Lonerism, Os Tame Impala de Sabbath a Bowie

Uma conversa com Kevin Parker, a reflectir sobre o segundo álbum dos Tame Impala, disco onde se cruzam as miríades de influências estéticas do músico, da pop ao psicadelismo.

O “Innerspeaker” de Kevin Parker, em 2010, colocou meio mundo de ouvido no seu projecto de nome curioso. Em “Lonerism” continua a assumir uma forma isolada de escrever e gravar. Poderia ganhar outra dimensão trabalhando com mais pessoas? Talvez. Mas quando as suas composições são percorridas de forma tão clara pelo seu próprio e imenso universo musical, a verdade é que só o sentido unitário de um elemento singular poderá manter nexo nesse mesmo universo. Afinal, seguindo a teoria criacionista, não houve criadores, mas um Criador. E é deveras imenso o universo de Kevin Parker, de Sabbath a Bowie, com um sabor a “Sgt Peppers”, do stoner psicadélico ao pop rock de garagem. O próprio assume-se como um Todd Rundgren contemporâneo e prova-o de forma clara num tema como “Mind Mischief”.

Um dos grandes méritos do músico é ter tornado, através dos seus álbuns, a tradição psicadélica dos anos 70 um novo baluarte de aclamação crítica. Afinal, “Lonerism” tem sido apontado unanimemente como um dos álbuns do ano. Essa tradição é notória através de todo o disco, desde a própria cadência e dinâmicas estruturais dos temas, até a detalhes de produção [como o uso de flangers e phasers a fazerem o disco ser percorrido por uma paisagem sonora cosmonáutica]. “Lonerism” é o futuro passado. Quando os dinossauros da história do rock caminharam na terra, a paisagem era mais exótica e rica. E, como um paleontólogo, Parker grava-nos um documentário, em jeito de tese, a ilustrar esse cenário. Há mais sintetização neste álbum que no de estreia. Num tema como “Why Won’t They Talk To Me?”, sentimo-nos como no meio de um delírio de fusão entre os solos de Rick Wakeman, nos concertos dos Yes, e a dream pop de algo como Beach House. Há sonhos que fazem sentido. O único pecado deste álbum reside nas baterias. Não é que sejam incompetentes ou simplistas, mas entre acústico e digital e o excesso de ideias há algum “desmazelo” – os padrões não soam trancados e com a força com que podia soar. Com excepção para a colossal “Elephant”, que poderia fazer parte da tracklist de “Master of Reality”! Ok, se fizerem o compromisso de imaginá-lo com beats electrónicos.

Contudo, enquanto pensamos nisto, ouvimos um tema como “Keep On Lying”, com um solo tão George Harrison, e perdoamos qualquer coisa a Parker. A sua natureza prog, com vários temas a ultrapassar a marca dos 5 e 6 minutos, não lhe dará muito airplay mas, ainda assim, no final “Lonerism” é uma utopia que vale a pena ser escutada e na qual acreditar. Era essa a fé do músico australiano há dez anos atrás.

Não digo que sejamos livres de influências, mas no momento em que, enquanto músico, estás a compor não pensas em algo assim de forma directa.

Kevin Parker

Chegaste a referir “Lonerism” como algo pop…
Sim, no início. Nessa fase, ao fazê-lo pensei que estava com uma direcção bastante pop. Acontece que num processo tão individual, como foi a composição, acabas por perder perspectiva. Acima de tudo, penso que a música tem muito de acidental. Não digo que sejamos livres de influências, mas no momento em que, enquanto músico, estás a compor não pensas em algo assim de forma directa.

Nesse processo tomaste algum tipo de medida para não acabares com um álbum hermético?
Não creio que te devas preocupar se estás a fazer algo que apenas tu consegues compreender. Afinal, mesmo que no final esse seja o resultado, continua a ser uma obra de arte. De facto, é mesmo isso que torna aquilo que fazes em algo mais singular. É um cliché, mas não tive qualquer preocupação com o que as pessoas poderiam pensar do disco. Isso não significa que, pensando nos nossos fãs, não procure fazer música que saiba que o “nosso pessoal” vai gostar, mas isso é o mínimo.

Enquanto adepto de processamento, chegas ao ponto de arranjar uma canção de determinada forma devido à influência de um pedal?
Sim… Mas penso que isso acontece em círculo. Escreves algo através de uma coisa e depois acabas por responder a esta. Ouves e reages, isso faz-te ter uma nova acção que vais ouvir novamente e assim por diante. Fazer e ouvir. A maquinaria é importante, mas no final não é. Tudo se resume ao facto de estares a ser criativo com os efeitos, usas o que tens disponível, o equipamento que consegues ter.

Como trabalhaste o som de guitarra, a nível de efeitos?
Há alguns modelos que venho a usar há algum tempo [ver caixa], mas um dos meus favoritos é o Diamond Vibrato que dá muita oscilação, um som muito ondulado ao som. Usei-o em praticamente todo o álbum.

Electro-Harmonix Holy Grail Reverb; Electro-Harmonix Holy Grail Nano Reverb, BOSS BD-2 Blues driver, Dunlop DVP1 Volume Pedal, Dunlop Cry Baby; Dunlop MXR Carbon Copy Analog Delay; Dunlop MXR Dyna Comp; DOD FX25 Envelope Filter; Electro-Harmonix Small Stone Phaser; Dunlop Fuzz Face; Moog MoogerFooger MF-105 MuRF, entre outros na pedalboard de “Lonerism”.

Há uma luta entre o analógico e o digital no álbum?
Não foi premeditado. Tem a ver com aquela ideia de usar o que está disponível. O material analógico vintage é, geralmente, caro e nem sempre acessível. Ao mesmo tempo, cresci a usar equipamento digital, pois era o que podia comprar. Aprendi a gostar do som digital, especialmente quando está com algum tipo de avaria. Um overdrive… a distorção digital é uma das coisas mais excitantes para mim. Gosto realmente do som de qualquer tipo de equipamento, acontece que desta vez tínhamos mais soluções disponíveis e é isso que conta. Devo acrescentar que há algo charmoso no equipamento barato e reles, no som que tem.

Falando em coisas nem sempre acessíveis, que microfones usaste?
Basicamente, usei micros que um amigo me emprestou [risos]. Comprei alguns SM57 [Shure] também. O modelo principalmente usado na voz foi um Sennheiser MD421. Também recorri, particularmente, a uns Rode K2, como overheads. Foi mais ou menos isto. Um dos meus planos é arranjar micros melhores [risos].

Acabaste por usar principalmente o Sennheiser na voz por algum motivo particular?
Gosto muito do som fino do 421, funciona bem com a minha voz. É um micro que não necessita que trabalhe muito os EQ, e é um micro que naturalmente não tem muito bottom-end – não gosto de vozes “bassy”.

E, estando a gravar ao mesmo tempo que produzias, captaste as coisas com objectividade ou deixaste espaço para experimentar no pós-processamento?
Nas guitarras, de um modo geral, gravei logo como queria. Com as baterias gravei algumas coisas mais secas, mas deixei espaço para experimentar muito – procuro muito acrescentar efeitos ao som da bateria. Na bateria, voz e sintetizadores estou constantemente a procurar um som diferente em cada audição.

Penso ser isso a essência deste álbum – a forma como um autêntico “lamaçal” de guitarras e sintetizadores, um “pântano” de sons, acaba por se solidificar no final.

Kevin Parker

Foi essa exploração que fez com que acabasses por recorrer mais a sintetização do que havias feito em “Innerspeaker”?
É um dos problemas de estares tu próprio a gravar, há uma exploração muito maior e depois é um pouco difícil deixar algumas ideias para trás. Custa mesmo deixar algumas coisas de fora da mistura, por conflito harmónico, mas ao mesmo tempo penso ser isso a essência deste álbum – a forma como um autêntico “lamaçal” de guitarras e sintetizadores, um “pântano” de sons, acaba por se solidificar no final. É um desafio que só se resolve em deixar as músicas gravadas e depois “esquecê-las” durante um tempo e então tornar a ouvir.

Mas acontece, depois dessa “desintoxicação”, acabares por mudar algo radicalmente, regravar mesmo, ou fazes apenas pequenos retoques na mistura?
Depende do que estavas a sentir quando gravaste originalmente, do que acabaste por fazer. Se estiver a ouvir uma canção que gravei com a sensação de dúvida se precisava de um outro elemento de sintetização, por exemplo, então tento perceber se é mesmo necessário, pois no momento é que conta. Se for uma canção com a qual fiquei enamorado quando gravei e vindo ouvi-la repetidamente continuar a sentir isso então nem sequer mudo coisa alguma. A ideia é manter o momento que bateu mesmo.

Ainda a respeito de guitarras. Irrita-me, digamos assim, não “topar” que modelo de guitarra usavas que parecia o cruzamento de uma Rickenbacker com uma Strat…
Creio que seria a Hagström Impala! É uma guitarra feita nos anos 70. Também achei curioso o nome [risos]. Dei com ela por mero acaso, não sabia que existiam estes modelos. Não te posso dizer quais as suas características, porque não percebo nada de guitarras. Gosto do som [risos]. Ainda assim fiz quase tudo com uma Rickenbacker 330 [Jetglo], andava viciado no som hollow-body – tem outro tipo de rudeza, outro gain… De um modo geral, prefiro pickups mais microfónicos porque captam qualquer coisa e tornam-se um pouco mais instáveis que os magnéticos.

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