Malignea, Morte Vermelha

Inspirando-se em Edgar Allan Poe, a “Morte Vermelha” é uma épica hiperbolização sobre os recentes tempos pandémicos e introduz o primeiro álbum dos Malignea, que chega em Janeiro de 2023, via Ethereal Sound Works.

Em Outubro de 2014, Luís Possante (guitarra), Isabel Cristina (voz), Miguel Sampaio (baixo) e Gonçalo Nascimento (voz), decidiram fazer renascer das cinzas os Dogma, voltando de novo aos ensaios, recuperando os primeiros temas da banda, com o intuito de regravar os mesmos em álbum. Por forma a completar o alinhamento da banda, passam a fazer parte da mesma Rui Nunes (Bateria) e, mais tarde, em 2017, João Marques (Guitarra). Apesar de improvável o regresso, foi com naturalidade que as ideias rejuvenesceram e possibilitaram a gravação dos temas que tinham sido criados na demo “Weltschmerz” e de outros que não entraram nesse trabalho, mas que lhe eram contemporâneos.

Nasceu assim o álbum “Reditum”. Um bom regresso, revelando uma maturidade musical que não existia na primeira encarnação, que recolheu aplausos da cena nacional e abriu as portas ao segundo disco que, não obstante a nova recepção calorosa e a notória evolução da banda, vitimado pelas circunstâncias, implicou o final do percurso dos Dogma. De acordo com Luís Possante, em declarações recolhidas pelas LOUD!: «Infelizmente a pandemia veio limitar muitos dos planos que tínhamos após o lançamento do segundo álbum», refere o guitarrista, sobre “Mallevs Maleficarvm” de 2020. «Fizemos o que foi possível dadas as circunstâncias, mas tudo tem o seu tempo e a partir do momento em que o Gonçalo nos disse que para ele os Dogma tinham cumprido os seus objectivos e não queria continuar, achámos que deveríamos pôr um ponto final nesse projecto».

A transição acabou a revelar-se como uma transformação alquímica, atendendo às palavras de Possante. «Cada morte é um renascimento, de imediato começámos a planear o passo seguinte: um novo projecto com a Isabel como única vocalista». Afinal, a continuação dos músicos envolvidos «fazia todo o sentido uma vez que a química continuava lá, bem como a vontade de continuar a fazer música e, mais que tudo, a necessidade de expandir os limites daquilo que conseguimos fazer musicalmente».

E assim surgiram os Malignea, cuja formação contempla todos os elementos da última encarnação dos Dogma, com a excepção de Gonçalo Nascimento. Isabel Cristina na voz, Luís Possante na guitarra, João Pedro Ribeiro também na guitarra, Miguel Sampaio no baixo e Luís Abreu na bateria. Possante refere que começar um novo projecto é sempre «uma oportunidade de fazer algo diferente e mais ousado que o anterior».

A banda gravou o seu primeiro álbum durante o final da Primavera passada junto de Fernando Matias, nos The Pentagon Audio Manufacturers. Lançou-se numa série de concertos ao vivo nos meses que decorreram entretanto e, já em Setembro último, assinou contrato discográfico com a Ethereal Soundworks, respeitada label portuguesa. O álbum de estreia vai ser editado no dia 06 de Janeiro. Agora chegou o primeiro single, “Morte Vermelha”…

Em Maio de 1842,  Edgar Allan Poe publicou o conto de horror, A Máscara da Morte Rubra. De acordo com académicos literários, baseou-se num relato do poeta Nathaniel Parkers Willis, íntimo de Poe na época, que esteve presente num “baile de cólera”, realizado em Paris enquanto a doença ganhava grandes proporções. Logo no primeiro parágrafo é-nos contado que uma terrível peste contaminou o país e os sintomas são assim descritos: «Dores agudas, vertigens, hemorragia pelos poros. Manchas vermelhas pelo corpo, a morte». Ainda assim, o príncipe Próspero, arrogante na sua juventude e dos seus amigos, ao ver o reino despovoado pela doença, reúne todos numa abadia reclusa, sem qualquer contato com o mundo externo, a fim de impedir o contágio dos convidados.

Os meses passaram, as mortes cresceram, a doença não tinha fim e, em total desprezo com a realidade domundo exterior, o príncipe organizou para seus convidados um baile de máscaras. Porém, mesmo ignorada, a dura realidade está omnipresente. As diferentes salas do baile possuíam luzes provenientes dos vitrais, que as tornavam coloridas. No entanto, uma delas escureceu, com os vitrais a adquirirem uma tonalidade vermelho sangue. Ao mesmo tempo, o ruído das engrenagens um relógio antigo incitava «[…] a pensar, a lembrar, e a temer», pois uma doença fatal e de alto índice de contágio, mesmo quando barrada por muralhas, ainda pode acometer um mero mortal. Assim, no final do conto sabemos que, durante a madrugada, um convidado mascarado surge com vestes manchadas de sangue e dá-se um atentado ao príncipe. Após a morte do anfitrião, os demais convidados perdem, um a um, a sua vida.

Pegando no conte, os Malignea convidam-nos a reflectir sobre se este indesejado convidado é, afinal, a própria doença capaz de contagiar mesmo aqueles que não a tiveram como algo a ser temido e cuidado. Para o fazer, a banda inspira-se no seu passado sónico, dentro do death/doom gótico, com as vocalizações de Isabel Cristina, qual pitonisa, a sentenciar que esta é uma dança que todos terão que fazer…

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