TerraSul, Encruzilhada

A guitarra portuguesa de Ricardo J. Martins em vibrantes justaposições com a guitarra eléctrica de Vítor Bacalhau. “Encruzilhada”, trabalho de estreia dos TerraSul, é um fenomenal exercício de crescente dinamismo, vigor e melancolia. Todo o potencial aqui exposto faz este EP saber a muito pouco…

Produzido, gravado e misturado por Vítor Bacalhau, nos estúdios Coalman Recordings, e masterizado por Frederico Cristiano, “Encruzilhada” é o registo de estreia dos TerraSul. Aí, se permitem a redundância, cruzam-se as guitarras de Ricardo J. Martins e Vítor Bacalhau. Um encontro que o press release descreve da seguinte forma: «TerraSul surge de uma mistura inusitada de música identitária que evoca o lamento da alma e que tem raízes profundas no povo – uma fusão aparentemente impossível! Para Ricardo J. Martins e Vítor Bacalhau, o Fado e a Música Tradicional Portuguesa, tal como o Rock, o Blues e o Country, apesar de supostamente muito distintos, são estilos com muito em comum. A procura dessas similaridades e linhas de contacto é o combustível que move este projeto. No disco de estreia “Encruzilhada” as linguagens únicas dos dois músicos fundem-se perfeitamente, sem desvirtuar a raiz de cada um dos instrumentos. O gemido da guitarra portuguesa e o choro da guitarra elétrica unidos em plena consonância!»

Nas palavras de Vítor Bacalhau: «Neste novo projecto sinto-me completamente livre para explorar novos caminhos, sem ideias preconcebidas, e desafiar os limites daquilo que é possível fazer com apenas estes dois instrumentos, a Guitarra Portuguesa e a Guitarra Eléctrica». Ricardo J. Martins afirma: «Já há algum tempo que acompanho o trabalho que o Vitor Bacalhau tem vindo a desenvolver e sempre pensei que seria fantástico fazermos algo em conjunto. Foi este o momento. Como apaixonado da guitarra elétrica não podia ficar mais satisfeito com esta sinergia e o seu resultado. Realmente não há limites para a música e a fusão de géneros sempre foi algo que me agradou».

Por tratar-se de um primeiro registo e por delimitar-se no curto formato EP, “Encruzilhada” é acima de tudo um estudo exploratório das possibilidades de fusão das linguagens de cada um dos dois músicos e da guitarra eléctrica e portuguesa, sem desvirtuar a raíz de cada um dos instrumentos, testando limites de estilo e forma. É quase impossível não pensar naquilo que o querido e saudoso Pedro Gonçalves e Tó Trips estabeleceram esteticamente nos Dead Combo, ainda que aqui os parafraseados sejam mais harmoniosos, com progressões melódicas mais definidas – e isto já nos remete para Carlos Paredes.

“Dança do Celtibero” é preambular, estabelecendo o ambiente do disco e os contrastes entre ambos os instrumentos. Com a amplitude harmónica da guitarra portuguesa a tornar tudo isto épico. Na intensa “Guerreona”, sobre os pilares de ligeiro overdrive da Telecaster, o icónico cistre luso é como o tecto da Sistina, colorindo com intensidade a capacidade criativa de Bacalhau e Martins. Nos outros dois temas deste disco, o protagonismo é alternado. Em “Remexido” a toada é mais blues, com a tónica suspensa à John Lee Hooker aumentada por crescendos de harmonizações da guitarra portuguesa – ao nosso ouvido impreparado parece-nos que não é usada a afinação nem de Coimbra, nem de Lisboa, mas a natural. Depois, em “Fado Menor” o protagonismo é de Martins e somos expostos ao pináculo estético e sónico deste projecto. É certo que a essência melódica reside nos dedilhados de Martins, mas o dinamismo e vigor do acompanhamento de Bacalhau, que começa firmado no blues e evolve de forma sublime e progressiva para padrões tradicionais, é absolutamente estupendo.

Diz-se muitas vezes, para elogiar um trabalho musical, que o mesmo é demasiado curto. De facto, “Encruzilhada” discorre num ápice, mesmo com tanto para absorver. A dupla terá que tornar a criar e gravar rapidamente, pois ainda que a repetição da escuta resista à erosão, as bases aqui estabelecidas tornam imperativa uma expansão do catálogo, pois estes quatro malhões sabem a muito pouco…

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