentar as misteriosas virtudes do mescal, que é o perigoso primo da tequila. Tudo isto está relacionado com a tribo dos índios Mescalero. Esse foi o início colorido e humilde desta viagem. Assumimos: «Caraças, não há limites – o que quer que pensemos funcionará em ZZ Top». E depois demos voltas à cabeça com isso: «Bom, o que é ZZ Top?» Nesse momento, é seguro dizer que não sabíamos realmente. Ainda tínhamos uma pedra angular; ainda tínhamos a referência do blues de doze compassos. A partir daí, valia tudo.
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Para maior impacto, a banda tem sempre tentado expandir a elegância do trio simples. Os aspectos da firmeza e robustez do som – foco e ferocidade – permanecem constantes. É a adição de ‘fuzz’ e ‘frazz’ que o constrói. Continuamos a ser apenas três tipos a apoiarem-se em tudo e mais alguma coisa para ter ‘estalo’. Aquele riff de introdução [em “I Gotsta Get Paid”] mete o rock sulista sob os holofotes. É uma combinação entre o hip-hop e o blues de Lightnin’ Hopkins, uma homenagem a estes heróis dos guetos de Houston. O Rick [Rubin, produtor] sabe o que quer ouvir e é suficientemente paciente para esperar por isso, ao ponto de algumas pessoas se sentirem agravadas por aquilo que consideram atrasar as coisas. Na verdade, é o oposto disso. Ele sabe o que quer ouvir. É a chegada do momento certo. Ele diria coisas como: «Não precisam tentar ser uma banda melhor». Foi isso que fez com que nós entrássemos os três no estúdio e a modos que inventássemos [o disco] à medida que íamos avançando. É difícil encontrar um artista que consiga fazer uma canção dos ZZ Top, somos muito exigentes em termos de personalidade. O horizonte dos ZZ não conhece limites. Dirigimo-nos ao conhecido e rapidamente damos por nós na terra do desconhecido!
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