Electric Ladyland

Jimi Hendrix, Electric Ladyland

Na antecâmara do seu terceiro e último disco, Jimi Hendrix era já a voz da sua geração. Todavia, ninguém poderia ter estado preparado para a assombrosa forma como Hendrix forçou os limites da guitarra eléctrica e da música na tradução de conceitos como o erotismo, o mundano e o sobrenatural em “Electric Ladyland”.

O ano de 1968 marcou um momento crucial na história da música, um período de efervescência criativa e revolução cultural. Neste contexto, Jimi Hendrix lançou o seu terceiro álbum de estúdio, “Electric Ladyland”, uma obra-prima que não se limitou a consolidar o seu lugar como um dos maiores (para muitos o maior) guitarristas de todos os tempos, mas também desafiou as convenções musicais e sociais da época. Este álbum mostrou a evolução do estilo de Hendrix e estabeleceu-o definitivamente como um verdadeiro mestre nas seis cordas e um visionário musical.

Para entender o impacto de “Electric Ladyland”, é fundamental considerar o cenário musical e a evolução de Hendrix como artista. Jimi Hendrix, conhecido pela sua inovadora e explosiva fusão de rock, blues e psicadelismo, já havia lançado dois pioneiros discos, de rajada: “Are You Experienced” (1967) e “Axis: Bold as Love” (1967).

No entanto, “Electric Ladyland”, lançado originalmente no dia 16 de Outubro de 1968, levou a sua música a novos patamares. O álbum mostrou uma notável expansão na experimentação sonora, incorporando elementos de jazz, funk e música indiana, criando um som mais complexo, exótico e eclético.

Buster & Kramer

“Electric Ladyland” foi gravado em vários estúdios, reflectindo o carácter meticuloso e perfeccionista de Jimi Hendrix na busca sónica de cada um dos temas. As sessões iniciais tiveram lugar nos Olympic Studios, em Londres, onde Hendrix gravou grande parte do álbum. No entanto, após desentendimentos com o proprietário do estúdio, Jimi mudou a produção para o Record Plant, em Nova Iorque. O Record Plant tornou-se um ambiente crucial para a criação do álbum, proporcionando a Hendrix um espaço criativo mais livre e flexível.

A combinação de talento musical excepcional, experimentação ousada e técnicas inovadoras de gravação fez de “Electric Ladyland” uma obra-prima sónica. A abordagem criativa de Hendrix e Kramer na produção deste álbum estabeleceu um novo padrão para a indústria musical, influenciando inúmeras bandas e artistas nas décadas seguintes.

Em termos de técnicas de gravação, “Electric Ladyland” foi inovador para sua época. Jimi Hendrix e o seu inseparável engenheiro de som, Eddie Kramer, exploraram uma variedade de técnicas e efeitos para criar o som distinto do álbum. Uma das técnicas notáveis foi o uso extensivo de gravação multicanal, permitindo a sobreposição de várias faixas para criar uma textura sonora rica e complexa. Além disso, Hendrix e Kramer experimentaram com efeitos de estúdio, como phasing, flanging e reverse tape effects, contribuindo para a atmosfera psicadélica do álbum.

Além disso, empregaram técnicas de gravação em varispeed, gravando a guitarra em velocidade mais lento e, em seguida, acelerando a fita durante a mistura, alterando assim a expressão da guitarra de maneiras absolutamente singulares.

Voodoo

A habilidade de Hendrix com a guitarra eléctrica foi acentuada por várias técnicas inovadoras de gravação. Por exemplo, numa malha como “Voodoo Child (Slight Return)”, Hendrix utilizou um pedal wah-wah para modular o som da sua guitarra. Parece absolutamente normal dizê-lo hoje em dia, mas a expressividade e o groove daqueles riffs continuam inimitáveis.

“Voodoo Child (Slight Return)” e “All Along the Watchtower” (a estrondosa cover de Dylan) apresentam solos de guitarra arrebatadores, que forçaram os limites da guitarra eléctrica e continuam a inspirar músicos até hoje. A habilidade de Jimi Hendrix para extrair sons inovadores da sua guitarra, neste disco, permanece uma manifestação intacta da sua genialidade musical. Uma genialidade que estabeleceu um novo padrão para a expressão criativa no rock.

Slash, que arrancava “Civil War” com a introdução de “Voodoo Child (Slight Return)”, na Use Your Illusion Tour, foi o meu portal para Jimi Hendrix. Desde a primeira vez que escutei o guitarrista de Seattle, que ficaram imediatamente gravados no meu subconsciente aqueles sons e texturas, que emanavam deste artista fenomenal. Era de facto algo muito avançado para a altura, mesmo nesse tempo em que ouvi pela primeira vez, que não coincide, pela minha idade biológica, com o período histórico daquelas mesmas gravações.

O facto de ser canhoto e de usar a “Strat” com o corpo invertido também deve ter tido influência no estilo de tocar de Jimi. Inconscientemente também deve ter exercido um forte fascínio sobre mim, todo aquele glamour e atitude descomprometida com tudo o que o rodeia. Seguramente também o transformou numa referência para os outros músicos, guitarristas ou não. Era o quebrar de muitos tabus em termos de atitude em palco, e também na vida “real”, já que ele não se preocupava muito em “esconder nada” dos media e público em geral.

A Capa Banida

Precisamente, além do aspecto musical, “Electric Ladyland” também ficou marcado por sua capa controversa. A capa do álbum original apresentava uma foto de um grupo de mulheres nuas. Esta escolha provocativa de arte de capa gerou controvérsias e censura em muitos lugares, reflectindo o espírito ousado e desafiador do álbum. A capa não apenas simbolizou a liberdade de expressão, mas também questionou as normas sociais da época, tornando-se um símbolo da revolução cultural dos anos 60.

Em conclusão, “Electric Ladyland” de Jimi Hendrix não foi apenas um álbum; foi uma odisseia musical e visual que transcendeu as fronteiras do rock e da cultura popular. Este álbum não apenas marcou um ponto alto na carreira de Hendrix, mas também influenciou gerações de músicos e continua a ser uma fonte de inspiração para artistas de diversas áreas.

Ao contextualizar o álbum na discografia de Hendrix e considerar a sua capa polémica – e recomenda-se a leitura (extensa) deste compreensivo ensaio sobre a capa e a sua relação simbiótica com os ideais do Summer Of Love – fica claro que “Electric Ladyland” não apenas capturou o zeitgeist dos anos 60, mas também moldou o curso da música para sempre, estabelecendo Jimi Hendrix como um ícone imortal e uma lenda do rock.

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