Bruce Dickinson

Bruce Dickinson, The Chemical Wedding

“The Chemical Wedding” de Bruce Dickinson é um testemunho vibrante de exploração artística e da vontade de quebrar paradigmas. Ao fundir música, literatura e arte visual, o álbum oferece uma experiência multidimensional que convida a ponderar questões filosóficas profundas enquanto se usufrui de uma riquíssima tapeçaria de sons.

Originalmente editado nos dias 14 de Julho (Estados Unidos) e 28 de Setembro (resto do mundo) de 1998, “The Chemical Wedding” é um álbum axiomático na carreira de Bruce Dickinson. Muito mais que os três discos anteriores, este trabalho a solo cavou definitivamente um enorme fosso entre aquilo que era o seu legado nos Iron Maiden.

“Tattooed Millionaire”, o ponto de partida em 1990, foi um disco de convergência. Menos heavy metal e mais hard rock que os Maiden, agora não parece tão distante de “Fear Of The Dark”, no sentido em que há exploração de novas dinâmicas de guitarra e de novas possibilidades melódicas nos dois discos. Depois, “Balls To Picasso” foi o primeiro álbum que gravou após deixar o cargo de frontman das lendas britânicas da NWOBHM. Com mais atenções concentradas em si, Bruce Dickinson sacou esse mega single intitulado “Tears Of The Dragon”. Foi também aqui que se iniciou a significativa colaboração com Roy Z.

Mas Bruce Dickinson precisava de um maior golpe de asa e se, nos dois primeiros trabalhos preocupou-se em não radicalizar as mudanças estéticas, em “Skunkworks” (1996) houve rédea solta. Foi aí que começou a aproximação à estética ao grunge e, em particular, dos Soundgarden, a um carácter mais pessimista traduzido na coloração sónica do disco e das guitarras. Tudo mais negro e mais sujo, sob a alçada de Jack Endino. Mas o disco acabou por ter pouca expressão.

Ainda assim, a mensagem pareceu ter passado perfeitamente e, quando Roy Z foi novamente recrutado para trabalhar com Dickinson, o processo de metamorfose sónica ficou completo em “Accident Of Birth”. A sujidade de “Skunkworks” deu lugar a um sentido épico de prog metal e as guitarras começaram a descer substancialmente a sua afinação, com a riqueza sónica do álbum aumentada por sintetização densa e ambiental. Para muitos (como nós, de resto), no entanto, a grande chave da transformação foi o recrutamento do seu antigo colega nos Maiden para a guitarra. Adrian Smith emprestou o seu ouvido melódico aos arranjos e a um par de composições.

Então chegou a obra-prima. Com o cantor, Adrian Smith e Roy Z perfeitamente alinhados nas guitarras e a sobriedade da secção rítmica com o baixista Eddie Casillas e o baterista Dave Ingraham, “The Chemical Wedding” abandona definitivamente as raízes heavy metal de Bruce Dickinson e mergulha no universo prog rock, com uma soberba fusão de guitarras pesadíssimas, um som carregado de texturas, ocultismo e ainda a enigmática expressão artística de William Blake. O álbum é inovador não só sonicamente como na sua intrincada imersão na arte visual e na filosofia esotérica.

Vejamos, “The Chemical Wedding” apresenta uma evolução sónica que se distancia da persona Iron Maiden de Dickinson. O álbum explora uma gama mais ampla de estilos musicais, incluindo um trabalho de guitarra mais pesado, como dito, e intrincado, tal como intrincados são os arranjos e há mais ênfase em elementos atmosféricos e progressivos. Músicas como “King in Crimson”, “Book of Thel” e “Jerusalem” misturam riffs de guitarra com melodias vocais complexas e letras instigadoras. A voz de Dickinson abrange um espectro mais amplo, de melódico, bucólico e introspectivo, a poderoso e apaixonado (ou febril), espelhando os temas líricos do álbum.

William Blake

O álbum deriva o seu título e essência temática do trabalho de William Blake, particularmente do seu enigmático poema narrativo “The Marriage of Heaven and Hell” e da colecção de ilustrações que o acompanha. A filosofia visionária de Blake, os temas místicos e as obras de arte vívidas influenciaram profundamente a estrutura concetual do álbum. As letras de Bruce Dickinson recorrem frequentemente ao imaginário de Blake, explorando temas de transformação espiritual, dualidade e a interacção entre o céu e o inferno.

Olhando, como exemplo, as malhas atrás referenciadas. “King In Crimson” estabelece a vibração do álbum. Poder vocal de Bruce Dickinson e melodias orelhudas para cacete, coladas a um tremendo groove e peso sónicos. Liricamente, entramos no delírio cósmico e é explorada a transformação de corpos celestes e a fusão de forças opostas. “Book Of Thel” inspira-se no poema homónimo de Blake, reflectindo sobre o conceito filosófico da inocência e da experiência. Nos arranjos musicais, é dos temas mais desenvoltos no disco. “Jerusalem” é absolutamente antémica e adapta o poema de Blake “And did those feet in ancient time” enquanto encapsula a fusão de misticismo, história, filosofia e exploração musical presente neste extraordinário álbum.

O seu impacto na música reside na demonstração de como a visão de um artista pode transcender géneros e ligar-se ao público a vários níveis. A título pessoal, este é o melhor disco “Maiden related” após “Seventh Son of a Seventh Son”.

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