Luís Simões, Os Mandalas de Saturnia

Viajamos no tempo, dentro do cosmos de Saturnia, para vislumbrar os alicerces sónicos do projecto. O guia é Luís Simões, o grande arquitecto (ou o impulsivo xamã) de todo este edifício musical, que nos deixa ainda alguns mandalas sónicos alusivos a momentos da sua discografia, como “The Twilight Bong”, “Chrysalis” ou “Moving Mandala”.

Como reforço de som e propulsão estrutural, os Saturnia passaram a trio – com a inclusão de um baterista – em 2015. Essa foi a forma já presente no álbum “Real High”, de 2016. A bateria é um instrumento cuja relação com a banda perfaz uma simbólica circunferência, numa história, refere Simões, «tão longa como a de Saturnia». O arquitecto de todo o edifício musical de Saturnia relembra os primeiros tempos e os alicerces da banda: «A ideia inicial não era, sequer, fazer uma normal, mas uma coisa multimédia. Com música, performance e vídeo. Acabou tudo por ficar restrito à música, porque é a área que domino e na qual podia levar as coisas em diante com mais facilidade».

O conceito inicial de Saturnia e o contexto musical e pessoal de Simões, circa 97, ditou a sonoridade rítmica puramente electrónica do primeiro álbum, trabalho homónimo, dois anos mais tarde. «Na altura, estava em reacção a tudo o que era a forma de trabalhar rock. Queria fugir totalmente a estar com mais três ou quatro gajos, fechados numa sala, em altos berros a responder à bateria». Contudo, deu-se uma metamorfose logo no segundo álbum, “The Glitter Odd”, «com a electrónica a começar a ocupar outro espaço na equalização, numa zona mais média, e comecei a usar loops de baterias acústicas por cima de uma camada de loops electrónicos filtrados»

Essa exploração sublimou, em “Hydrophonic Gardening”, o álbum seguinte, o carácter electrónico como um elemento, quase estritamente, percussivo. No álbum, refere Simões, «há sempre um tipo de pandeireta ou shaker num ritmo constante e o beat principal a ser qualquer coisa que se foi tornando cada vez mais “baterística”. E quando decidi fazer do “Musak” um álbum mais pop, mais de canções, aí sim, começou a haver algo como um baterista. Está tudo sequenciado, mas com sons acústicos samplados de uma bateria bem vintage que tenho, uma Premier dos anos 60. Além das tais percussões electrónicas».

A construção do golem rítmico que, tal como as atmosferas de sintetização de Tiago Marques, se juntou à exploração cordofónica de Luís Simões, ficou completa no ambicioso díptico “Alpha Omega Alpha”, álbum de 2012. «Há um baterista que, no fundo, é feito a partir de samples, loops e MIDI, feitos por mim, alguma programação ou electrónica, que está mais sugerida que explicita. Esse baterista imaginário foi ocupando cada vez mais espaço em Saturnia». O círculo fechou-se com a entrada de um baterista naquele que foi o quinto LP da banda e que, na altura, serviu de mote para uma conversa através do percurso conceptual e do som de Saturnia, além de uma jam ao vivo, na antiga rubrica 5º Andar, nos meus tempos de editor na AS.

Nessa sessão, que tive o prazer de gravar e misturar (com gravação e edição de vídeo da Inês Barrau), Simões usou a sitar para construir um improviso em torno de momentos da discografia de Saturnia como “The Twilight Bong”, “Chrysalis” ou “Moving Mandala”. O músico apenas usou como base o sample de um drone de tambura.

Procurei transpor técnicas de pintura para o som. Misturar aquela junção de pontos, do impressionismo, com o sfumato, que serviria para esbater [o som]

Luís Simões

A foto de entrada é da Inês Barrau. Este artigo foi originalmente publicado na Arte Sonora.

Um pensamento sobre “Luís Simões, Os Mandalas de Saturnia

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