O primeiro álbum da Jimi Hendrix Experience permanece como um dos mais importantes na história do rock, em particular, e da música, em geral. Pioneiro na forma como transcendeu as limitações técnicas de gravação da altura e abriu novas veredas tecnológicas. Neste disco que trouxe o rock para a era dos álbuns, Hendrix mudou também todos os paradigmas da forma de tocar guitarra eléctrica.
Depois de se ter mudado de armas e bagagens para Londres, Jimi Hendrix recrutou Mitch Mitchell na bateria e Noel Redding, inicialmente guitarrista, agora no baixo. Com a Jimi Hendrix Experience formada, a banda gravou uma versão de ‘Hey Joe’, que entrou nas tabelas de vendas. Hendrix iria tocar em vários clubes de Londres, experimentando e encontrando o seu som. Isto quando bandas de blues como os Rolling Stones andavam ali por perto e a guitarra estava a tornar-se bastante reverenciada e celebrizada devido a músicos impressionantes, como Eric Clapton e Jeff Beck. Mas o momento mágico chegou quando Chas Chandler ouviu os primórdios da ‘Purple Haze’. Chandler, anteriormente baixista dos Animals, decidiu tornar-se produtor e foi quem descobriu Hendrix.
O escritor e biógrafo de Hendrix, John McDermott conta a sua história sobre o dia, em 1966: «Jimi estava a tocar num pequeno clube em Londres e estava nos bastidores a brincar com o riff da ‘Purple Haze’, e Chas, estando lá, ouviu-o imediatamente e disse: ‘Escreve o resto disso. Esse é o próximo single’». Com fundos suficientes recolhidos a partir do sucesso do ‘Hey Joe’, Chandler estava determinado a levar a Experience a um estúdio melhor, onde trabalhava um jovem e promissor engenheiro de estúdio, nomeadamente, Eddie Kramer. Kramer trabalhava nos Olympic Studios e ele próprio era também muito arrojado.
O engenheiro lembra-se da história: «O gerente do estúdio disse-me um dia: ‘Sabes, Eddie, há um tipoamericano de cabelo grande chamado Jimi Hendrix. Fazes todas essas coisas estranhas, por isso porque não fazes isto?». As peças estavam todas no lugar para a criação do brilhante clássico que é ‘Purple Haze’. Kramer continua: «Havia uma boa sensação. Ele era muito tímido. Quando entrou no estúdio e ligou-se – oh, meu Deus, foi uma revelação. Nunca tinha ouvido nada assim».
Muitas pessoas associam a canção ao consumo de ácido, mas Hendrix sempre disse o contrário. De facto, a canção foi escrita na altura em que ele tinha estado a ler um romance de ficção científica, “Night of Light”, de Philip José Farmer, e adormeceu. Hendrix sonhou que estava debaixo de água, rodeado por uma impenetrável ‘Purple Haze’. Ele acredita que a bruma púrpura era um despertar espiritual e religioso e que talvez estivesse protegido por Deus. Inicialmente, o refrão da canção era: «Purple Haze, Jesus saves». A canção saiu em Março de 1967, no dia 17, e foi um enorme sucesso. Hendrix estava lançado.
O tema acabou por ficar de fora do explosivo “Are You Experienced”, o álbum de estreia da Jimi Hendrix Experience, originalmente editado no UK a 12 de Maio de 1967. O mesmo sucedeu a “Hey Joe”. Viriam a constar na edição USA e em edições posteriores, mas serve isto para dizer que Hendrix tinha tantas malhas e de tão elevado calibre que se podia dar ao luxo e deixar de lado aquelas que se tornaram duas das suas mais icónicas…
Eram os tempos em que a Gibson SG ainda reinava na sonoridade de Hendrix, antes da sua “fidelização” com as Fender Stratocaster. A gravação de “Purple Haze”, no início de ’67 foi ainda fulcral para a sonoridade de Hendrix e do disco devido a outro “pormaior”. Foi nessas sessões que Roger Mayer apresentou essa caixa mágica chamada Octavia ao guitarrista. Que logo usou o pedal no solo desse tema. Será uma questão de preferências, mas a edição norte-americana reúne um alinhamento mais consoante com o que Hendrix viria a firmar como idiossincrático, enquanto a edição britânica está mais direccionada para a febre do blues que se vivia nas Terras de Sua Majestade, para o mundo Claptoniano.
Senão repare-se, “The Wind Cries Mary”, outro dos primeiros temas a serem gravados, também saiu fora desta edição. Felizmente estão em ambos os LPs os dois grandes malhões do disco, “Love Or Confusion” e “I Don’t Live Today”. O primeiro é quase um esboço da grandiosidade que viria a surgir em “All Along The Watchtower”. O segundo é o tema rei do xamânico psicadelismo de Hendrix, além de incluir um efeito wah manual, que precede o surgimento do famoso pedal.
Essa é outra das coisas que, além da fulgurante forma criativa de Jimi, torna tão axiomático este disco. Tecnologicamente é uma vibrante exploração de possibilidades, como este exemplo do wah; o supracitado exemplo do Octavia; e ainda o recurso a inovadores técnicas de overdubbing, o uso do feedback como elemento musical, que Hendrix tornou icónico; a inversão das fitas da guitarra ou manipulação das mesmas para moldar a velocidade, como se ouve em momentos como “Third Stone From The Sun” ou no tema título que encerra o disco, na edição norte-americana ou britânica.
E, claro, a forma como Kramer captou muitas das baterias de Mitchell em duas pistas stereo, deixando as outras duas abertas para o baixo e guitarra, em vez da tradicional fórmula de gravar o baixo e a bateria em duas pistas mono, e assim gravando a banda em live takes. Depois era feita uma pré-mistura que condensava essas quatro pistas em duas, abrindo vaga em duas pistas extra. Dessa forma ultrapassou-se as limitações das quatro pistas da época e deu todo o tamanhão ao som do disco, que se sente ainda hoje.
“I Don’t Live Today” é o tema rei do xamânico psicadelismo de Hendrix, além de incluir um efeito wah manual, que precede o surgimento do famoso pedal.
Pagar tudo isto, ainda mais tratando-se de um relativo desconhecido, implicou que as sessões de estúdio fossem regularmente interrompidas para a Jimi Hendrix Experience se mandar aos concertos em clubes britânicos. Afortunadamente isso deixou a banda num tremendo estado de preparação e fulgor dinâmico. No total, o disco foi efectivamente gravado num total de dez dias, ainda que as sessões tenham atravessado meses. A versão final do disco ficou pronta pelas 03h da manhã do dia 25 de Abril.
É Chas Chandler que recorda a John McDermott, no livro “Ultimate Hendrix: An Illustrated Encyclopedia of Live Concerts and Sessions”, que preparou uma audição do LP para Horst Schamltze, um dos directores da Polydor, logo às 11h da manhã: «Quando Horst colocou a agulha no disco, fui invadido de suores frios, enquanto pensava… Quando ele ouvir isto, vai chamar os funcionários do hospício para me internar. O Horst ouviu o primeiro lado e não disse uma palavra. Depois, virou o disco e tocou o outro lado. Comecei a pensar naquilo que dizer para me safar. No final do segundo lado do disco, ele permaneceu ali sentado. Finalmente, disse: ‘Isto é brilhante. Isto é a melhor coisa que alguma vez ouvi».
Jamais houve outro disco como este da Jimi Hendrix Experience que tenha enclausurado de forma tão visceral o flower power e o psicadelismo, ao mesmo tempo que, aproveitando os pilares do blues rock, firmou as fundações do hard rock e a da guitarra eléctrica. Ainda hoje é fulminante!
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