Aclamados por uns 30 mil fãs, ofereceram a Lisboa uma daquelas noites raras, absolutamente inesquecíveis. De uma dimensão épica como mais nenhum género além do heavy metal e nenhuma outra banda além dos Iron Maiden podem almejar.
Foi com um palco a evocar a era do shogunato no Japão, alusiva à temática do mais recente álbum, que subiu o pano daquele que foi o mais grandioso concerto dos Maiden em Portugal. O tema homónimo do mais recente trabalho discográfico abriu a noite, seguido dos singles extraídos do álbum “Stratego” e “The Writing Of The Wall”. Esse tríptico, digamos assim, criou as primeiras vagas de entusiasmo, podendo verificar-se o compromisso de muitos fãs de primeira fila, cantando já vigorosamente as letras das canções. Estava encerrado o primeiro acto. Serve também de preâmbulo para a FOH. Será um pesadelo conseguir fazer som à banda, bastando lembrar a presença de três guitarras e o enorme drumkit de Nicko, do qual se ouve cada nuance de timbalões e pratos. A espessura de um calor que quase se podia agarrar, a completa ausência de aragem – ao contrário, por exemplo, do que sucedeu no mesmo espaço, poucas semanas antes, no VOA – e a impressionante moldura humana… Tudo se congregou para favorecer a qualidade tremenda do som geral, afinado desde bem cedo, nestes primeiros três temas.
A mudança de cenário, com eficácia das maiores produções teatrais e operáticas, transporta-nos para a catedral dos Maiden, onde tudo iria desenrolar-se num crescendo de arrebatamento e extâse de fervor religioso. Primeiro a contemplação, através de “Revelations”, “Blood Brothers” (o primeiro momento cantado com o emergente poder coral do público), “Sign Of The Cross” e “Flight Of Icarus”. A idade não perdoa ninguém. Nem o hiperactivo Bruce Dickinson que já se protege na maior parte dos temas, sugerindo as notas mais agudas em vez de realmente as cantar e “apressando” muito os versos, para resistir com mais vigor durante todo o concerto. Isto não se trata de desvalorizar de qualquer modo o músico que, aos 63 anos de idade e mesmo depois de ter tido de lutar com um cancro na garganta, permanece um dos maiores cantores de sempre, apenas que se vai sentido o peso da idade.
Aliás, foi o próprio que, recentemente, abordou o assunto. Conforme os anos vão passando, torna-se mais difícil para qualquer vocalista de heavy metal atingir as notas mais altas e manter o vigor necessário a um concerto e Dickinson, numa entrevista com o Daily Star, deixou claro que, a partir do momento em que não consiga cumprir quatro músicas por noite, gostaria de ser substituído com efeito imediato. Apesar disso, Dickinson deixou claro que não abandonaria totalmente a banda: «Se amanhã não me sentir capaz de cantar mais do que quatro músicas por noite, gostaria que os outros tipos continuassem e gostaria de poder escolher o meu substituto. Claro que ainda continuaria a aparecer de vez em quando e o outro vocalista faria o resto».
Mas, chega um momento em que se esquece tudo isto. É quando chega o peso harmonizado das três guitarras em “Fear Of The Dark”. As melodias, os coros uníssonos de mais de 30 mil pessoas… É mesmo a melhor canção de sempre ao vivo, o exemplo perfeito do que se entende como a mistura entre uma banda, a sua música e o seu público. É sempre arrepiante. É também o momento ideal para deixar a minha laude ao herói nunca cantado dos Maiden: Janick Robert Gers. Nunca adquiriu o estatuto icónico de Dave Murray e dos seus antémicos leads, aquela imperturbável serenidade e solidez da mão esquerda, e nunca foi aclamado como o vibrante shredder que é Adrian Smith, mas é como uma soma de ambos e trouxe um som bluesy aos Maiden que, nos dedilhados e pequenos apontamentos melódicos sem distorção, tão bem patentes neste magistral tema, redimensionaram o carácter sonoro das lendas britânicas.
Aliás, as suas Strats, como o modelo branco dos anos 70, soam mais aproximadas aos pressupostos originais desse design, com os vibrantes Seymour Duncan JB Jr. (no braço e ponte) e o Seymour Duncan Hot Rails (no meio); já o modelo preto dos anos 60, o que lhe foi oferecido por Ian Gillan [Deep Purple], possui a mesma configuração SSS, com os JB Jr., mas com um genérico no meio, em vez do Hot Rails. Bom, é difícil dizer, na verdade, se as guitarras são as originais ou as versões Fender Custom Shop com que foi presenteado no início deste milénio. Mas, caramba, soa com a alma de um dos seus maiores ídolos, Rory Gallagher.
Nesse particular, Dave Murray usou principalmente (parece-nos) a sua Fender Californian Series Strat, a Sunburst de dois tons. Murray inverte o setup de pickups de Gers. Ou seja, dois Hot Rails e o JB Jr. na posição do meio. Os sistemas tremolo Floyd Rose são indicadores do seu carácter mais mod, que vem de há muitos anos, desde a sua Strat preta, a 1957/63 (braço de ’57 e corpo de ’63). Essa guitarra era de Paul Kossoff [Free] e Murray usou-a exaustivamente até 1990. Em 2009, a Fender usou-a para criar uma réplica Artist Signature, que agora é usada no palco, enquanto a guitarra original hiberna em casa da mãe do guitarrista. A respeito do gear utilizado pelos restantes elementos, podem espiar este nosso artigo, se bem que o acabamento usado por Nicko McBrain não seja o mesmo.
Setlist: Senjutsu; Stratego; The Writing on the Wall; Revelations; Blood Brothers; Sign of the Cross; Flight of Icarus; Fear of the Dark; Hallowed Be Thy Name; The Number of the Beast; Iron Maiden; The Trooper; The Clansman; Run to the Hills; Aces High.
Fomos fazer reportagem do concerto para o big media e acima lê-se apenas um excerto dessa crónica. Podem ler a totalidade do extenso artigo na Arte Sonora: AQUI. A foto de entrada é de Tony Molina.
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