Marnie Stern

Marnie Stern, Maternidade & Shred

Destacou-se na efervescência do indie rock no início do segundo milénio como uma talentosa shredder. Após “The Chronicles Of Marnia” (2013) seguiu-se um longo silêncio editorial. “The Comeback Kid” é o triunfal álbum de regresso de Marnie Stern.

“The Comeback Kid” é o 5.º álbum de estúdio da shredder norte-americana Marnie Stern (editado a 3 de Novembro de 2023, via Joyful Noise Recordings). Veio quebrar um hiato discográfico de uma década, depois do aclamado “The Chronicles Of Marnia”, e sem chegar à meia-hora ded duração total, é um vibrante testemunho do poder da guitarra eléctrica, numa era em que não poucas vezes dizem que este tipo de música está morto.

Uma das principais razões para a ausência de gravações está relacionada com uma oportunidade perto do irrecusável. Durante oito anos, Marnie Stern fez parte da banda residente no talkshow Late Night With Seth Meyers. Numa conversa com a Stereogum, Stern descreve esse trabalho como uma espada de dois gumes: é gratificante ter como emprego tocar música todas as noites, mas era a música de outros. Depois, a maternidade. O imperativo biológico de criar duas crianças pode colocar o espaço criativo em segundo plano. «Sentia uma tremenda falta de o fazer mas, ao mesmo tempo, essa necessidade era atenuada por estar a tocar todas as noites, o que me fez demorar a perceber: ‘Espera, preciso de fazer isto’», explica Marnie Stern.

O álbum era uma urgência, as janelas de oportunidade estavam a fechar. Considerando o longo hiato, seria expectável que a abordagem criativa tivesse alterações significativas, mas “The Comeback Kid” não reflecte qualquer perda de identidade que poderia advir de tantas noites passadas a tocar estilos diferentes e um cancioneiro que não era seu. As suas idiossincrasias permanecem intactas e os pontos de referência são a sua discografia passada, com predominância do seu estilo de tapping herdado de Eddie Van Halen sobre um desafiante fundo de rock alternativo.

Gravado com Jeremy Gara (baterista de Arcade Fire) atrás do kit, “The Comeback Kid” é um fulgurante exercício de math rock, com progressões melódicas vigorosas e intensidade rítmica para dar e vender. Se no anterior “The Chronicles Of Marnia” dominava um sentido melancólico e contemplativo, desta vez abunda o entusiasmo simples de tornar a escrever em cada riff de Marnie Stern, que nos deixa uma tocante afirmação de equilíbrio entre a individualidade e a maternidade.

«Quando tens que cuidar de crianças, elas são a prioridade. Naturalmente, queres que sejam a prioridade. Não digo que haja qualquer dúvida, mas subsiste um resíduo nuclear que diz ‘bom, agora esta é a minha vida’. Ao ter a oportunidade de nos sentarmos a escrever canções como que nos centramos um pouco mais em nós próprios. Porque abdicas muito de ti quando te tornas operário e quando estás com os teus filhos, perdes um pouco do teu sentido de individualidade», explica Marnie Stern na referida entrevista à Stereogum.

No final, “The Comeback Kid” revela a reconciliação de Stern com a sua vida e a dos seus, um certo estado de beatitude e serenidade, que se traduz numa latente e explosiva confiança na sua execução musical. Pode ter passado uma década desde a última vez que tínhamos ouvido Marnie Stern, mas quando a sua guitarra irrompe como uma chuva de poeira estelar desde as primeiras notas do sucessor de “The Chronicles of Marnia” é como se o tempo não tivesse passado.

Mas que não se crie a ideia de que este disco se trata de uma viagem de nostalgia. “The Comeback Kid” é uma declaração de intenções. «I can’t keep on moving backwards», repete Marnie Stern na antológica malha de abertura “Plain Speak”, os seus dedos batem furiosamente no braço da guitarra enquanto a canção avança como um foguetão a atingir velocidade warp. Marnie está sempre a sair da sua zona de conforto ao longo do disco, não se limitando a polvilhá-lo com a sua excepcional destreza técnica. “Til It’s Over” é uma malha alt rock cruzada com pós-punk tocantemente transparente e há essa versão de “Il Girotondo Della Note”, de Ennio Morricone.

«Foi tão bom poder voltar a ser eu própria e quando pensava: «Oh, isto é demasiado, demasiado estranho? Lembrava-me que posso fazer o que quiser! Isto é meu. Sou eu. Estou a tentar ir contra a corrente desta treta de que quando se envelhece, perde-se o sentido do gosto. Quero dar poder às pessoas para não serem tão homogéneas e irem um pouco contra a corrente», confessa Marnie Stern no press que acompanha o álbum. Resta dizer que é óptimo tê-la de volta.

A foto que abre o artigo é de Amy Lombard, para a Pitchfork.

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