“Senda” é o lindíssimo trabalho de estreia de Sérgio Miendes a solo. Disco instrumental que, com a guitarra como grande protagonista, apresenta uma soberba escala cinematográfica.
«’Senda’ é o nome do meu primeiro disco. São doze musicas que foram nascendo, de uma gestação de meia dúzia de anos ou talvez um pouco mais, mas finalmente pronto para ser partilhado». Assim, despido de pretensiosismos, Sérgio Miendes apresenta o seu primeiro álbum solo. Se fosse um comunicado de imprensa pareceria quase ridícula a falta de pompa, considerando o quão deslumbrante é este trabalho.
O primeiro contacto com a música do Sérgio foi os Hands On Approach. Essa vaga pop rock portuguesa da segunda metade dos anos 90, admita-se, nunca foi capaz de aquecer este coração. Nem sequer se trata de qualquer depreciação aos Hands On Approach. Trata-se simplesmente de um daqueles casos em que não há clique. Foi quando obrigações profissionais me empurraram para uma escuta atenta à música de Mazgani que comecei a prestar mais atenção à música do Sérgio. E foi, inesperadamente, em “Desassossego” (um disco de João Pedro Pais) que se tornou evidente, pelo menos para mim, o enorme guitarrista em que o Sérgio se tornara. Passados mais uns anos de muitas colaborações, tornou-se também um excelente produtor – e neste particular vamos apenas apontar o seu papel n’O Místico Orfeão Sónico de Um Corpo Estranho & Saturnia.
Aqui chegados, “Senda” é um álbum extraordinário e nele se congrega a personalidade que Sérgio Miendes desenvolveu ao longo de três décadas. Sendo guitarrista, este não é na sua essência um álbum de guitarra, ainda que o nosso instrumento preferido seja o grande protagonista. Melhor dizendo, é um álbum de guitarra mas como se tivesse sido criado por uma xamânica colaboração entre os Dead Combo e Ennio Morricone. Portanto, há essa aridez de um western pós-apocalíptico ao longo do disco.
Ao mesmo tempo, nos momentos em que há maior densidade de sintetizações, há também pontos de contacto com o sentido cinematográfico dos Mogwai ou de Steven Wilson, embora sem nunca se entrar no abstracionismo prog rock dos Porcupine Tree. Muito pelo contrário, um tema como “Banco de Jardim” até nos remete para os licks de Mark Knopfler, como se Miendes nos estivesse a recordar que, como qualquer guitarrista, presta homenagem à sua devoção aos grandes santos.
Na sua toada bluesy é incorporada estética subsariana, fado também e até surf rock. Ora, todas estas referências poderiam fazer supor tratar-se “Senda” de um disco inconsistente e esquizofrénico, mas passa-se exactamente o oposto. Dono de uma ampla linguagem e desenvolta eloquência musical, Sérgio Miendes criou um disco de escala panorâmica, dono de coloridas paisagens sónicas e perfeitamente homogéneo.
2023 está apenas a começar mas, pelo menos para nós, este álbum já está na shortlist de onde elegemos os melhores do ano.
“Senda” foi estreado digitalmente, no dia 03 de Fevereiro, como edição de autor. No futuro chegará uma edição física, com design da @a.n.a.polido design e produção manual e artwork de @call_me_izanami.