John “Double Neck” McLaughlin

Guitarrista monstruoso e determinante na afirmação da guitarra eléctrica e da distorção no jazz, John McLaughlin reflecte sobre o seu percurso musical, sobre a preponderância de Miles Davis e John Coltrane na sua estética musical. Revemos também o seu principal equipamento na época dourada da Mahavishnu Orchestra.

Para qualquer maníaco da guitarra eléctrica, é quase inútil escrever qualquer nota introdutória sobre uma lenda como John McLaughlin. O papel que teve nos anos de fusão de Miles Davis e a forma como revitalizou o jazz eléctrico e como aproximou esse mundo duma rebeldia mais rock, ao mesmo tempo que o dotou da sublime espiritualidade hindu, tornaram-no num dos maiores e mais importantes nomes da história da música, assim o diz Zakir Hussain, com quem tocou em Shakti. Reconhecido pela sua técnica precisa e rapidez na execução, os seus concertos carregam a aura de lendários, cheios de momentos inesperados e de uma beleza transcendente. Frank Zappa criticou o seu modo “excessivo” de tocar, Jeff Beck diz que é «o mais importante guitarrista vivo».

Relembramos uma entrevista exclusiva em que, na altura, na antecâmara do primeiro álbum com The 4th Dimension, McLaughlin meu deu uma retrospectiva dos seus projectos e do seu percurso musical. Sempre progressista, o músico tem actualizado o seu rig de forma recorrente, mostrando e descrevendo a composição actual, bem como as guitarras que o acompanham neste fase, onde já não pontuam as double-neck que ele foi determinante a projectar e a desenvolver.

Obrigatoriamente, a conversa começou por Miles Davis e a influência determinante e poderosíssima do ícone no som de McLaughlin, algo que surgiu ainda a meio do século passado e ainda que Miles fosse trompetista e John guitarrista. Tal como Coltrane, cuja preponderância como influência estética surge logo de seguida.

«Descobri a música do Miles em 1957 e ‘converti-me’. Isto para dizer que, para mim, aquele era ‘O Caminho’ do jazz. Contudo, o Miles nunca teve uma guitarrista, tal como o John Coltrane, que descobri nas colaborações que teve com o Miles. Consequentemente, passei o meu tempo a ouvi-los, eles que eram músicos de sopro, e deixei de ouvir guitarristas – esta é uma das principais razões da influência que o Miles teve em mim. Claro que tenho que mencionar que o Miles criou uma nova música, um novo jazz e novos conceitos em música improvisada. Isto foi algo fantástico e excitante para mim, provocando um impacto que dura até hoje. E o próprio Coltrane não foi somente um grande músico e artista, ele foi uma influência e inspiração maravilhosa para que continuasse o meu trabalho em compreender as grandes questões existenciais. Neste sentido, ele foi realmente um guru para mim, tal como o Miles».

A música era, simplesmente, excitante por si só. Só tive noção do impacto desses tempos muitos anos depois.

John McLaughlin

Em retrospectiva, as coisas podem ser ditas mais levianamente, mas McLaughlin confessa humildemente que não tinha quaisquer expectativas a respeito dos discos que gravou com Miles Davis, casos de “In A Silent Way”, “Bitches Brew”, “A Tribute To Jack Johnson”, “Live-Evil” ou “On The Corner”, para citar apenas aqueles na viragem das décadas 60/70, e os explosivos trabalhos com a Mahavishnu Orchestra. Admite a importância que essas gravações adquiriram para uma ou mais gerações de músicos e ouvintes, mas revela que esse nunca foi o propósito. «Nessa altura, não tinha qualquer ideia sobre que tipo de influência esses álbuns teriam, se é que teriam alguma. Certamente, não estava a pensar no futuro. A música era, simplesmente, excitante por si só. Só tive noção do impacto desses tempos muitos anos depois. Também não creio que o Miles pensasse em que influência teria sobre gerações futuras. Basicamente, a arte, em geral, e a música, em particular, são sobre o momento, o agora. O impacto só pode ser medido no futuro, que nunca é considerado quando se está a fazer música».

Talvez que a excitação própria do momento tenha pesado no revestimento dinâmico de discos como “Trident” e “Birds Of Fire”, por exemplo, onde a banda soa com uma feroz autenticidade live take e, ainda assim, extremamente bem produzida, com um som maravilhoso e cheio de camadas. Além de que, recorda, havia imensa camaradagem e uma arma secreta: o elemento com as mãos na consola. «As gravações desse período eram sempre ao vivo, no estúdio. Na maior parte das vezes, essa é ainda a forma como gosto de gravar hoje em dia. Tínhamos um excelente engenheiro de som nessa altura, o Ken Scott. Por vezes os solistas tentavam gravar outro solo, especialmente se o take era bom, mas era geralmente difícil de fazê-lo de novo, então simplesmente gravávamos outra performance».

A Mahavishnu promoveu um contacto cada vez maior com a culturra hindu. A música ocidental e algumas das suas maiores figuras haviam explorado essas veredas, casos dos Beatles e do próprio Coltrane, entre muitos outros. John McLaughlin também perseguiu essa fusão e manifestou-a amplamente em Shakti, projecto que «nasceu da minha paixão pela cultura filosófica da indiana e pela sua música. Na Índia estas realidades são colocadas juntas, muito mais que no Ocidente. Isso foi algo que mudou com o advento do álbum ‘A Love Supreme’, do John Coltrane, em 1965, no qual conseguiu, com sucesso, integrar uma dimensão espiritual na música jazz contemporânea. Não é coincidência que o filho do Coltrane se chame Ravi – tal como o grande tocador de sitar indiano, Ravi Shankar, com quem tive o privilégio de estudar. Em 1970 tinha começado os meus estudos de teoria musical indiana e esses estudos já tiveram um impacto naquilo que escrevi para Mahavishnu Orchestra. Por 1973, já tinha travado amizade com Zakir Hussain, um mestre na tabla, e tinha passado um par de anos a estudar música do Sul da Índia na Wesleyan University, em Connecticut. Através dos meus estudos aí conheci o Dr. L. Shankar, que se juntou ao Zakir Hussain e a mim na primeira formação de Shakti. Contudo em 1975 tornou-se claro, para mim, que necessitava de dedicar mais tempo a aprender mais com estes maravilhosos músicos e improvisadores, então Shakti tornou-se o meu grupo principal. Foi também nesta altura que iniciei os estudos com o mestre Ravi Shankar. Ao tocar com esses músicos tive a ideia de modificar a minha guitarra acústica e acrescentar-lhe cordas de acompanhamento e entreguei a ideia ao construtor Abraham Wechter. Essas cordas permitiam-me acompanhar-me a mim próprio durante as improvisações, uma vez que o L. Shankar não o podia fazer da forma como eu o acompanhava a ele com a minha guitarra».

Depois surgiu a exploração do universo do flamenco. Musicalmente, Mclaughlin esteve, literalmente, por todo o lado. Miles acompanhou-o sempre… «Todas as minhas influências musicais surgiram-me entre os meus 11 e 15 anos. Comecei como um pianista clássico e descobri o blues do Mississippi ao mesmo tempo que uma guitarra entrou em minha casa. Durante 4 anos fui exposto a música da Índia, flamenco e jazz. Pelos meus 16 anos ouvi o LP “Miles Ahead”, uma colaboração entre o Miles Davis e o arranjista Gil Evans. Neste disco podes ouvir o quanto o Miles estimava a influência hispânica e, claro, o blues esteve sempre naquilo que o Miles tocava. E isso foi um momento catalisador para mim. Percebi que várias influências podiam ser integradas com beleza na música jazz. Mais tarde ouvi o Paco [de Lucía] e convidei-o imediatamente para colaborar comigo, foi assim que surgiram as 3 Guitarras [inicialmente com o Larry Coryell, que depois seria substituído por Al Di Meola]».

LESS IS MORE… COMPLEX

Actualmente, McLaughlin é endorser da PRS Guitars. Aliás, é um amigo bastante próximo de Paul Reed Smith e possui uns quantos modelos custom do luthier norte-americano. No seu site revela ainda, sem pudores, as guitarras que possui na sua colecção, incluindo modelos de outros luthiers e alguns “genéricos” e vale a pena dar-lhes uma olhada, aqui repetimos o link. No entanto, nada refere sobre uma guitarra que ajudou a celebrizar e deu origem a um modelo lendário. Falamos dos modelos double neck, a Gibson EDS-1275 e a Double Rainbow [na foto de entrada].

Entre os anos de 1971 e 1973 era a Gibson EDS-1275 [também usada por Jimmy Page na digressão de promoção a “Led Zeppelin IV”, principalmente nas performances de “Stairway To Heaven”]. Muitas vezes a guitarra surgia ligada a um plexi Marshall, em “meltdown mode” (sim, a rebentar até ao 11) ou a um Mesa. Fosse como fosse, quase sempre com um certo pré. Depois, após muita insistência, McLaughlin acabou por desistir de pedir à Gibson que adaptasse as double neck com as suas recomendações e Rex Bogue construiu-lhe a Double Rainbow, que foi exaustivamente usada entre ’73 e final de ’74. Bogue levou exactamente um ano a construir o instrumento, completando-o em Julho de 1973. A partir desse momento, o Duplo Arco-Íris ficou indissociável da Mahavishnu Orchestra. De acordo com o luthier, a Double Rainbow é construída em maple fiddleback, com os braços laminados construídos em maple e rosewood brasileiro. As escalas de 24 3/4” são em ébano gabonês, percorridas por 22 trastes. Os inlays em cada uma das escalas possuem a fórmula de uma “Árvore da Vida”, simbolizando o progresso de McLaughlin na sua jornada espiritual.

Na electrónica, apenas um master tone e quatro botões de volume, um para cada um dos pickups, rebobinados com separações dos coils, para permitir alternar entre modos de faseamento entre os pickups. Além disso, a Double Rainbow possuía um circuito pré-amplificador. Precisamente, dizemos “possuía” porque a guitarra sofreu um fim trágico e algo inusitado. Sem ninguém que ninguém estivesse por perto, tombou de um banco, de frente para o chão e dividiu-se em duas. A única recuperação possível seria a reconstrução, chegou a dizer McLaughlin. Não é inteiramente claro se a guitarra foi um exemplar único.

MESA BOOGIE MARK I & V-TWIN | Em cada momento que se escreve sobre McLaughlin é impossível não mencionar a fabulosa Mahavishnu Orchestra. O guitarrista imortalizou o som Mesa Boogie, especificamente o amplificador Mark I, nos primeiros álbuns “The Inner Mounting Flame” e “Birds Of Fire”. Há que dizer que McLaughlin também chegou a usar Marshall, mas aquelas duas armas foram uma componente fundamental no som que a Mahavishnu Orchestra criou, dinamitando barreiras de tonalidade e electricidade dentro do próprio jazz e aproximando-se duma dimensão de rock clássico, de som de estádios. O guitarrista usou até muito recentemente Mesa Boogie, usufruindo do calor e corpo do preamp V-Twin, no formato pedal, em vez de rack, com o sinal a sair directamente para o PA.

SEYMOUR DUNCAN SFX- 03 TWIN TUBE & ZENDRIVE | Entretanto, como nos diz, mudou para o preamp Seymour Duncan Twin Tube, usando o mesmo método de amplificação do sinal [directamente para a mesa]. O pedal usa um circuito high plate de alta voltagem – maior que 9 volts, recorrentes em muitos modelos 12AX7 com sistemas starved plate e fixed bias – o que permite uma dinâmica mais ampla e a clareza na performance de frequências mais altas, como o guitarrista refere. O Hermida Audio Zendrive também serve de pré, capaz de captar a sensação orgânica e rasgada da distorção de amps valvulados, recorrendo a tecnologia FET de alta-voltagem.

MXR STEREO CHORUS & CARBON COPY DELAY | O Stereo Chorus é um modelo versátil, que permite controlar definir, logo à partida, os níveis de Rate e Width – definir a conjugação que mais nos apraz – e depois aumentar a profundidade dessa combinação pré-definida através do controlo de Intensity. Além disso, o pedal permite calibrar bem a zona de frequências que trabalhamos, com controlos de Bass e Treble, e ainda permite uma boa resposta em sonoridades mais pesadas e graves através dum Bass Filter que actua nas frequências mais elevadas. Apesar de ser um pedal stereo, também permite uma utilização em mono. O Carbon Copy é um delay analógico que conta com uma extensão de 600ms, permite ir de um extremo bem seco e contido até ao colossal estilo de David Gilmour. Além dos controlos exteriores de Delay, Mix e Regen, é possível configurar no interior do pedal a modulação de valor e profundidade da acção do delay. O utilizador tem a possibilidade de uma personalização única. Óptimo pedal.

Um pensamento sobre “John “Double Neck” McLaughlin

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