“The Thunderthief” é um trovejante manifesto da genialidade de John Paul Jones enquanto compositor e do seu prodigioso domínio de vários instrumentos e linguagens musicais.
Depois de “Zooma” (1999), John Paul Jones talvez tenha ido ainda mais longe na demonstração das suas capacidades musicais em “The Thunderthief” – ele que sempre foi o grande académico dos Led Zeppelin. Está acompanhado pelo baterista Terl Bryant ao longo de todo o disco. Adam Bomb empresta o seu talento ao solo de guitarra de “Angry Angry” e Robert Fripp as linhas frenéticas de guitarra no tema de abertura, “Leafy Meadows”. Esse prodigioso instrumental, que conta ainda com o contributo de Nick Breggs no Chapman Stick, deixa bem demarcadas as intenções deste disco. Um compêndio de fogo rocker que Jones parece ter trazido do périplo dos Zeppelin na Islândia, soando com a força do ‘Martelo dos Deuses’.
Para lá dos músicos referidos, este é um verdadeiro disco a solo. Nele, Jones gravou as vozes, os diversos tipos de baixos (4, 6, 10 e 12 cordas) guitarras acústicas e eléctricas, bandolim (sim, o de três braços também), pianos, órgãos, sintetização e ainda instrumentos tradicionais como o koto japonês ou a auto-harpa. Além disso, a mistura e produção também são assinadas pelo lendário baixista dos Led Zeppelin.
O ecletismo dos nove temas é verdadeiramente arrebatador. Depois das duas bombardas rocker que abrem o álbum, “Hoediddle” soa como um sonho molhado de Ian Anderson, numa explosiva fusão de folk de vários cantos do mundo, com forte enraizamento numa estética celta; “Daphne” é um blues com um groove tão retorcido que só pode causar inveja a Jeff Beck; “Angry Angry” é uma bruta punkalhada, misturada com country, sem merdas e com o surreal solo do já referido Adam Bomb; o tema-título tem uma das linhas de baixo mais incrivelmente rápidas que já se ouviram em comparação com qualquer coisa gravada por Les Claypool, John Entwhistle ou Tony Levin. Isto não é dito para menosprezar qualquer um desses três fenomenais músicos, mas para salientar porque motivo Jones conquistou tamanha admiração dos seus pares.
“Ice Fishing At Night” e os seus pianos neo-românticos ou o clássico do folk norte-americano “Down To The River To Pray” são momentos de sofisticação e em que a tracklist nos deixa respirar. Além de demonstrarem o notável domínio de vários instrumentos e o descomunal glossário musical de Jones. Assim se vai misturando o disco, entre eléctrico e acústico, folclore e erudição. Tudo sempre bastante arredondado melodicamente, sem presunções de elitismo. Se não se ouve mais este disco por aí, a culpa é do grotesco e corporativo ciclo vicioso em que se fechou a indústria musical.
No final, os riffs de baixo em “Shibuya Bop” tornam a demolir tudo. Desta feita com alguns modos médio-orientais ao melhor jeito dos King Crimson (afinal a DGM, que editou o disco, é a label de Robert Fripp). Ainda assim, talvez Jones consiga soar ainda mais jazzy. A encerrar, “Freedom Song” é o melhor exemplo do quão cerebral é John Paul Jones e da sua versatilidade ao fazer soar as três cordas do koto como um bandolim e misturando a estrutura de versos de um haiku com uma balada irlandesa.
A título pessoal, este não é o meu disco favorito pós Zeppelin – o “No Quarter” de Page e Plant e “Raising Sand” de Plant e Alison Krauss disputam esse lugar, mas é certamente o melhor, o mais vertiginoso e o mais até o mais original. Na medida em que vai além de uma recatalogação e dos riscos que assume. Aliás, “The Thunderthief” é a prova de que sem John Paul Jones não teria existido Led Zeppelin.