Gente danada faz som danado. Nesta rubrica revemos alguns dos mais extraordinários trabalhos criados por músicos portugueses, devotos de volume e distorção extremos, de paisagens sónicas escuras ou violentas e do Grande Bode. Neste volume, olhamos de frente mais das muitas faces do death metal.
É comum dizê-lo, como será em todos os países, que o underground metaleiro nacional tem evoluído muito. Mas quem está familiarizado com a cena heavy portuguesa sabe que depois dos picos de intensidade no início dos anos 90 e alguns apontamentos esporádicos na década seguinte, os grandes discos de música extrema portuguesa não surgiam num fluxo constante. Felizmente, na última década, as coisas mudaram e há cada vez mais bandas e lançamentos com padrões bem elevados na composição, na atitude e nos aspectos sónicos, seja nas proezas instrumentais ou no enorme salto nos valores de produção que advieram da democratização das ferramentas de gravação.
Ainda assim, o metal continua a ser um género bastante guetizado em Portugal e há discos que passam despercebidos aos mais desatentos, quando deveriam ser alvos dos maiores louvores. É isso que pretendemos nesta rubrica. Podem consultar a primeira colheita (aqui), a segunda (aqui), a terceira (aqui), a quarta (aqui) e a quinta (aqui). Depois de um sexto volume, no qual regressamos às profundezas do metal mais pesado, tornamos a olhar as várias facetas do death metal. Como instituído, eis mais cinco tremendos discos que merecem a nossa e a vossa atenção…
Editado em 2011, “Phenakism” é uma pedra colossal de peso. Um álbum de nível internacional que não responde apenas à tradição tecnicamente exuberante dos pilares canadianos do death metal avant-guarde Voivod e Gorguts, mas apresenta-se também sob o véu cerimonial de Chuck Schuldiner e principalmente na fase Control Denied. O segundo álbum dos CONCEALMENT é um daqueles trabalhos que ultrapassa barreiras genéricas e que dinamita qualquer preconceito que possa surgir derivado dum termo como death metal, execuções, detalhes e produção (do baterista David Jerónimo) exemplares, num trabalho que roça a perfeição. Mais considerável tudo isto se torna se pensarmos que estamos a falar num power trio. Neste álbum, as vozes limpas foram reduzidas ao mínimo; Filipe Correia passou a usar guitarras de 8 cordas e, aumentando a contagem ao mastondôntico baixo de 9 cordas de Paulo Silva. Pois bem, equilibrar as camadas instrumentais e manter contrastes dos voicings nestes pressupostos é outro desafio ultrapassado com brilhantismo assinalável. Misturado e masterizado nos G-Spot Studios, editado pela Major Label Industries, “Phenakism” é apenas mais uma prova de que os Concealment são uma das maiores pérolas do underground português. Em 2018 a banda tornou a editar, num split ao lado dos Starweather, espera-se por isso um terceiro trabalho. Está na hora!
Em 2016, “Flesh & Bones” soava como um álbum de death metal moderno, com nada mais que um leve aceno de cabeça ao old-school. O seu som é polido, bem afiado e limpo (em termos de produção). Os temas são rápidos, precisos e, por vezes, devastadoramente pesados. Mas o que os Switchtense fazem aqui, que muitas bandas de death metal se esquecem de fazer hoje em dia, é tocar riffs simples, com o propósito de headbanging. Como que para provar que não se limita a ser um banal regurgitador de distorção, para abanar a carola, Nuno Pardal vai disparando solos que são melodicamente acutilantes e apropriadamente vertiginosos. Há uma certa omnipresença dos Malevolent Creation, pelo menos nas imensamente propulsivas baterias. Não há aqui um poço de novas ideias, mas é tudo bem feito. Extremamente bem feito. E a intensidade sem compromissos será capaz de fazer perder o fôlego a mais experiente ouvinte de death metal. Sempre a abrir e depois entra-se n outro nível, a partir de “Ignorance is Bliss”, “Old Souls” e “Six Feet Underground” – portanto, a segunda metade do álbum é ainda mais intensa que a primeira. Trabalho absolutamente maníaco!
No início de 2010, os W.A.K.O. (sigla que resume We Are Killing Ourselves) planearam gravar o seu segundo álbum e trabalhou novamente com o produtor Daniel Cardoso, na segunda vida dos UltraSound Studios, em Braga. O músico estava ainda num período que que o seu talento como baterista era requisitado por meio país e, neste disco, percebe-se bem porquê. Elevando a fasquia, “The Road of Awareness”, foi proposto para mixagem e masterização a Josh Wilbur, vencedor do prémio Grammy (Chevelle, Staind, Puddle of Mud, Hatebreed e Lamb of God) nos Spin Studios, na cidade de Nova Iorque. A seguir, a banda assinou contrato com a Rastilho Records e 2011 viu a edição do disco. Este álbum procura desapegar-se um pouco do primeiro trabalho (“Deconstructive Essence”) soando musicalmente mais complexo e conceptualmente mais denso. Há mais dissonâncias a percorrer os temas, algo que deriva duma procura por uma sonoridade fora de parâmetros normais, da fuga a escalas mais recorrentes, por um sentido polirrítmico. E, no geral, o espectro sónico revestiu-se de um corpo de graves mais absorvente e pelo correspondente peso de uma afinação em A.
“Beast Brigade” é o segundo álbum dos Theriomorphic. Como convém a estas coisas, é bastante melhor que os trabalhos que o antecederam, a demotape do início do milénio e o primeiro álbum, “Enter The Mighty Theriomorphic” (2005). Mantém o pecado original desses primeiros trabalhos e do EP “Of Fire And Light”, já de 2018, que são os valores de produção algo fracos. As baterias possuem pouco “estalo”, as guitarras soam demasiado enroladas e a voz (o Jó sabe que o adoro) está demasiado in your face, muitaz ves sem poder para isso. Soa tudo um bocado early nineties, sendo honesto. Quanto aos méritos deste disco… Ultrapassando a questão da produção, que impede os temas de atingirem todo o seu potencial, a paixão das execuções, que congrega o melhor da capacidade de cada um dos músicos, e o evidente trabalho de composição oferecem-nos bons apontamentos de death metal clássico que, em vários momentos, evidencia um cativante carácter melódico. Também o sentido dinâmico está bem desenvolvido e os contrastes entre melodia e peso puro, a distorção e o semi-acústico, permitem que o disco se mantenha “vivo” durante toda a sua escuta. “Dark Sky Above”, “The Beast Brigade” (mais a sua segunda parte, que serve de epílogo ao disco) ou “Flesh Denied” são malhas de calibre considerável. Considerando toda a carreira destes veteranos formados em 1997, talvez falte consistência de line-up e em sala de ensaio para dar o passo seguinte.
Implacável neste disco de 2019, a ferocidade de Besta é alimentada por um tremendo savoir faire do line-up. A coesão da banda advém da bastardia de um certo balanço death ‘n’ roll dos We Are The Damned e violência sanguinária do frontman. Demência, horror e punk, é o que nos é oferecido a cada álbum. Torna-se distinto este trabalho que é “Eterno Rancor” (que recolheu aplausos em imensos quadrantes) por cristalizar uma progressivamente crescente consciência social que o grindcore da banda foi desenvolvendo nos últimos anos. Sonicamente, este álbum prossegue uma estética apegada aos padrões do género no final dos anos 80, sem grandes compromissos na atitude. É old-school, revestido de algum caparro extra de low end. Ou seja, groove à bruta no que respeita ao som e ao vigor de execução da banda, na qual se destaca o dinamismo instrumental e o facto da voz não ser uma espécie de one trick poney.