Manuel Fúria leva “Os Perdedores”, álbum onde se reinventou após meia década de silêncio editorial, ao Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém. Eis os detalhes do concerto e do disco 70 da FlorCaveira.
Muito tempo passou desde “Viva Fúria”, o último disco de Manuel Fúria e os Náufragos. Meia década. Desde então, o autor rejeitou palcos, mandou abaixo redes sociais, procurou abrigo longe das profecias de desmaterialização de Houellebecq. Algures pelo caminho, com a ajuda do Gui Tomé Ribeiro, gravou 10 canções. “Os Perdedores”, edição número 70 da FlorCaveira, um disco e uma banda, por surpresa e força do destino, foi levado a cumprir-se no Arquipélago de Escritores, encontro literário erguido no meio do mar açoreano pelo espírito e engenho de Nuno Costa Santos e de Sara Leal, companheiros para sempre desta história, que também por eles está a ser documentada num filme que um dia verá o escuro da sala de projecção.
Nos instantes após o final do concerto de apresentação na Ilha de Nosso Senhor Jesus Cristo das Terceiras, que a banda deu no dia 15 de Outubro de 2022, muito rápido se compreendeu que o caminho não poderia ficar por ali. Teria sido, talvez, apenas um começo. A história dos Perdedores tinha, pelo menos, mais um capítulo por escrever, logo a seguir à parte em que o disco sai para as lojas (no dia 18 de Novembro, numa especialíssima e numerada edição de 250 vinis tingidos pelo púrpura sacado ao Prince e à liturgia da penitência), aquela outra em que a banda toca na sua cidade.
Assim será no dia 10 de Dezembro de 2022, um Sábado, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa: Manuel Fúria, Francisca Aires Mateus, Tomás Cruz, Vasco Magalhães e João Eleutério apresentam ao vivo “Os Perdedores”, um disco, uma banda, uma maneira de traduzir em linguagem pop electrónica aquele aforismo da Agustina que vai assim: «Aprender a perder fora afinal a sua escola de vida; e melhor do que essa não há».
PERDER É A GLÓRIA DOS BRAVOS
Sobre o disco, escreve garbosamente Nuno Costa Santos as palavras que reproduzimos de seguida…
«O disco mais pessoal de Manuel Fúria – ele que só sabe edificar uma arte assente na biografia. O passado quer-se arrumado em cima da cama como o vestuário que já não serve. Fúria decide catalogar a memória e arriscar a reinvenção. Ao banho de uma nostálgica melancolia, como aconteceu em périplos anteriores, prefere tentar uma catarse antes da luz. Para isso, assume a dor da perda e a religião. Lembra mártires, denuncia massacres, nomeia a brevidade de tudo, homenageia um chão. Coloca na montra das lojas que já morreram destroços, raízes, o rosto de pessoas que foram decisivas, paisagens que determinam vidas.
“Os Perdedores” é o disco de uma banda de quem já teve uma banda. É nessa contradição que se cumpre e se transcende. Reúne um punhado de canções de um rockeiro que adere à electrónica para dizer o tempo das guitarras. Uma electrónica sem heroísmos, que, ela própria, homenageia um cânone. Quase como um paradoxo, o sentido é o de densificar e convocar sombras. Para depois voltar a uma possibilidade, assente na glória de perder. Músicas de quem já foi “o maior” e quer purgar a soberba e outros deslumbres. Canções de quem aceitou a escultura do tempo e procura formas de salvação possível ao gritar o nome dos amigos naufragados ou ao lembrar a infância, dividida entre a cidade e as serras, de “um menino de seu pai”.
“Os Perdedores” é o melhor título para um álbum musical-conceptual concretizado num tempo em que o triunfo mentiroso é o fetiche dominante. A autoria é apagada para dar lugar ao escândalo do anonimato. Bravo gesto de quem se despede, acerta contas, paga dívidas, acorda noutra manhã. Que é como quem diz: de quem alinha os escombros e abre, com o destemor da fragilidade, as portadas do futuro».